4 de dez. de 2015

TIRO NO SENADO - HÁ 52 ANOS UM SENADOR ACREANO LEVA UM TIRO SEM TER NADA HAVER COM O PROBLEMA - UM POUCO DE HISTÓRIA


Manchete do Jornal do Brasil sobre o crime que abalou o Senado

52 anos do tiro de Arnon que matou José Kairala

Arma do crime entrou no plenário do Senado na bolsa de dona Leda; alvo seria o senador Silvestre Péricles

Almanaque Alagoas/Ricardo Rodrigues - Há exatos 52 anos, um tiro entrava para a história do Brasil: no plenário do Senado, em Brasília, no dia 4 dezembro de 1963, o senador alagoano Arnon de Melo matava sem querer o também senador José Kairala, do Acre. O alvo dos tiros disparados por Arnon era o senador alagoano Silvestre Péricles de Góis Monteiro, ex-governador de Alagoas e inimigo público da família Collor...

Ao errar o alvo, o pai do ex-presidente e atual senador Fernando Collor (PTB) acabou matando o suplente José Kairala, que naquele fatídico dia comparecera ao plenário do Senado para seu último dia de trabalho no exercício do mandato, já que o titular da vaga estaria de volta na sessão seguinte. Ferido com dois tiros, Kairala ainda chegou a ser levado com vida para o Hospital Distrital, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.

Apesar da repercussão nacional do episódio, que virou uma efeméride importante nos anais da história do Brasil, o assunto é tabu para a família Collor, que evita falar sobre o caso e omite o fato da biografia do jornalista Arnon de Melo. Para não desagradar à família Collor, que é dona de um império de comunicação em Alagoas, a imprensa alagoana também se omite e não divulga nada sobre o fatídico episódio.

PARTICIPAÇÃO DE D. LEDA

Historiadores ouvidos sobre o assunto revelaram informações de bastidores que apontam para a cumplicidade de dona Leda, mulher de Arnon e mãe de Collor, no dia do crime. Um livro sobre o assunto está no prelo, mas as editoras se recusam a publicá-lo, segundo o autor da obra, o professor doutor em Comunicação, José Marques de Melo. “Não sei se é receio ou falta de interesse”, comentou Marques, que conta no livro a saga de Arnon e sua família.

Para Marques de Melo, que é alagoano de Santana do Ipanema, Arnon foi um grande jornalista, que subiu na vida pela escada weberiana. De acordo com suas pesquisas, Arnon errou o alvo porque tremeu na hora do tiro ao empunhar um revólver calibre 45. Sem querer, terminou acertando o senador Kairala, que estava sentado duas poltronas atrás de Silvestre Péricles, no plenário do Senado.

De acordo com o jornalista Claudio Humberto Rosa e Silva, em seu livro “Mil dias de Solidão – Collor bateu e levou”, a arma do crime entrou no plenário do Senado dentro da bolsa de dona Leda. O trecho com essa informação está no segundo capítulo do livro, que tratada da “Dialética do Trabuco”. Segundo o jornalista, dez dias antes da posse de Arnon, em entrevista ao jornal O Globo, em 21 de janeiro de 1963, Silvestre revelou que iria impedir o ingresso do inimigo no Senado.

“Jurado de morte pelo desafeto, que, revólver calibre 45 sempre no coldre, ameaçou recebê-lo no plenário à bala, Arnon disse ao Jornal do Brasil da véspera, 30 de janeiro, que tomaria posse a qualquer custo, ‘até com risco de vida’”, escreveu Claudio Humberto. “Apesar da tensão, a solenidade de posse foi realizada sem incidentes, porque medidas adicionais de segurança haviam sido tomadas. Inconformado, Silvestre continuava a ameaçar Arnon de morte, prometendo consumar o assassinato se o adversário tivesse a ‘ousadia’ de ocupar a tribuna do senado para fazer discurso”, acrescentou.

Claudio Humberto afirma ainda que durante boa parte do seu mandato, em seus discursos, Silvestre se refria a Arnon de forma tão virulenta e com palavras de baixo calão que, muitas vezes, precisou ser censurado pelo presidente da sessão plenária. Para evitar um possível confronto, o presidente do Senado, Auro Moura Andrade, despachou Arnon para participar na Europa da 53ª Conferência Interparlamentar Pró-Governo Mundial.

De volta ao Brasil, segundo Cláudio Humberto, familiares e amigos mantiveram Arnon no Rio de Janeiro, sob os mais diversos pretextos. Até quando, em novembro de 1963, voltou a Brasília disposto a fazer seu primeiro discurso no Senado, de qualquer maneira: “O povo não entenderia outra atitude minha” – disse Arnon à família. De fato, marcou a estreia na tribuna do Senado para 4 de dezembro de 1963, uma terça-feira. O dia do tiro.

LIVRO INÉDITO

Trecho do livro inédito escrito pelo professor José Marques de Melo (Prêmio Jabuti 2013), docente-fundador da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), hoje ocupando o cargo de diretor-titular da Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação:

Arnon de Mello, o jornalista weberiano que governou o Estado de Alagoas nos anos 50

MISSÃO HISTÓRICA

Chegando ao Palácio dos Martírios “conduzido pelos braços do povo”, Arnon de Melo governou de 1951 a 1955. Deixou Alagoas “com um novo perfil”, assim descrito por Valmir Calheiros (2000, p. 6): “um rol de realizações, de decisões pioneiras, de avanços e de investimentos em infraestrutura sem precedentes”.

O próprio governador tinha consciência dessa opção não imediatista, ao enviar mensagem ao legislativo que continha seu plano orçamentário para o último ano da gestão.

“Em consonância com as minhas palavras de candidato, (...) tenho me preocupado com a situação dos humildes e dos pobres.... { garantindo-lhes} melhores condições de existência... (...) Não cuidei, assim, de executar obras suntuárias que brilhassem apenas como fogos de artifício, mas não resolvessem problemas fundamentais. Aos objetivos imediatos, que alimentariam fugazmente a popularidade do Governo, preferi os de prazo longo, que, exigindo maior tempo para concretizar-se, certo a princípio suscitariam dúvidas sobre a capacidade criadora da nossa vitória, mas afinal de contas corresponderiam à nossa responsabilidade e à nossa missão.” (Arnon de Melo, 1954, p. 6)

UM NOVO TEMPO?

Avaliando esse período histórico, o ensaísta Bernardino Araújo Miranda, descreve em História das Alagoas, Maceió, Editora São Bento, 1997:

“Depois, houve a eleição de Arnon Afonso de Melo, jornalista de ideias bastante avançadas para o provinciano ambiente de Alagoas Embora nascesse no município de Rio Largo, sua formação e prática jornalística ocorreram no Rio de Janeiro, então capital do país. Foi em sua administração que houve a inauguração da pioneira rodovia estadual, ligando Maceió a Palmeira dos Índios, com 128 quilômetros de extensão. “ (p. 29)

Elcio de Gusmão Verçosa confirma parcialmente esse diagnostico, em Cultura e Educação nas Alagoas: História, Histórias, livro publicado pela Edufal, em Maceió, 1998:

“Os anos 50 chegam para Alagoas trazendo um clima político saudado por alguns como precursor de um novo tempo. Logo no início da década, a campanha seguida da eleição, contra todas as expectativas, de um jovem político da UDN – Arnon de Melo – para o Governo do Estado (...) seria imediatamente vista sobretudo por alguns setores da pequena classe média alagoana como indicação de que Alagoas já não era mais a mesma, o que levava a esperar por relações políticas civilizadas...”(p. 185) “E de fato, bem ou mal, o progresso viria... (...) Embora não tivesse mudado tanto quanto se esperava, o Estado já não era contudo exatamente o mesmo daquela época. (...) (p. 187) No setor rodoviário, iria finalmente se dar a pavimentação asfáltica das duas primeiras estradas de percurso mais longo... (...) Embora (...) não fossem de tão longo percurso assim, representavam, contudo, uma ampliação significativa da possibilidade de comunicação pelo menos entre regiões...” (p. 189)

A TRAGÉDIA ANUNCIADA


Mas nem tudo transcorreu pacificamente no governo Arnon de Melo. Seu perfil modernizante foi mesclado por traços de truculência política praticada por correligionários sertanejos.

A antropóloga Luitgarde Cavalcante Barros recorda episódios dramáticos vividos por sua família no município de Santana do Ipanema, produzindo feridas abertas por injustiças e perseguições toleradas pelo ocupante do Palácio dos Martírios. Escritor e amigo do governador, Tadeu Rocha, tentou mediar às partes em conflito, enviando-lhe carta datada de 14/09/1951: “Pelas notícias dos jornais e informações de amigos de Maceió e Santana, soube que a velha politicagem de aldeia continua fervendo em nosso Estado. Mas continuo confiando no espírito público e na capacidade administrativa, bem como na habilidade política do Governador, que há de defender os legítimos interesses de Alagoas e o bem estar de sua população”. (Marques de Melo, 2010, p. 88).

Trata-se, aliás, da encenação daquela “tragédia anunciada” que Douglas Apratto (1995, p. 48) narra com sensibilidade ao reconstituir o impeachment de Muniz Falcão, sucessor de Arnon de Mello no governo de Alagoas. “Quem conhece os costumes da terra bem compreende que os grupos em conflito jamais renunciariam a essa batalha iminente”, pois “o calor com que fervia o caldeirão político alagoano não deixava esperanças para conclusões amenas”.

PASSIONALISMO

A ambiguidade política de Arnon de Mello não escapou à percepção crítica de Mário Sérgio Conti (1999, p. 21-22).

“A campanha de Arnon foi ao mesmo tempo retrógrada e inovadora. Retrógrada porque percorria povoados do interior distribuindo enxadas, facões e pás em troca de votos. (...) E inovadora porque ele se valeu de uma pirotecnia inédita para levar aos eleitores sua plataforma – apaziguar a disputa política, coibir o banditismo e a arbitrariedade. (...) O governo foi o contrário de sua campanha: conservador, sem audácias. (...) ... Arnon de Melo permitiu que o banditismo político campeasse. No governo Silvestre Péricles houve 712 assassinatos políticos. No de Arnon, 861. (...) O governador perdeu sua pátina de liberal ao comprar um dos jornais que lhe fazia oposição, a Gazeta de Alagoas... (...) No final do mandato de Arnon, em 1956, Alagoas estava igual ao que era (...): miserável, sem lei, parada no tempo. Mas o povo tinha mudado.

Arnon de Melo sequer elegeu seu sucessor. Mais grave, ainda, foi a eleição do seu passional adversário Silvestre Péricles de Góis Monteiro, com o qual se reencontra no Senado.

CONFRONTO

Silvestre não se conformou, passando a fazer ameaças a Arnon, episódio que José Neumane (1992, p. 24), com seu jeito singular de contar histórias políticas, assim reconstituiu:

“Silvestre Péricles nunca aceitou isso". Dono de uma personalidade forte, (...) dizia, então, a quem quisesse ouvir:

- Bom, Alagoas elegeu Arnon de Mello senador. Então, Arnon de Mello será senador. Mas não permitirei que ele use a tribuna do senado para esparramar seu veneno. (...)

A ameaça chegou aos ouvidos do senador recém-eleito. Ele pediu a opinião a um colega {que} deu um conselho (...):

- Você só tem uma alternativa, Arnon. Ou fala ou renuncia a seu mandato.

Arnon de Melo nunca havia usado um revólver. Silvestre Péricles tinha uma pontaria excelente...(...) Era um duelo desigual. Mas Arnon se inscreveu... (...) Foi armado. Na confusão, atirou e acertou no peito do suplente de senador José Kairala ... (...) Kairala morreu. (...) Arnon de Mello foi absolvido do assassinato de Kairala. Cumpriu seu mandato, sendo reeleito e voltando ao senado pela terceira vez, durante o regime autoritário, como senador biônico... ”.

O senador Arnon de Melo dedicou-se a questões energéticas, bem como aos temas de educação, ciência, tecnologia, como ficou documentado no amplo repertório de discursos proferidos em plenário e difundidos para seus correligionários através de opúsculos que brotaram da gráfica do próprio Senado, em Brasília, ou da sua empresa midiática, em Alagoas.

SUCESSÃO TRAUMÁTICA



Consciente do fim da carreira política, o senador começou a planejar a sucessão. Sua preferência recaia sobre o filho mais velho, que mais tarde revelou inapetência política, mas esbarrou na resistência de sua mulher. Leda Collor reivindicava o posto.

Quem tornou pública essa rusga familiar foi o filho caçula, Pedro Collor de Mello (1993, p. 45):

“Aproximavam-se as eleições desse ano, 74, e minha mãe resolveu entrar para a política. (...) D. Leda sentiu que o velho Arnon na verdade preferia que o filho mais velho fosse o candidato. (...) Ela, no entanto, insistiu e candidatou-se pela Arena a deputada federal. A derrota foi fragorosa. (...) D. Leda nunca perdoou o marido pela derrota... (...) A relação dos dois ficou péssima e acabou rendendo até um rompimento de meu pai com o então Governador Divaldo Suruagy. (...) Este último voltaria às boas nas eleições seguintes...”

José Neumane Pinto (1992, p. 36), revolvendo a lama que causou uma “tragédia brasileira”, apurou os fatos:

“À época, muito doente, o senador Arnon de Mello, que falava com dificuldade e mais se arrastava do que andava, procurou o jovem governador Divaldo Suruagy e lhe pediu uma audiência. (...) No encontro, Arnon de Mello lhe disse que não dispunha de muito mais tempo. E estava disposto a passar o bastão do comando político do clã para um descendente. Dos 5 filhos (...) Fernando queria fazer política. Arnon não tinha condições físicas de orientá-lo. Por isso, o velho senador pediu que o governador cumprisse seu papel de pai para encaminhar o filho escolhido”.

EM TEMPO

Sobre a disputa com Silvestre Péricles, o professor José Marques recomenda ainda a leitura do verbete dedicado a Arnon de Melo no livro “História do Pensamento Comunicacional Alagoano” (Maceió, Edufal, 2013, p. 203-205).

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