8 de jul. de 2016

'BRASIL TEM MENOS TURISTAS EM UM ANO DO QUE PARIS EM 30 DIAS', DIZ PRESIDENTE DA LATAM


Claudia Sender fala do impacto do turismo para a Olimpíada, na qual a empresa investe R$ 20 milhões como patrocinadora, e da dificuldade de competir ante custos que só há no País

                                         FOTO WERTHER SANTANA / ESTADÃO

SONIA RACY - O Senado aprovou, semana passada, em votação simbólica, a MP aérea – que autoriza a presença de até 100% de capital estrangeiro nas empresas de aviação. Com o compromisso de que Michel Temer vetará justamente este artigo quando sancionar a medida. Originalmente, o projeto previa que esse teto subisse de 20% para 49%. Contudo, a emenda aprovada da Câmara permitiu que o capital estrangeiro chegasse aos 100%. Quando o presidente em exercício vetar o artigo, tudo volta a ser como dantes pelo céu brasileiro.

Para falar sobre este e outros assuntos, como a preparação para a Olimpíada – na qual a Latam entrou como transportadora oficial investindo na operação R$ 20 milhões – incluindo aí uma cadeira especial inédita para transportar paraplégicos –, a coluna conversou com Claudia Sender, presidente da Latam Brasil. “Ninguém imagina a complexidade da Paralimpíada. Só um voo da British Airways trará 100 cadeirantes de uma vez”, conta a executiva.

Claudia é uma das pouquíssimas mulheres à frente de uma empresa de aviação – o que lhe custa trabalhar 14 horas por dia em ritmo pesado, depois de malhar às 6 hs da manhã. Ser mulher dificultou sua trajetória profissional? 

“É novidade, uma mulher neste ambiente, mas eu acredito na meritocracia. Deixo aqui uma frase de uma pessoa amiga: quando existem oportunidades, a meritocracia desabrocha”, aponta.

A aviação brasileira não passa pelo seu melhor momento. Crise de demanda, alto preço dos combustíveis. O que fazer? 
“Ser muito racional na capacidade. Vamos cortar voos para o exterior, 35% para os EUA, já cortamos 12% no mercado interno, E o projeto de hub no Nordeste está suspenso.” Aqui vão os melhores trechos na conversa.

Porque a medida que aumenta a participação de capital estrangeiro nas empresas de aviação é tão importante para o setor?
A Latam Brasil é favorável ao capital estrangeiro nas companhias aéreas, pois esse é um setor que exige capital intensivo. Principalmente quando se tem uma indústria com um capital investido tão alto – estamos recebendo nossos Airbus 350, prevendo investimento de US$ 350 milhões em cada um deles. Compramos 27. O mercado brasileiro não é um mercado com tradição de emprestar para empresas aéreas. Então, o acesso ao capital nesse setor é muito restrito. Não deixar entrar capital estrangeiro no Brasil, onde o custo do dinheiro é tão exorbitante, parece um contrassenso.

Como vocês estão administrando esses prejuízos gerais? Não só de vocês, como todas as empresas por aqui?
O cenário é muito complicado. Estamos racionalizando na capacidade ofertada. Os prejuízos são o resultado daquilo que acontece na nossa casa, quando você gasta mais do que ganha. Você tem prejuízo, você se endivida. A mesma coisa se dá numa empresa aérea, se você gasta mais do que arrecada. Existe hoje no Brasil um excesso de capacidade que esta empurrando os preços para baixo. Somando a isto, tivemos um choque de custos por conta do aumento do câmbio e da inflação. Não conseguimos repassar para o preço da passagem devido à demanda fraca. Quem dita o preço da passagem não é o custo, é o passageiro. Então, enquanto houver excesso de capacidade o preço da passagem vai continuar deprimido. Hoje você compra facilmente uma passagem para os Estados Unidos por US$ 500 ou US$ 300 dólares. Isso não acontecia três anos atrás.

‘VAMOS CORTAR 35% DOS VOOS  PARA OS ESTADOS UNIDOS’

O que vocês têm feito?
Do nosso lado, o que a gente tem feito é uma redução excessiva de capacidade. No mercado doméstico a gente reduziu a nossa malha – este ano isso deve chegar a 10 ou 12% , o que é uma redução muito expressiva. Nunca a empresa fez isso na sua história. Vamos agora cortar voos para o exterior, uns 35% para os EUA. E o projeto de hub para o Nordeste está suspenso.

Como é que você está vendo o País nos próximos meses?
A primeira coisa que a gente precisa é ter uma clareza no cenário político, A incerteza, por maior que seja a probabilidade de um cenário ou outro acontecerem, é muito nociva ao investimento. O investidor precisa ter segurança, senão o nível de retorno que ele vai buscar é incompatível com o que o Brasil pode oferecer neste momento. Impeachment ou não, o cenário do País precisa ser definido.

Depois disso?
Depois disso há temas muito grandes que precisam ser abordados, no curto prazo e no longo prazo. No curto prazo, o Brasil precisa voltar a gerar empregos. A gente está vivendo uma situação hoje com mais de 11 milhões de desempregados no País, num cenário que provavelmente se consolida com 14 milhões de desempregados, que são as últimas estimativas para o final de 2016, e essa é uma situação na qual você não só tem o pessimismo do empresariado, mas, pior ainda, tem o pessimismo da população em geral. Aí você tem queda de consumo, um mau humor generalizado nas ruas. Você vai ter uma cobrança maior da classe política, e isso pode fazer com que a gente tenha caminhos menos ortodoxos. Então, o mais importante, após a consolidação ou não do impeachment, é a gente voltar a trabalhar numa agenda de crescimento e geração de emprego. Porque esse nível de desemprego, para o Brasil, é muito perigoso.

Fala-se que a gestão Lula conseguiu colocar consumidores na rota da aviação. Com esse desemprego, isso voltou para trás?
O que fez com que o passageiro entrasse na aviação– o que antes só usava o ônibus – não foi só o aumento do poder de compra, mas principalmente a queda do preço da passagem. Com a eliminação da banda tarifária, os preços médios das tarifas caíram, em termos reais, mais de 60% de 2002 pra cá. E o tamanho do mercado da aviação foi de 30 pra 90 milhões de passageiros. O Brasil é o terceiro maior mercado mundial de aviação doméstica.

Vocês estão vendo a Olimpíada com otimismo? E a segurança?
Vai ser um momento maravilhoso para o Brasil. Acredito nos planos de segurança e, do nosso lado, a gente está fazendo um supertrabalho para garantir a segurança também das operações. A tragédia no aeroporto de Ataturk mostra que, mesmo com todo esforço do governo turco, há fragilidades. A segurança é muito concentrada no embarque das pessoas. Tem que haver reforço na área de desembarque – onde aconteceu o atentado. A segurança no ar está ok mas existe ainda a segurança em terra a ser melhorada. Tem que haver uma mudança de estratégia. É de assustar quando você começa a ver página do Estado Islâmico em português. Essa movimentação dos extremistas ganhando tanto corpo. A gente historicamente tem visto manifestações na Olimpíada, mas nossa expectativa é que não tenha nenhum grande incidente, apesar de ter uma grande preocupação. Eu acho que vai ser um show de espetáculo, o parque olímpico está ficando muito bonito, o brasileiro é hospitaleiro por natureza. Veja o que aconteceu na Copa, o estrangeiro foi embora falando que a hospitalidade do brasileiro foi supercativante.

Mas a gente conseguiu capitalizar em cima disto?
Não. O Brasil hoje recebe menos turistas que a Argentina. Em um ano o Brasil recebe menos turistas que Paris em um mês. O Brasil recebe menos turistas que a cidade de Berlim. Então, a gente tem que aproveitar esse momento, o evento de maior audiência no planeta, para evoluir. Os olhos do mundo vão estar voltados pra cá.

O Brasil tem uma jabuticaba que não tem em lugar nenhum, que é a cobrança de ICMS no combustível. É hora de a indústria brigar para mudar isso?
A gente tem várias jabuticabas, que fazem com que a nossa aviação seja pouco competitiva. A primeira delas você acabou de mencionar, a querosene de aviação. O preço do que a Petrobrás distribui tem um componente que é variável com o preço da commodity lá fora, do petróleo lá fora, depois ela tem uma componente fixa que endereça o frete, que endereça a manutenção dos dutos e que endereça a manutenção da Marinha Mercante brasileira.

Sério? Marinha Mercante no custo do querosene de aviação?
Depois, em cima desse preço a gente tem incidência de ICMS, que só existe no Brasil. Isso faz com que o combustível do Brasil seja o segundo mais caro do mundo, depois de um pequeno país na África que praticamente não tem aviação. Para a gente abastecer o nosso avião em Recife e fazer um voo doméstico sai o dobro do que abastecer em Miami.

O que vocês estão fazendo a respeito desse problema?
Tramita um projeto de lei que unifica a tarifa de ICMS em um teto de 12%. Pelo menos a gente acaba com essa aberração de ter Estados que cobram 25% de ICMS. Aí, eliminar o ICMS do querosene de aviação é uma discussão que eu acho que vai levar um pouco mais de tempo. Mas pelo menos colocar um teto já seria um bom começo, e com ele unificar a alíquota no Brasil.

Quais as outras jabuticabas?
O Brasil tem uma jornada dos tripulantes menor que a de todos os outros países da América Latina, que é menor do que a dos Estados Unidos, que é o maior mercado de aviação do mundo, e que é menor do que a da Europa. Para piorar, há um projeto de lei tramitando para que se reduza ainda mais essa jornada – não exatamente nas horas, mas nas condições. As restrições que são colocadas vão fazer com que os tripulantes sejam ainda menos produtivos, dependendo de como a Anac fizer a tabela de jornada.

Tem mais?
Temos uma Lei de Defesa do Consumidor que trata o consumidor brasileiro como se ele necessitasse de tutela. Então, o Brasil é o único país do mundo onde a empresa é responsável por compensar o passageiro por fechamento de aeroporto por causa da meteorologia. Imagina o custo que é para nós. Dou um exemplo: teve uma chuva com tempestade em Guarulhos, há um mês e meio, acho, e a gente teve 19 voos alternados. Se o passageiro tiver que dormir na cidade, a gente é responsável por pagar hospedagem, alimentação e comunicação. Isso só acontece no Brasil. Você vai pra Nova York em janeiro, quando tem o período das nevascas. Eu já fiquei presa em nevascas várias vezes. O que é que eles te dão? Um cobertorzinho.

Difícil competir?
Não tem como competir num negócio que não tem fronteiras enquanto a gente não se inserir. Existe um órgão chamado Iata, que ajuda na regulamentação, que olha pra todas as melhores práticas e que não tem entrada no Brasil. Que tenta trazer os bench parts mas não tem conseguido levantar essa bandeira. A nossa regulamentação de slots é única: a burocracia pra você pedir um voo novo às vezes leva 30, 60 dias. Então realmente a gente tem no Brasil uma condição de operação pra uma empresa aérea que é quase inóspita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Atenção:
Comentários ofensivos a mim ou qualquer outra pessoa não serão aceitos.