Hoje podemos dizer que a situação avançou um pouco, mas ainda sim, quem escolhe seguir a carreira de pesquisador no Brasil sabe que encontrará uma trilha árdua, tortuosa e cheia de obstáculos pela frente. Determinação, vocação e uma boa dose de paixão são algumas das qualidades indispensáveis à profissão. Como verdadeiras formiguinhas - porque muitas vezes para cumprir uma tarefa precisam carregar um peso superior ao próprio corpo -, a equipe do Núcleo de Biotecnologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) tem como objetivo proporcionar condições de desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares, induzindo o aumento dos índices de produção científica e inovação tecnológica, além da formação de recursos humanos. O Núcleo está organizado em duas grandes áreas de atuação: Agronegócio e Saúde.
Há quatro anos no Espírito Santo e na Ufes, a carioca Ana Paula Ferreira Nunes, doutora em Microbiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vem coordenando importantes pesquisas na área de Saúde do Núcleo de Biotecnologia voltadas para o estudo de bactérias que habitam o ambiente hospitalar. As chamadas bactérias multiresistentes são responsáveis por uma alta taxa de mortalidade nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) brasileiras, principalmente quando um quadro de bacteremia evolui para uma sepse, que no seu estágio mais avançado, choque séptico, muitas vezes é fatal. De acordo com o Ilas (Instituto Latino Americano da Sespe), a doença chega a matar no País mais de 65% dos pacientes.
O tema, nas últimas semanas, ganhou espaço na mídia nacional e internacional após a doença matar a modelo capixaba Mariana Bridi. Depois de ficar 20 dias internada no Hospital Dório Silva, em Serra, e ter os pés e mãos amputadas, em decorrência de uma sepse que evoluiu para um quadro de choque séptico, a modelo, de apenas 20 anos, morreu no último dia 24.
A morte prematura da modelo, que havia sido internada para tratar uma corriqueira infecção urinária, deixou a opinião pública estarrecida. Assustadas com o triste fim da modelo, as pessoas passaram a tratar o caso como uma fatalidade. Entretanto, na edição do último fim de semana (31 e 01/02) Século Diário entrevistou Maurício Velasco, médico intensivista e chefe clínico do Hospital Meridional (Cariacica), único no Estado que recebeu treinamento do Ilas - organização que reúne os maiores especialistas sobre o assunto no Brasil. Velasco, na entrevista, advertiu que a sespe é uma doença muito comum e realmente letal. Morrem no País, todos os anos, cerca de 250 mil pessoas vítimas da doença, número que coloca o Brasil, ao lado da Malásia, no topo do ranking que pesquisou a mortalidade por sepse em 37 países (dados de 2005).
O caso da modelo, que se tornou emblemático para os capixabas, não é menos grave que a infecção por micobactéria, que deixou no seu rastro, entre 2007 e 2008, pelo menos mais de duas centenas de capixabas infectados, alguns continuam tomando fortes medicamentos e fazendo cirurgias corretivas até hoje.
O tamanho do problema, que não é só exclusividade do Espírito Santo, ratifica a importância das pesquisas, como as que vem sendo desenvolvidas pela professora Ana Paula Ferreira Nunes e sua equipe. Segundo a professora, não existe no Estado nenhum outro pesquisador trabalhando com infecção hospitalar. “Essa minha linha de pesquisa ainda é bastante inicial, mas acredito que seja única. Existe um Núcleo de pós-graduação na Ufes que trabalha com doenças infecciosas, mas essas pesquisas não são voltadas exclusivamente para a infecção hospitalar. A linha de pesquisa está mais direcionada às doenças virais, como a tuberculose, leishmaniose, entre outras. Eu venho de um grupo forte de pesquisa que trabalha com infecção hospitalar, porque sabemos que, principalmente nos grandes centros, esse é um problema muito sério.
A pesquisadora adverte que a infecção hospitalar é vista ainda como um tabu. “O administrador hospitalar faz questão de afirmar que seu hospital está livre de infecção. Quando temos um problema que faz parte da realidade da maioria das pessoas que está internada em um hospital, e você tem resistência em falar sobre ele, as coisas se tornam mais complicadas.
Ela ressalta que as estatísticas, se hoje existem, ainda são subestimadas. A professora afirma que esse levantamento só passou a ser feito a partir da década de 90, após a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicar uma portaria que obrigou os hospitais a constituírem uma Comissão de Infecção Hospitalar. “No Brasil, tanto os hospitais públicos quanto os privadas, muitas vezes, têm as comissões formadas para cumprir a exigência, mas elas funcionam em caráter figurativo. Como está havendo uma maior pressão do Ministério da Saúde e da própria Anvisa para que os hospitais se adéquem às exigências, alguns estão correndo atrás, até porque esse passou a ser um diferencial de mercado. Para o hospital ser acreditado ele tem de investir na equipe de infecção hospitalar. Esse é o caminho para o assunto ser levado mais a sério pelos hospitais e pelo poder público”.
- Século Diário: Qual a importância do trabalho de pesquisa que o Núcleo de Biotecnologia vem desenvolvendo para o combate às infecções hospitalares?
- Ana Paula Ferreira Nunes: Eu, junto como os meus alunos, faço projetos ligadas à otimização de diagnósticos com o objetivo de avaliar se aquele método é realmente seguro para definir se uma bactéria é de determinada espécie, além de identificar o perfil de resistência daquela bactéria. Essas informações vão ter um impacto direto na escolha do antibiótico adequado. Porque, muitas vezes, a antibioticoterapia utilizada pelos médicos é empírica, ou seja, é iniciada sem se conhecer o microorganismo. Esse tipo de solução, em muitos casos, não é adequada à realidade dos níveis das taxas de resistência daquele determinado hospital. O resultado é que muitas vezes o quadro do paciente pode evoluir para uma sepse ou para outro quadro mais grave nas primeiras 24 ou 72 horas, porque o hospital não conhece as taxas de prevalência dos organismos mais comuns daquele ambiente.
- O primeiro passo seria mapear as bactérias mais comuns daquele determinado hospital?
- Exatamente. O hospital precisa conhecer sua microbiota. Em outras palavras, conhecer quais são os microorganismos mais comuns que habitam pelos seus corredores e qual o perfil de resistência desses microorganismos.
- A microbiota muda de hospital para hospital?
- Se o hospital é mais voltado para pacientes oncológicos, a microbiota será bem diferente de um hospital com um perfil mais clínico. Por exemplo, em uma maternidade, teoricamente, a taxa de infecção hospitalar deve ser perto de zero. Ao mesmo tempo, numa UTIN (Unidade de Terapia Neonatal) nós trabalhos a partir de fatores de risco. Esse também é um suporte muito importante que o trabalho de pesquisa oferece ao médico. A pesquisa pode indicar os fatores de risco que vão tornar o indivíduo mais vulnerável ou não a algum tipo de infecção. Além disso, é possível prever, a partir de estudos epidemiológicos, qual seria o microorganismo mais associado aquele tipo de intervenção, seja um procedimento invasivo ou uma imunossupressão. Por exemplo, no caso de pacientes oncológicos é comum que eles fiquem mais expostos às infecções por bactérias e até mesmo por fungos. Esse quadro já não seria tão comum no caso de uma clínica cirúrgica, onde as infecções vão estar mais associadas aos procedimentos de incisão, uso de cateter [tubo que pode ser inserido em um ducto ou vaso (cateter vascular), em uma cavidade corpórea natural ou em uma cavidade cística ou de abcesso, possibilitando a drenagem ou injeção de fluidos ou o acesso a instrumentos cirúrgicos] ou sonda [em português utiliza-se preferencialmente o termo “sonda” quando o cateter é introduzido por um orifício corpóreo natural, por exemplo, sonda nasogástrica, normalmente utilizada para alimentação].
- Como a senhora avaliou o caso da modelo?
Essa história da modelo, que foi vítima de uma infecção urinária, deve ter assustado muita gente. Entretanto, sabemos que a maioria dos pacientes que recebem uma sonda vesical [introdução de sonda ou cateter na bexiga] desenvolve infecção urinária, que é uma das mais comuns em ambientes hospitalares. Isso, no entanto, pode não ter nada a ver com a causa da infecção da modelo. Eu acompanhei o caso pelos jornais e pelo que pude perceber ela desenvolveu infecção generalizada por estafilococos e pseudomonas, que são microorganismos considerados agentes de infecção hospitalar. Esses agentes normalmente não estão relacionados a uma infecção urinária comunitária.
- Tudo indica que ela contraiu a infecção no hospital...
- Não li nenhuma reportagem sobre o caso que tenha identificado qual o microorganismo que a levou para o hospital. Não sou a pessoa mais indicada para avaliar o caso Mesmo porque, para saber detalhes do quadro é necessário analisar todo o prontuário da paciente. Fica a pergunta: qual foi a bactéria que causou a infecção urinária na modelo Mariana Bridi. A partir do momento em que ela foi internada, principalmente nas primeiras 48 horas, existe a possibilidade de a paciente ter contraído uma infecção hospitalar. Isso vai depender dos procedimentos que ela recebeu nas primeiras horas. No caso da nutricionista de Minas Gerais, que apresentou um quadro de pneumonia comunitária, e pelo fato de ela ser diabética, foi necessária uma internação. E, a partir dessa internação e das terapias que recebeu, ela desenvolveu o que chamamos de sucessão microbiana, ou seja, ela passa a ficar aberta a desenvolver infecções por outros microorganismos do ambiente hospitalar, que tem um caráter multiresistente. A pessoa pode ser internada por uma pneumonia, causada por estafilococos pneumônicos e, dependendo da evolução, a partir do momento que o paciente passa a ser manipulado ou recebe um cateter, outras bactérias que são resistentes ao antibiótico que ele está recebendo podem se desenvolver - uma vez que os antibióticos são sistêmicos e tratam não só a bactéria, mas também vão causar uma depressão na microbiota protetora do paciente. Isso dá margem para a invasão de outras bactérias, que podem ser de fontes exógenas ou endógenas. As endógenas são as bactérias presentes no próprio organismo da pessoa que poderão vir a causar a infecção. Já as exógenas, que estão no ambiente hospitalar, são trazidas principalmente pelas mãos dos profissionais de saúde. As mãos são a maior porta de entrada das bactérias.
- A morte da modelo e os casos de infecção por micobactéria - que contaminou mais de 200 pessoas no Estado – deixaram a população em estado de alerta. No caso específico da micobactéria, que foi parar na Justiça, as pessoas ficaram alarmadas com a falta de cuidados dos profissionais de saúde que não respeitam os protocolos de assepsia previstos pela Anvisa. Com relação a esse princípio básico de assepsia, que é a lavagem das mãos, fiquei chocado com a declaração de uma médica do hospital Sério Libanês (São Paulo). Ela relatou que durante um congresso de infectologistas foi colocada uma câmera no banheiro masculino. As imagens revelaram que mais da metade dos médicos, todos infectologistas, não lavava as mãos após usar o banheiro. A senhora não acha isso um absurdo?
- Isso não é novidade. Todo o congresso sobre doenças infecciosas, e as doenças causadas por infecção hospitalar estão sempre em destaque, tem uma mesa que vai discutir o procedimento de lavagem das mãos. Parece uma medida muita simples, mas é muito complicada de ser adotada no dia a dia. Nesse caso acho que faltam políticas rigorosas. Entretanto, para você poder cobrar é preciso dar condições. Vamos também olhar o outro lado. Não podemos fazer uma analise rasa e concluir que o grande vilão dessa história é o profissional de saúde. Precisamos lembrar que o profissional de saúde quase sempre trabalha em condições adversas e enfrenta uma série de limitações. Essa discussão começa lá de cima. Por exemplo, é preciso saber o quanto o administrador hospitalar está disposto a investir na contenção da infecção hospitalar. Nós sabemos que infecção hospitalar zero não vai existir. No entanto, é possível reduzir significativamente esses índices. Há hoje uma infinidade de medidas e ações que ajudam a controlar a incidência de infecção no ambiente hospitalar, basta adotá-las e segui-las com rigor.
- E quais são as soluções para mudar essa realidade?
- Primeiro é preciso que o hospital coloque um número suficiente de profissionais com formação adequada para dar conta da demanda de pacientes. Se a demanda é muito superior ao número de profissionais a qualidade do atendimento ficará comprometida. No caso da infecção por micobactéria, por exemplo, percebemos que faltaram políticas mais rigorosas para fiscalizar os procedimentos. Ficou claro que muitos médicos só tinham um aparelho para atender uma demanda muito grande de pacientes. O médico não tinha tempo hábil para esterilizar o material - mesmo porque esse tipo de equipamento exige um processo de esterilização complexo e demorado -, e também, em muitos casos, acabava não substituindo alguns materiais que deveriam ser descartáveis. Ai entra também a questão do custo. O descarte sucessivo de materiais e a duplicação de equipamentos, obviamente, tornam os procedimentos mais onerosos. Será que o hospital ou o convênio vai aprovar esses gastos? Como a regulamentação e a fiscalização são falhas, isso dá margem para que o profissional cometa essa negligência, por opção ou mesmo falta de conhecimento. A questão comercial acaba ficando acima da segurança do paciente.
- O principal culpado então são os órgãos governamentais que deveriam instituir políticas mais rígidas de controle.
- Sem dúvida. Mas um bom começo para mudar essa realidade deveria partir dos próprios hospitais. O administrador hospitalar tem que ter consciência que a controle de qualidade é fundamental para o bom funcionamento do sistema. Sem querer fazer uma comparação desumana, é o que acontece dentro de uma fábrica. Se o controle de qualidade de uma linha de produção detecta que há uma falha em determinado processo, imediatamente aquele setor é parado até que o problema seja resolvido. O mesmo deveria acontecer dentro de um hospital. O problema é que, de maneira geral, as comissões de controle de infecção hospitalar não têm essa mesma força para brecar um processo que apresenta problema. Esse é o meu grande questionamento. Medidas para serem aplicadas existem, mas antes elas precisam ser testadas. Para que a coisa funcione é preciso que haja uma interação maior entre os hospitais e os centros de pesquisas que estão à busca de soluções. É preciso destacar também que nem sempre uma medida que deu certo em um determinado hospital servirá para outro. As realidades são diferentes. Tudo isso demanda investimento. Se houver disposição por parte da administração e das equipes em adotar as medidas é certo que o retorno virá e será grande.
- Mas na prática essa disposição para promover melhorias na qualidade continua muito truncada.
- É verdade. Quando você apresenta uma proposta para inserir na microbiologia um método a mais para tentar melhorar a eficácia na detecção de um determinado tipo de microorganismo, que será de interesse para indicar, por exemplo, uma antibioticoterapia mais correta, há resistência. E esse tipo de proposta acaba sendo brecada porque aumenta os custos.
- Quais são as principais pesquisas de controle de infecção hospitalar que a senhora está coordenando atualmente?
- Tenho alunos de iniciação científica de mestrado que estão desenvolvendo pesquisas importantes nesse sentido. Como sou especializada em microbiologia aplicada na área de bactérias multiresistentes dentro do ambiente hospitalar, procuro desenvolver, com meus alunos, projetos de otimização de métodos de detecção de resistência. Temos alguns trabalhos que estão sendo finalizados que poderão comprovar até que ponto aquele método vai ser útil ou não na detecção da resistência. Temos também algumas pesquisas voltadas para a epidemiologia, que investiga o perfil de resistência. Minha carga maior é sobre os estafilococos, que, ao lado das pseudomonas, figuram como as principais causas de infecção hospitalar – inclusive foram essas duas bactérias que atacaram a modelo. Há também outro trabalho de uma aluna de mestrado que está pesquisando sobre fatores de virulência, que é outro tema bastante importante, porque ajudam o microorganismo a causar infecção. O estafilococos coagulase-negativos (ECN) – uma das principais causas de bacteremia em UTIs neonatal -, com destaque para o estafilococos epidermidis, está sendo estudada na tentativa de identificar métodos de detecção de biofilme nessa espécie. Nem todas as espécies de estafilococos conseguem produzir biofilme, mas as que conseguem são responsáveis pelas infecções, que normalmente se inicia no cateter e dali pode gerar uma bacteremia, que em seguida pode evoluir para um quadro de sepse. Ela está procurando encontrar a relação entre a existência de estafilococos epidermidis produtores de biofilme em relação às infecções comunitárias.
- A senhora poderia explicar o que é biofilme?
- O biofilme inclui as bactérias e também alguns fungos. Esse não é um problema só hospitalar. Há bactérias que produzem esse biofilme que acabam corroendo dutos de esgotos e até de petróleo. Essa bactéria vai se desenvolvendo e se multiplicando ao substrato. Vamos pegar como exemplo o cateter. A bactéria começa a se multiplicar aderida ao cateter e passa a produzir uma substância mucóide, de natureza sacarídea. Isso faz com que a bactéria fique protegida da ação do sistema imune do paciente e dos antibióticos que estão sendo introduzidos pelo cateter. Em volta desse cateter, que está em contato com os tecidos e com a corrente sanguínea, essas bactérias ficam protegidas. Ocasionalmente essas bactérias são lançadas na corrente sanguínea. O paciente, que geralmente já está debilitado, começa então a apresentar sinais de bacteremia, como febre constante, hipotensão [pressão baixa] e outros sintomas, que se não forem controlados rapidamente podem evoluir para um quadro de sepse.
- E como se combate essa infecção causada a partir do cateter que está justamente no paciente para combater a doença?
- Ai nós entramos num dilema clínico. Qual será o custo-benefício para o paciente se o cateter for retirado para ser substituído. Nessa decisão, algumas vezes, não conta só o custo-benefício para o paciente, mas também o custo, propriamente dito, para o hospital.
- Alguns pesquisadores do Núcleo de Biotecnologia também estão desenvolvendo estudos a partir de substâncias naturais para combater fungos e bactérias. A equipe já obteve algum avanço com essas pesquisas?
- É importante ressaltar que todo o trabalho de pesquisa que estamos desenvolvendo nesse campo é bastante incipiente. Mas vamos por parte. Na linha de pesquisa citada há pouco, se o laboratório detecta que aquela amostra de estafilococos epidermidis é produtora de biofilme, poderíamos predizer que se ele não for a causa da bacteremia provavelmente vai desencadeá-la. Isso já nos dá a possibilidade de buscar, a partir de produtos naturais ou sintéticos, uma forma para controlarmos essa infecção. Procuramos, primeiramente, analisar a bactéria para entender quais são os fatores capazes de produzir biofilme, para tentar futuramente impedir esse processo.
- Isso funcionaria como uma medida para prevenir a infecção?
- Exatamente. Mas tudo isso vai depender muito do que encontraremos com as pesquisas. Quero ressaltar que é importante, primeiramente, entender o comportamento da bactéria. A pesquisa microbiológica, por muitos anos, fez sempre o contrário na área de saúde. Com a introdução dos antimicrobianos as pesquisas andaram para trás. Lançava-se um novo antibiótico no mercado e era só começar a usá-lo que os ‘problemas estavam resolvidos’. Isso foi feito por muitos anos e agora estamos pagando um preço bem alto. O correto seria parar e analisar a bactéria para entender o seu comportamento frente ao uso daquele determinado antibiótico. Isso deu margem para as bactérias desenvolverem resistência e causar essa pandemia que temos hoje.
- Há alguns anos e até hoje essa disseminação do uso irrestrito do antibiótico deu margem para que a população adquirisse a cultura da automedicação.
- Exatamente. A falta de regulamentação para o uso dos antimicrobianos vem favorecendo a infecção hospitalar e o aparecimento de bactérias multiresistentes.
- O objetivo das pesquisas é desenvolver novos antibióticos?
- Não. Mesmo porque não temos nem tempo ou condições para isso. O que estamos tentando fazer é desenvolver substâncias que não serão capazes de erradicar a bactéria, mas que poderão modular o desenvolvimento desses fatores que causam infecção.
- Como por exemplo a combinação de duas ou mais drogas?
- Tenho uma aluna de mestrado que vai defender a tese dela em março, que justamente estudou a combinação de duas drogas. A terapia de base para o estafilococos é a vancomicina. Entretanto, a vancomicina causa efeitos colaterais diversos, que acabam piorando o quadro clínico do paciente. Embora a vancomicina, a partir de teste no laboratório, apresente propriedades bactericidas para o estafilococos, na prática ela tem uma farmacocinética [caminho que o medicamento faz no organismo. Não se trata do estudo do seu mecanismo de ação, mas sim das etapas que a droga sofre desde a administração até a eliminação, que são: absorção, distribuição, biotransformação e excreção] não muito boa. Isso acaba tornando a droga pouco eficaz para tratar a infecção em alguns pacientes. Como não existe outra solução terapêutica para tratar essas infecções mais sistêmicas, com é o caso da bacteremia, os médicos acabam usando a vancomicina por períodos longos, às vezes 20 dias ou mais. Há por outro lado, as novas drogas que estão chegando ao mercado. essas drogas estão apresentando efeitos positivos no combate a essas bactérias, e se tornando uma alternativa à vancomicina. Entretanto, pelo fato de elas serem novas, dentro do SUS, elas ainda não são uma realidade. Você não vai encontrá-las tão cedo nas prateleiras das farmácias hospitalares da rede pública. Nós então pegamos a vancomicina e selecionamos mais três antimicrobianos. Essa composição tem o objetivo de verificar se diminuindo a quantidade de vancomicina, associadas a outros antibióticos, obteríamos um resultado superior ao uso da vancomicina isolada. Os resultados dessa pesquisa ainda são preliminares, mas já comprovamos, in vitro, que funciona. A segunda etapa deste estudo é testar em modelos animais para verificarmos se os resultados serão similares ou melhores. Depois de cumpridas todas essas etapas, teremos condições de avaliar se o uso dessa associação é viável numa triagem clínica envolvendo humanos, mas para chegar nessa etapa é preciso percorrer um longo percurso. Como eu disse, o trabalho de pesquisa é longo e complexo. Não se pode esperar resultados imediatos ou soluções mágicas. O lado motivador de tudo isso é que o governo do Estado e a prefeitura têm feito investimentos de apoio à pesquisa e isso tem sido muito importante para nós. Estou na Ufes há pouco tempo [quatro anos] mas acho que estamos conseguindo significativos avanços.
Fonte: www.seculodiario.com.br
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