3 de mai. de 2018

Em meio ao sumiço das lideranças do movimento que liderava a ocupação irregular do prédio, desabrigados contam com a solidariedade dos paulistanos

No acampamento ao redor dos escombros, clima é de incerteza

Dom Odilo Scherer visita local onde prédio desabou no Largo do Paissandu, região central de São Paulo (SP) - 02/05/2018 (Nacho Doce/Reuters)

Marcella Centofanti  - O cheiro de queimado chega à entrada do Sesc 24 de Maio, localizado no Centro de São Paulo. “É de lá, ó”, aponta o segurança em direção a uma fumaça que exala do Largo do Paissandu, no fim da rua. Quanto mais se avança em direção ao gás fumegante, a dois quarteirões dali, maior o odor. A fumaça vem de uma pilha de mais de 10 metros de escombros do que era o Edifício Wilton Paes de Almeida. O prédio pegou fogo e desmoronou na madrugada de terça-feira, deixando desabrigadas 150 famílias que o ocupavam irregularmente.

A área está isolada por cordões. Somente bombeiros, policiais, jornalistas e funcionários da prefeitura e de ONGs têm acesso. Na calçada, curiosos se aproximam quanto podem, na tentativa de ver com os próprios olhos e a câmera do celular o cenário da tragédia que abalou os brasileiros que acordaram no feriado do Dia do Trabalho.

Sobreviventes do incêndio espremem-se ao redor da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Trata-se de um templo católico de fachada amarela, e não a centenária Igreja Evangélica Luterana, que foi atingida pelas chamas e veio abaixo.

Acampados em barracas doadas por voluntários, colchões, cobertores e papelão, as pessoas fazem o que chamam de resistência. “A prefeitura quer nos mandar para abrigos. Eu não sou moradora de rua. Tinha uma casa com geladeira, fogão, cama, televisão e guarda-roupa. O que vou fazer num albergue, separada do meu marido e da minha neta?”, pergunta a vendedora ambulante Fabiana Ribeiro, de 38 anos, que morava no 1º andar do prédio com o marido de 24 anos, a filha de 17 e a neta de 2. Para ela, a prefeitura quer enviar os desabrigados para albergues para se livrar do problema. “Nunca mais vão fazer nada pela gente.”

Doações não param de chegar. Pessoas trazem roupas, cobertores, produtos de higiene pessoal, comida e agua. Uma mulher que trouxe roupas usadas pergunta de que eles precisam. “De tudo”, reponde Fabiana. “Eu saí com a roupa do corpo. Nem os documentos peguei.” A filantropa pega na mão da desabrigada e diz: “Sinto muito por você”.

A ausência dos movimentos sem-teto

Um tema de controvérsia é o sumiço dos líderes do Movimento Luta Social pela Moradia (MLSC), responsáveis pela ocupação irregular do prédio. Segundo moradores, o movimento arrecadava mensalmente uma taxa para a manutenção do imóvel. Cada família pagava de 220 a 300 reais por mês, destinados a limpeza, luz e água. Quem fazia a cobrança era uma espécie de síndica, a quem se referem como Dona Nil. Ela não é vista entre os moradores desde o acidente, assim como a pessoa apontada como presidente do movimento, identificado como Ananias.

Quem conhece o paradeiro de Ananias não quer revelar. “Para que você quer saber disso?”, perguntam à reportagem. Já moradores têm medo de represália e evitam entrevistas quando o tema é a liderança do movimento. “Vá perguntar isso pra lá”, desconversam, apontando qualquer lado. “Só quem ajuda a gente é a população. A prefeitura não quer saber e as lideranças sumiram”, diz a vendedora Fabiana Ribeiro, que ocupa uma barraca com o marido. A filha e a neta de 2 anos foram para a casa de uma pessoa desconhecida que ofereceu abrigo à criança e à mãe adolescente enquanto um teto não vem.

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