23 de dez. de 2015

COMO THAUMATURGO EXPULSOU OS PERUANOS DO JURUÁ


Cruzeiro do Sul havia sido fundada há pouco mais de dois meses e nem todas as repartições públicas tinham feito mudança para o seringal centro brasileiro


Vanísia Nery - Transcorria o mês de novembro do ano de 1904, o rio Juruá já ganhara água suficiente para permitir a navegação dos primeiros navios das casas aviadoras de Belém e Manaus que se apressavam em trazer passageiros e mercadorias para abastecer os barracões dos seringalistas. Depois de desembarque dos utensílios necessários ao fabrico da borracha como baldes, tigelas, porongas e lamparinas, facas, terçados, machados, espingardas, chumbo, pólvora e, de alimentos como carne enlatadas, biscoitos, açúcar, sal, e cachaça inicia-se o embarque das pelas de borracha e sernambi.


O navio o “Juruá”, da casa aviadora paraense Antonio Cruz & Companhia, estava ancorado no porto do seringal invencível, sede provisória da cidade Cruzeiro do Sul, situado na confluência dos rios Juruá e Moa. Há dois meses deixara o porto de Belém e agora estava de baixada a fim de ter tempo de fazer uma nova viagem antes da chegada do verão.

Cruzeiro do Sul havia sido fundada há pouco mais de dois meses e nem todas as repartições públicas tinham tido tempo suficiente para efetivar a mudança para o seringal centro brasileiro, local escolhido pelo prefeito Gregório Thaumaturgo para abrigar a sede definitiva da prefeitura do Departamento do Alto Juruá.

Enquanto se ocupava em planejar a nova cidade, com a segurança de quem já fora governador dos estados do Piauí e Amazonas, o marechal Thaumaturgo recebeu uma má notícia: o Peru acabara de instalar um posto aduaneiro na confluência dos rios Amônea e Juruá, para cobrar impostos da borracha que por ali passava e tivera, ainda, a ousadia de denominar o local de NuevoIquitos.

A notícia apanhou o general de surpresa uma vez que até então os peruanos estavam se mantendo acima da foz do rio Breu. Com a experiência de quem trabalhara junto à comissão encarregada de demarca a fronteira do Brasil com a Venezuela, o marechal logo deduziu logo a estratégia do vizinho: como os dois países estavam preparando uma comissão mista para percorrer o Juruá a fim de demarcar os seus limites fronteiriços com base no direito de posse o Peru avançava Brasil adentro a fim de consolidar novas posições.

O marechal então com 51 anos de idade, homem trabalhador, de têmpera irascível, habituado a confrontos ficou profundamente irritado com a atitude dos peruanos. Havia de tomar medidas imediatas – pensou – para preservar o território do Departamento do Alto Juruá, cuja gestão lhe fora confiada pelo próprio presidente da República. Não havia tempo o suficiente para comunicar-se com a Capital Federal, o Rio de Janeiro, e aguardar providências. Era necessário agir logo, pensou. Ele tinha um problemão pela frente por que a guarnição da tropa federal a sua disposição era composta de poucos homens e mesmo assim não havia como transportá-la até o Amônea, ou Nueva Iquitos como queriam os peruanos.

Enquanto pensava como enfrentar aquela situação nova tomou conhecimento de que no porto do seringal Invencível estavam ancorados dois navios o “O Moa”, de propriedade da firma “Mello¨& Cia, e o “O Juruá” de propriedade de uma casa aviadora de Belém que seriam suficientes  para levar a tropa para enfrentar os peruanos. Cuidou, então, de encaminhar ofícios aos comandantes da embarcações requisitando os navios com a advertência de que a só poderiam deixar o porto com seus soldados. O que ele não esperava era a reação do comandante do navio “O Juruá”, Alberto Serra Freire, que foi procurá-lo para dizer que não poria o gaiola a disposição da prefeitura uma vez já estava de baixada para Belém e que não tinha combustível nem rancho suficientes para atender a requisição. Mas o general não lhe deu alternativa: o navio havia de fazer a viagem ainda que tivesse de empregar a força para conduzi-lo.


No dia seguinte os dois navios subiam o Juruá e seis dias depois chegaram à foz do Amônea. A batalha do Amônea, como ficou conhecido o episódio, durou três dias, findos os quais os peruanos se renderam com a baixa de 9 mortes, enquanto do lado dos brasileiros foi registrada uma morte e vários feridos.


Através do relato do farmacêutico Mário de Oliveira Lobão que embarcara em um dois navios para atender eventuais feridos é possível ter uma visão bem precisa do confronto:

“Tinham os peruanos no local 80 homens bem armados e municiados, dispondo de metralhadoras sob as ordens do General Suarez. Os dois “gaiolas” não puderam combinar um ataque à posição inimiga, devido a ter o “Môa” encalhado e a dificuldades outras de navegação, em virtude da baixa das águas. Mas o destacamento brasileiro em batelões e canoas penetrou os igarapés, desembarcou e tomou posição para atacá-la por três lados: no seringal fronteiro, Minas Gerais, na margem direita do Juruá e por trás de NuevoIquitos. Muitos seringueiros armados reforçaram as 50 praças de infantaria. O Capitão Ávila ficou no seringal, o tenente Mateus na barranca do Juruá e o ex-cadete da Escola Militar de Fortaleza, Oséas Cardoso na terceira face do ataque. Intimados a capitular os peruanos recusaram e começou o fogo de parte a parte, que durou até às 5 horas da manhã do dia 5 de novembro. Então cercado e maltratado pela fuzilaria certeira dos seringueiros, Sr. Ramirez rendeu-se com as honras da guerra recolhendo-se ao Departamento de Loreto. Os peruanos perderam 9 homens e tiveram muitos feridos. Os brasileiros perderam somente um homem e tiveram poucos feridos”.
Cinco anos depois, em setembro de 1909, Brasil e Peru assinaram o Tratado do Rio de Janeiro fixando os atuais limites fronteiriços, entre os dois países. Na foz do Amônea, localizada à margem esquerda do Rio Juruá, foi fundada a cidade de Marechal Thaumaturgo, em homenagem ao fundador de Cruzeiro do Sul.

Bibliografia: 1) Onofre, Manuel “O papel decisivo do Mal. Thaumaturgo de Azevedo na questão do Acre”. 2) Autos da ação ordinária para indenização, autor: Cruz & Companhia, ré: Fazenda Nacional (Acervo Tribunal de Justiça do Acre).

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