20 de mar. de 2019

Dá Série: Meus Heróis não morreram de overdose - O primeiro sangue brasileiro - 06/11/1944


Fonte: Ten Av John Richardson Cordeiro e Silva 
In Memoriam 
Foto colorizada pelo Vicente Vazquez
“...nós (pilotos do 1º GAvCa) sentimos no íntimo que tudo isso por que passamos e fazemos atualmente, terá um significado sumamente importante em nossa vida futura; não será somente o fato de termos lutado pelo Brasil na Segunda Guerra Mundial, será o marco de nossas vidas em todos os sentidos". (trecho de carta do Ten. Cordeiro enviada aos seus pais)

O P-47 perde altura muito rápido e Cordeiro se vê diante de um pouso forçado inevitável

Uma segunda-feira fria, de céu cinzento e teto baixo sobre a Base Aérea de Tarquínia, Itália. Sobre as asas dos Thunderbolts filetes de água escorrem encharcando o chão todo entrecortado pelos sulcos dos pneus. Quatro aviões, sendo três do 347º Esquadrão de Caças da USAAF e um da FAB estão no circuito de decolagem para o cumprimento da missão nº 21, bombardear posições de artilharia nos arredores de Bolonha, norte da Itália. Às 11h15, os aviões cada qual com duas bombas de 500 lbs presas nas asas, posicionam-se para a partida, mas no último instante, um incidente faz parar todo o procedimento: o P-47 da FAB, pilotado pelo Tenente Luiz Perdigão M da Fonseca esbarra num poste, com uma das asas.


À esquerda última foto do Ten. Cordeiro em 4/novembro/1944, dois dias antes da sua morte. Seus restos mortais foram transladados para o Brasil, no pós-guerra e repousam no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, na cidade do Rio de Janeiro.
Fonte: Ten Av John Richardson Cordeiro e Silva - In Memoriam (Facebook)


Correria! O pessoal da manutenção inspeciona o avião e após verificar os danos, decide vetar sua decolagem; o comando convoca, então, o piloto-reserva, Tenente John Richardson Cordeiro e Silva, que se apresenta imediatamente ao Centro de Operações. Os oficiais do 347th ao tomarem conhecimento que seria a primeira missão de combate do piloto brasileiro, alertam sobre o risco da operação, que acontecerá numa área densamente protegida por artilharia antiaérea. Destemido, Cordeiro vibra com a ideia de ser lançado em tal desafio que considera ser uma grande oportunidade. Escalação refeita, a decolagem acontece logo em seguida com o Cordeiro pilotando o P-47D-27-RE nº 42-26782, ocupando a posição nº 4.

Próximo ao alvo, a formação que voava sob o comando do Tenente Franek e do Tenente Hitchcock, líder do segundo elemento, ambos da USAAF, Cordeiro é destacado para fazer a primeira passagem. No solo, os artilheiros alemães espreitam pelos telêmetros de suas armas. Num voo rasante alucinante, o P-47 com as estrelas verde-amarelas faz uma curva acentuada, nivela e inicia a corrida de ataque. Os pilotos norte-americanos observam a audácia do brasileiro que não se intimida com as explosões dos obuses à sua volta e avança resoluto em direção ao objetivo.

No solo, próximo àquele local, correndo em direção ao abrigo, o jovem Arbati Remo, aturdido pelo barulho dos estouros, levanta a cabeça a tempo de ver o P-47 ser perseguido pelos rastros luminosos dos tiros antiaéreos.

Cordeiro se aproxima feito um bólido e lança suas bombas com habilidade de um veterano, fazendo um edifício desaparecer em meio às explosões e a densa fumaça dos detritos. Quase saindo fora da área sob ataque, subitamente, um intenso flash brilha na capota do motor, próximo à intersecção da asa, fazendo o avião estremecer com o impacto. Instantaneamente o Thunderbolt vomita uma fumaça preta que marca sua trajetória no céu, mas graças à perícia do seu piloto é dominado e prossegue em voo nivelado, com o nariz ligeiramente para cima. É preciso ganhar altura.

Pelo rádio, os demais pilotos da formação ouvem sua voz clara e confiante dizer que está ok. O prosseguimento do voo revela sua intenção de tentar chegar mais perto das linhas aliadas. A situação, porém, é irremediável e não obstante os esforços do seu piloto, o P-47 perde altura muito rápido. Cordeiro se vê diante de um pouso forçado inevitável. Pelo rádio, informa sua situação e decisão, que já não era sem tempo, pois o motor solta fagulhas incandescentes pelos cowl flaps.

Local da queda no P-47 do Ten Cordeiro. Proximidades da cidade de Livergnano, Itália. 
Foto enviada pelo Vicente Vazquez.

Ali perto, perambulando pelas estradas de terra e desatento aos perigos, o garoto Giuseppe Piana olhava para o céu observando uma formação de Fortalezas Voadoras que voava muito alto. Nesse momento, horrorizado, ele vê na linha do horizonte um avião de combate com uma estrela pintada na fuselagem, voando em baixa altitude e com o motor parado.

Placa em homenagem ao Ten Cordeiro, instalada no local de sua queda.
 Foto enviada pelo Vicente Vazquez.

O Thunderbolt inicia a tomada de terreno. O disco brilhante da hélice fraciona-se, de súbito, quando Cordeiro corta os contatos. Sua aproximação é impecável, cauda baixa, flaps para baixo, a cobertura transparente do cockipt voa longe. Mais um pouco e... blamm! Um rangido terrível de metal se retorcendo, a hélice que se deforma e as oito toneladas caem a 250 km/h. Com um estrondo de final do mundo, o avião desliza por um declive e se despedaça pelo caminho, deixando partes das asas, rodas e chapas de alumínio. A trajetória em declive não ajuda a reduzir a velocidade e num último gesto instintivo, Cordeiro cobre o rosto com o braço, mantendo a mão direita firme no manche. Descontrolado, o P-47 vai de encontro a uma vala, salta alguns metros de altura e se esmaga num talude ao final de uma trilha de fogo. O gigantesco cogumelo negro, entremeado de chamas rubras se eleva no céu leitoso.

De sua janela, Don Giovanni Sfondrini, pároco da cidade de Livergnano, estarrecido com a tragédia que acabava de testemunhar, anotou na sua agenda: “Hoje, às 12h45, um avião brasileiro caiu em chamas na localidade de Casoni; do abrigo em que estávamos, vimos a impressionante pira de fogo.”

Dados compilados dos Daily Report originais. Nesse documento, é revelado que o Ten. Cordeiro fez a corrida de bombardeio e acertou um dos dois edifícios alvos daquela missão. Abaixo a tradução do documento: 
347 - 6nov44
Box formation foi utilizada em rota, escalão de bombardeio. A posição da arma não foi vista, mas aárea foi atacada e dois edifícios destruídos. (piloto brasileiro destruiu um deles). Os resultados de quatro bombas não foram vistos.
A aeronave brasileira foi atingida por flak depois de fazer a corrida de bombardeio e ficou arrastando fumaça enquanto a formação voou sobre L-8542 em aproximadamente 2000 pés. Nesse momento o piloto informou que estava bem, mas logo depois disse que estava tendo problemas no motor. O avião caiu dentro de nossas linhas perto de L-875313; derrapou em declive várias centenas de metros antes de bater numa vala e explodir.
Nota: para estatísticas sobre aeronaves brasileiras, veja SCQR Form 34, 1st Brazilian Fighter Squadron.
Condições do tempo...
Pilotos: Lts. Franek, Pye, Hitchcook

O Tenente John Richardson Cordeiro e Silva, 22 anos, um carioca que também morou e estudou em São Paulo, voluntário que se apresentou para lutar por seu país, que naquele dia não estava escalado para voar, que não se intimidou com as advertências sobre os riscos da missão e que encarou o desafio com destemor, morreu em sua primeira missão de combate. Foi a primeira perda do nosso 1ºGAvCA. É um daqueles heróis que devem ser reverenciados como exemplo, inspiração e fé para esse povo que honra o verde e amarelo.

“...as coisas em que penso não são simples de serem transportadas para o papel; são coisas que sentimos, são imateriais. No papel não têm a expressão e a força de que em nós são possuídas". (trecho de carta do Ten. Cordeiro enviada aos seus pais).

Partes do avião. Acervo The Winter Line Museum, Livergnano. 
Foto enviada pelo Vicente Vazquez.


Fonte: Contos do Céu/ Facebook

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