16 de dez. de 2011

O HUMOR COTIDIANO DE MÁRIO QUINTANA

Logo depois do almoço, Mário atravessa a Rua Caldas Júnior para ir à redação do Correio do Povo buscar a correspondência e tomar o habitual cafezinho. Distraído, não vê o Chevette que dá marcha a ré para sair do estacionamento, nem é notado pelo motorista.

                    Socorrido por dois homens, imediatamente é colocado no carro, que segue rápido para o Hospital de Pronto Socorro. Depois de acender um cigarro, segurando a perna que doía e sem perceber que o automóvel que o levava era o mesmo que o atropelara, Mário pergunta ao preocupado motorista:

                    - Anotaram o número da placa?

                    E o tranquiliza:

                    - É para jogar na loto.


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                    No atropelamento, Quintana quebrara o fêmur esquerdo e deveria submeter-se a uma cirurgia para colocação de prótese. Os médicos preocupavam-se com a idade dele, 79 anos, e anteciparam que a recuperação poderia ser lenta. Ele permaneceria alguns dias no hospital. Paciência, ora bolas!
                    - Lá vou ter bastante tempo para trabalhar. Só que agora meus poemas vão sair de pé-quebrado...

                    E ao saber que a prótese seria de platina:

                    - Ah! Agora sim, vou ser um poeta de valor...


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                    Início de mais uma madrugada. Mário chega à pensão em que morava, Barros Cassal, perto da Avenida Independência, e é mal recebido pelos cachorros. Reage aos latidos com todos os palavrões disponíveis. Na calçada, os pintores Waldeny Elias e Gastão Hofstaetter, que passaram a noite bebendo com ele e vieram deixá-lo em casa, assistem à cena.

                    E meio à gritaria, abre-se a janela e surge a dona da pensão:

                    - Mas o que é isso, seu Mário! O senhor, um homem tão culto, dizendo essas barbaridades!

                    Ele se defende:

                    - É que a senhora não sabe os nomes que os seus cachorros estão me dizendo...


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                    Depois do almoço, Mário Quintana e o jornalista J. Prado Magalhães. da Folha da Tarde, fazem a digestão caminhando pela Rua da Praia. Ao chegarem à Rua da Ladeira, Mário tem sua atenção despertada por uma nova placa de trânsito colocada ali: “Esquina perigosa”. Num tom irônico, quase distante, observa:

                    - Vejam só. Como se a esquina pudesse ser perigosa. Perigosos são os motoristas, ora bolas...


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                    Autografa um de seus livros com a tranquilidade costumeira, dizendo uma coisa ou outra para as crianças da fila, quando é apresentado a um ministro de Estado de passagem por Porto Alegre e que estava ali para cumprimentá-lo. Curvando o corpo o político confessa, tentando ser gentil:

                    - Gosto muito dos seus versinhos.

                    E Quintana, abrindo aquela sua expressão típica de incredulidade, revida no mesmo instante:

                    - Muito obrigado pela sua opiniãozinha.


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                    O desconhecido espalhou sobre a mesa do poeta cerca de cem folhas de papel almaço repletas de sonetos manuscritos:

                    - Seu Mário, vim trocar algumas ideias com senhor.

                    - Não aceito – disse Quintana -, vou sair perdendo!

(Do livro “Ora bolas”, o humor cotidiano de Mário Quintana – de Juarez Fonseca)

Enviado pelo meu amigo Nilo 

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