14 de abr. de 2013

A CONQUISTA DE MONTESE POR BRAVOS BRASILEIROS HÁ 68 ANOS - TRIBUTO AOS PRACINHAS BRASILEIROS


Foi num dia como hoje, 14 de Abril, que o Brasil através de sua Força Expedicionária Brasileira (os pracinhas) conquistaram Montese depois de uma luta sangrenta, destruindo um baluarte da resistência alemã. Salve a gloriosa participação da FEB!

Claudevan Melo Melo
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(Abril de 1945)

A cidade de Montese, na Itália, está localizada nos contrafortes dos Apeninos, a 841 metros acima do nível do mar. É formada pela própria sede (em Montese) e por dez pequenos povoados ao seu redor: Maserno, Castellucio di Moscheda, Iola, Salto, San Martino, San Giacomo Maggiore, Montalto, Semelano, Montespecchio e Bertocchi. Todas essas localidades são pontos de referências dos brasileiros que combateram em Montese.


A capital, Modena, está localizada a 58 quilômetros de Bolonha. Para alcançar Montese o caminho é acidentado. Atualmente as estradas são asfaltadas, mas ainda há muita dificuldade para os veículos que sobem a serra, pois os caminhos são estreitos.
Os bosques de plantas silvestres foram recuperados após a Segunda Guerra Mundial. Hoje, encontramos algumas variedades como castanheiras e árvores 
chamadas quércias.



A história de Montese se perde um pouco no tempo, e um dos documentos mais antigos se reporta ao ano de 1197, quando a pequena cidade, por motivo de proteção, aliou-se à cidade de Modena, conforme documento firmado entre a população e seus vizinhos. Tal ato não envolvia os castelos vizinhos e os que moravam nos locais mais altos (rochas), isto é, os militares e homens armados; esses últimos eram isentos das taxas ou dízimos.


Para a pessoa que visita Montese na atualidade, chama a atenção os antigos casarios, e o mais preponderante desses é La Rocca (a rocha) com sua torre, local estratégico para as populações antigas e um marco nas construções medievais, onde os habitantes procuravam proteção. Em La Rocca foi construído um castelo por volta do século XIII, e até 1945 o lugar formava um conjunto arquitetônico, juntamente com o campanário e a igreja, mas, em grande parte, foram demolidos pelos bombardeios ocorridos em abril daquele ano.

Hoje, desse conjunto restam a igreja, que foi recuperada, e a torre. Do local, é possível descortinar o panorama em torno da cidade ‑ com seu visual nos reportando à Idade Média. As casas localizadas logo abaixo do morro, onde estão situados o castelo e a igreja, também não foram poupadas de serem devastadas pela guerra. A História Contemporânea da cidade é fortemente marcada pela Segunda Guerra Mundial, com toda sua tragédia ‑ com muitos mortos e feridos ‑ e pela sua destruição. A cidade foi alvo direto de bombardeios alemães e aliados.

A liberação de Montese está intimamente ligada à história da campanha efetuada naquela localidade pelos brasileiros, em abril de 1945. O episódio de liberação da cidade recebeu o nome de Ofensiva da Primavera. Para os brasileiros, até aquele momento a campanha apresentava um saldo positivo, e a tomada do Monte Castello, ocorrida no dia 21 de fevereiro, nas proximidades de Montese, colocava os soldados brasileiros numa posição de tropa veterana e ofensiva.

No dia 20 de março, o general Mascarenhas de Moraes compareceu à Conferência no quartel-general do IV Corpo, em Castelnuovo, onde foi discutido o novo plano de operações desse IV Corpo ‑ inserido nas manobras do XV Grupo de Exércitos. Era o início da Ofensiva da Primavera. O plano tinha estes objetivos: libertar a cidade de Bolonha, a travessia do Rio Pó e bloquear o Passo de Brenner (fronteira da Itália e Suíça e principal rota de retraimento do inimigo).

O comandante da FEB, gen. Mascarenhas de Moraes, participaria ainda de mais duas conferências na pequena cidade de Castelluccio, realizadas nos dias 27 de março e 8 de abril de 1945, quando foram esboçadas, em linhas gerais, as manobras a serem efetuadas pelo IV Corpo do Exército.
Aqui cabe ressaltar que essas manobras envolviam a 10.ª Divisão de Montanha americana, uma tropa de elite, cujo comandante era o gen. George Hays, a quem foi dada a missão de romper as linhas inimigas, em direção ao Monte della Spe-Tolè, num envolvimento direto com o maciço de Montese. Tal situação era preocupante, pois naquele momento não se dispunha de informações seguras sobre as reservas inimigas situadas nas proximidades.

Para atingir o eixo principal do ataque, de acordo com o esquema tático, a 10.ª de Montanha passaria pela cidade de Montese pelo flanco oeste. Esse era um setor desconhecido e sobre o qual não havia informações precisas. O comandante da divisão americana expôs a preocupação aos demais generais e, por sugestão do gen. Mascarenhas de Moraes, foi feita uma reorganização das divisões americana e brasileira, cabendo à tropa brasileira o ataque frontal à cidade de Montese, cobrindo, dessa forma, o caminho para a 10.ª de Montanha atingir seu objetivo.

Em suas memórias, o gen. Mascarenhas de Moraes retrata o fato, ao narrar seu diálogo com o comandante da 10. ª de Montanha:

“General Hays: ‘Tem a Divisão Brasileira a certeza de tomar Montese?’
Gracejando, respondeu o general Mascarenhas:

‘Sim, tenho, mas quero também saber se o general Hays tem a certeza de aproveitar o sucesso brasileiro sobre Montese.’

Um movimento de aplausos da seleta assistência acolheu as palavras do nosso chefe divisionário, afirmando que a sua tropa estava em condições de conquistar Montese (liberando as unidades empenhadas sucessivamente nesse flanco para a ação principal de ruptura) e progredir na direção de Zocca-Vignola.” (MATTOS, Carlos de Meira. O Marechal Mascarenhas de Moraes e sua época).

Enquanto era desencadeada a ação conjunta contra os alemães que estavam dentro da cidade de Montese, o 14 de abril de 1945 assinalava uma data importante na história da guerra italiana. As forças do V e VIII Exércitos convergiram sobre Bolonha, e a guerra caminhava para o seu fim.

O 11.º Regimento de Infantaria Brasileiro, já na encosta de Montese ‑ principalmente na baixada do monte Montaurígola ‑, enfrenta uma jornada difícil, sob fortes bombardeios. Às 11:07 horas desse dia, uma patrulha de reconhecimento brasileira se encontrava detida por um campo minado, com a apresentação de muitas baixas.

Esse fato e tantos outros são lembrados pelos montesinos, no livro “Montese ‑ fascismo, guerra, ricostruzione”. Nessa obra, foram reunidas as pesquisas organizadas pelo grupo cultural Il Trebbo e publicadas em 1990, trabalho que consiste em uma fonte importante para a ordenação deste artigo, pois ali estão ordenados, de uma forma cronológica, os fatos ocorridos nessa cidade no período de 1943 a 1945, que diz respeito à participação brasileira na liberação da cidade. (BELLISI, PICCINELLI, MORSIENI et al. Montese – fascismo, guerra, ricostruzione).

Estão registradas nessa obra as diversas fases históricas da cidade. Reconstituída, ali, pela observação dos seus autores sobre essas fases, englobando a época do fascismo vivido pelos seus habitantes, a guerra e destruição e, por último, a reorganização da cidade na reconstrução.

Os depoimentos encontrados na comunidade nos ajudaram a reconstituir a história ligando brasileiros e montesinos. Ao recompor esses fatos ‑ os dos momentos marcados e vivenciados pela população civil e pelos soldados ‑, aproximamo-nos da materialização de dois monumentos que homenageiam os brasileiros como libertadores da cidade.

Os testemunhos dos sobreviventes italianos, de pessoas que não saíram de suas casas e delas fizeram abrigos, e o relato dos soldados brasileiros participantes das ações bélicas de Montese ‑ nas jornadas dos dias 12 a 17 de abril de 1945 ‑ conduzem a momento críticos e fragmentados de uma história. São narrativas que se completam e que recompõem episódios singulares que levam seus participantes ao não esquecimento.

O episódio ocorrido em Montaurígola ‑ o campo minado, que fez muitas vítimas brasileiras e italianas ‑ também é visto pelos memorialistas brasileiros. Reportamo-nos aqui à narrativa de um dos participantes da campanha de Montese:

Tomando conhecimento das pesadas baixas ocorridas naquele pelotão, o Dr.Yvon acompanhado d”o tenente Ary [...] iniciaram uma longa e perigosa caminhada cortada de campos minados e varrida incessantemente pelo fogo alemão, até alcançar estreita e rala ravina entre Montaurígola e as faldas de Montese, quando foram também detidos por fortes rajadas de “lurdinhas”, morteiros e artilharia. (ALMEIDA, Adhemar Rivermar de. Montese ‑ Marco glorioso de uma trajetória).

Às 18 horas do dia 14 de abril, a cidade de Montese estava em poder dos brasileiros. E os correspondentes brasileiros que estavam nas proximidades acompanharam os grupamentos brasileiros, que faziam o reconhecimento no interior da cidade ‑ casa por casa ‑ e organizavam os prisioneiros, que se entregavam.

Escreve Joel Silveira, correspondente brasileiro de O Globo:

Para os brasileiros a vitória é ainda incerta. Os nazistas, esparsos pelos morros aos redores, despejam sobre a cidade, minuto após minuto, uma chuva de morteiros… Há quatro dias que a cidade está em mãos dos brasileiros, mas ainda é um longo tempo sem paz. As ruas estão desertas. Ontem, um morteiro alemão derrubou mais uma parede da torre. Uma bomba incendiária acertou o posto de socorro brasileiro, que ainda queima… (BELLISI, PICCINELLI, MORSIENI et al. op. cit.).
Montese foi a cidade da província de Modena a mais devastada na Segunda Guerra Mundial. As estatísticas levantadas logo após a liberação da cidade pelos brasileiros mostram que foram destruídas 1.121 casas; os feridos e mutilados por estilhaços e minas superaram o número de 700 pessoas; e os mortos, entre homens, mulheres e crianças, passaram de 189.

Como outros tantos pequenos povoados italianos, Montese sofreu diretamente as ações agressivas causadas pela guerra, que culminaram em destruição e mortes na sua pequena população. E agora tem procurado rememorar essas ocorrências de diversas formas. Não são apenas os eventos comemorativos de caráter cívico, mas vai além. Trata-se de um trabalho conjunto com a administração da cidade, na qual são desenvolvidos projetos culturais intimamente ligados aos acontecimentos do passado.

Um dos projetos organizados recentemente diz respeito à sinalização da cidade quanto ao seu itinerário histórico. Esse roteiro conduz o turista pelos prédios antigos da cidade, chamando a atenção para o complexo formado pelo castelo e sua torre, todos da época medieval.

As igrejas históricas e os pequenos oratórios destacados são parte da rede de caminhos denominados de “singulares residências” ‑ segundo Luciano Mazza, antigo prefeito de Montese. Ao referir-se a essas construções os descreve como testemunhos de uma riqueza histórica, da espiritualidade e da fé religiosa entre outras, que se associam aos eventos legados por uma tradição cultural.

Mas o passado da guerra traz marcas profundas para a cidade e além dela. São os pequenos burgos que compõem o quadro referencial das batalhas ali ocorridas, com todos distando a poucos quilômetros do centro de Montese. Esses são os caminhos que interessaram também a esta pesquisa.

As marcas que assinalam o passado histórico da cidade estão registradas na Montese Carte dei Sentiere, ou melhor, no mapa dos caminhos. O guia turístico chama a atenção do visitante que chega, pois o slogan diz: Montese, un territorio da conoscere. Segundo o roteiro, ali estão os indicativos de que os passeios podem ser feitos a pé, a cavalo ou de bicicleta.

Os sentieri, ou caminhos, contêm os itinerários históricos naturais e didáticos. A Linha Gótica é o roteiro didático histórico, que compreende as localidades de Montello, Maserno, Riva de Biscia (lugar onde tombou Max Wolff Filho) e Montespecchio. Todas essas localidades estão ligadas aos combates ocorridos ali com a presença dos brasileiros, sempre lembrados.

As trilhas são numeradas, tanto na carta como nos caminhos, através de placas indicativas, orientando os caminhantes.

O itinerário histórico não diz respeito apenas a Montese. Lá encontramos também o Itinerário diddatico della memoria, que compreende a localidade da serra de Ronchidoso, onde estão situados a centenária Igreja dos Imigrantes, o Monte Castello e Belvedere, relacionados à história da Segunda Guerra Mundial ‑ sempre com a presença de soldados americanos e brasileiros.

Outro roteiro importante para a cidade e seus visitantes recebe o nome de “Itinerário diddático della Linea Gotica”; a direção é Montello. Chegando a esse local, um grande cartaz orienta para o percurso que pode ser percorrido em 1 hora de caminhada a pé por um trecho de 2,5 quilômetros, onde é possível ver as posições alemãs, que ainda se encontram juntas à cinta de pedra que protegia a cidade na época medieval.

Montello está ligada à memória brasileira e ela é lembrada também no circuito histórico da Linha Gótica, pelo grande letreiro colocado no início da trilha, e demonstra o grau de dificuldade enfrentada pela FEB nos dias que seguiram à tomada de Montese. (Extraído da dissertação “La Forza di Spedizione Brasiliana’ (FEB): Memória e História”: Marco da Monumentalística Italiana”).RIGONI, Carmen Lúcia, UFPR.2003

Fatos e lugares a demarcar um tempo para não ser esquecido jamais, histórias vibrantes dos combatentes brasileiros, um dia jovens, saindo de sua pátria para defender as liberdades.

Carmen Lúcia Rigoni é doutora em História Cultural.

Pertence-AHIMTB e IHGPR

Abril de 2013.

Curitiba- Paraná

* Artigo publicado no Boletim do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná( 2003) e no Jornal da ASMIR( Associação dos Militares da Reserva.)

http://www.portalfeb.com.br/a-atuacao-da-feb-em-montese-italia-e-a-ofensiva-da-primavera

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