Prefeito Raimundo Ramos e Ir. Clarinda.
Atendendo a um chamado do Bispo Dom Henrique Rüth em 1971 a Irmã Maria Clarinda Canci e mais duas irmãs da congregação de Nossa Senhora, chegaram a Tarauacá para apoiar a Paróquia de São José. Acompanhe agora a saga dessas irmãs e o quanto à educação tarauacaense deve a essas pessoas comprometidas.
Que pelo menos no centenário que se aproxima elas possam estar juntas aqui novamente para receberem ao menos um muito obrigado da cidade de Tarauacá. Gentilmente a Ir. Clarinda me concedeu uma entrevista.
Como e quando a senhora soube que viria para Tarauacá?
Bom, há muito o Bispo Dom Henrique Rüth da Diocese de Cruzeiro do Sul vinha solicitando junto a Provincial a participação das irmãs em Tarauacá e a mesma vinha protelando, e em um encontro nos Estados Unidos de todas as provinciais a Madre encontrou o Bispo novamente e este falou que não tinha mais como a Madre dizer não. (Ir. Mari, Ir. Rosângela, Hugo Júnior, Ir Nonata e Ir. Gentil).
No retorno a Madre pediu voluntárias e obviamente encontrou dificuldades por ser o Acre naquela época “o fim do mundo”, iam ter que ficar no meio dos índios, enfim ninguém tinha coragem de vir. Depois algumas se ofereceram e vieram me perguntar se eu queria ir, no fundo gostaria, mas tinha muito medo e protelei mais um pouco. Por fim houve uma romaria no sul em Santa Maria e uma das irmãs não pôde ir tendo eu que ir em seu lugar, pois o ônibus partiria de Chapada. A minha preocupação é que eu tomava conta de 45 internas, a irmã percebendo minha preocupação disse que eu poderia ir que ela colocaria outra em meu lugar. Naquela romaria um irmão começou a me explicar no mapa onde ficava o Acre, como chegava até lá, ia de avião etc.
Assim que eu voltei, eu vi que estava pronta e escrevi um bilhete para a Provincial dizendo que podiam contar comigo. Aí foi uma alegria só porque já tinham quem mandassem e fomos fazer os preparativos.
Como foi sua vinda?
O bispo nos buscou e fomos até o Rio de Janeiro de ônibus e de lá embarcamos nos aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) até Manaus. De Manaus não tínhamos como ir para o Acre porque éramos nove, quatro para ficarem em Cruzeiro do Sul e três para vir para cá, além da Madre e mais uma irmã que vinha junto. Como queríamos vir todas juntas tivemos que esperar mais de 15 dias em Manaus quando apareceu o avião e nos levaram para Cruzeiro do Sul. Quatro que ficaram em Cruzeiro foram para o hospital. Depois tivemos que esperar mais oito dias um avião para nos trazer até Tarauacá. Então chegamos a Tarauacá no dia 30 de março de 1971.
Quem eram as outras duas irmãs?
Ir. Maria Gentil Magagnim (Hoje está no Sul) e Ir. Irmã Maria Beatriz Gatto. (encontra-se em Cruzeiro do Sul).
Quais foram as suas primeiras ações?
Havia uma escolinha municipal que depois viria a ser o Instituto São José, onde trabalhava a Dona Francisca Aragão e a Dona Francisca Bayma, aí eu a irmã Beatriz e as outras 3 ficamos ajudando nessa escolinha. Depois o Padre construiu a primeira ala do Instituto São José.
Construção do Instituto São José
Então a Senhora foi a primeira diretora do Instituto São José?
Sim, mas na verdade eu já era desde a escolinha porque o Padre pediu para eu pegar, já que a Francisca tinha uma sala de aula, antes era mais o Padre que dirigia. No instituto mesmo propriamente dito foi em 1974, depois quando eu fui para Feijó em 1978 à irmã Gentil assumiu.
Ficou quantos anos em Feijó?
7 anos e depois voltei para o Sul.
Como se deu sua volta ao Acre?
Eu pensei que nunca mais voltaria para o Acre, mas aí surgiu Acrelândia, novamente ninguém queria ou podia ir, às vezes por problema de saúde outras vezes por problemas de coragem mesmo, foi quando a Madre me perguntou se eu viria, e eu disse que enquanto tivesse saúde estava pronta para sevir. Fui e fiquei 10 anos, fundamos a paróquia lá. Depois voltei para Rio Branco em fevereiro de 2010.
E a volta para Tarauacá?
As irmãs aqui sendo apenas duas estavam sobrecarregadas então para ajudar e fazer companhia a elas surgiu à oportunidade de voltar para Tarauacá, em abril e voltei.
Quando a Senhora decidiu vir, qual era a imagem que a senhora fazia do Acre?
Eu imaginava uma casa de palha no meio do mato, imaginava que quando a gente pendurava um cacho de banana os macacos vinham roubar (risos), muita lama, era uma preocupação só. Mas quando chegamos vimos várias casas bonitas, a nossa própria casa tinha uma estrela na frente, ficava bem aqui na esquina. Era a antiga casa de um seringalista.
Capitão Matuí
Falando em casa, como era a casa de vocês?
Não tinha nada era um salão aberto, não tinha cama cadeira não tinha absolutamente nada. Daí o Exército veio em nosso socorro. Tinha um militar do Exército, um Sargento chamado Péricles que se interessou em nos ajudar. Ele trouxe o Capitão Matuí e o mesmo se sensibilizou com a nossa situação e nos arrumaram 5 camas, pois a Madre e outra irmã nos acompanharam desde Cruzeiro, e umas senhoras nos arrumaram uns mosqueteiros.
Como se deu sua chegada em Tarauacá?
Foi muito engraçada porque foram correndo avisar ao Padre Trindade que o Bispo e uma turma de Irmãs haviam chegado ao Aeroporto e umas usavam vestido meio curto, pano na cabeça, meia e sapato de homem (risos), daí o Padre já sabia que eram Freiras e foi ao nosso encontro e nos conduziu a Igreja. Na época o aeroporto era aqui em baixo e só tinha uma passagem estreita, um trilhozinho limpo, o resto era lama e mato dos lados, as pessoas vendo aquela cena, inclusive as escolas, não conseguiram segurar os alunos e fomos rodeados de gente até a Igreja. Entramos na Igreja para agradecer a Deus nossa feliz viagem e tudo o que fazíamos éramos imitadas, fazíamos o sinal da cruz, todo mundo fazia o sinal da cruz, depois nos ajoelhamos sem dizer nada, aí todo mundo se ajoelhou, (risos), isso tudo ao nosso redor, foi muito engraçado, mas tínhamos que ficar sérias, depois rezamos um pai nosso e uma ave Maria e claro todo mundo rezou conosco.
Quando saímos da Igreja todo mundo queria chegar perto e tocar em nós, achavam muito estranho o nosso véu (risos).
E depois?
Depois fomos para a Casa Paroquial, ela era feita de palha e o fogão era a lenha, achei estranho porque havia muita fumaça e a fumaça deixava as teias de aranha todas negras, achamos aquilo o fim do mundo, aí falei: É o Acre!(risos). Lembro-me que o Padre Trindade sentou na cabeceira da mesa ele tocava uma sineta e aí vinha o Raimundo, e o Padre falava traga isso traga aquilo, faça isso faça aquilo, eu achei muito interessante porque nunca tinha visto isso também (mais risos).
Como foi a partida da Madre?
Foi tudo bem planejado já que ela sabia que eu era muito chorona. Teve um senhor que fez amizade com ela que eu não lembro o nome, ele ajeitou um churrasco e “tramou” tudo com a Madre para saírem bem em cima da hora. A dona Dalva esposa do Capitão Matuí também já estava preparada e ficaram nos enrolando, quando vimos o avião estava passando em cima da cidade, ela aproveitou e se despediu de nós bem rapidamente, entrou no carro do Exército dizendo que não havia necessidade de irmos até o aeroporto (risos), foi assim então, uma despedida que não foi muito sentida, porque quando vimos estávamos sozinhas (risos).
Como à senhora fazia para se comunicar com a família lá no sul?
Isso era quase impossível, uma carta demorava 1 mês para ir e mais 1 mês para voltar, só tínhamos o radioamador do Exército no 7º BEC.
(à esquerda Ir. Clarinda e eu)
E daí para frente?
Estava tudo correndo bem até que em setembro Tarauacá foi assolada por uma tragédia, caiu o avião em que estava tanto o Prefeito Tupanir Gaudêncio quanto o Bispo Dom Giocondo Maria Grotti, ambos faleceram. O Tupanir era da Inspetoria de ensino e diretor do ginásio. Quando nós chegamos o Governador Jorge Kalume pediu a Madre para que nós pegássemos a Escola Plácido de Castro, e a Madre disse que de jeito nenhum porque tudo era muito novo para nós e que precisávamos nos ambientar primeiro e isso era impossível naquele momento. Mas com a tragédia ficou tudo abandonado e o Governador veio para cá e pediu por misericórdia para assumirmos tanto a Escola Plácido de Castro como a Inspetoria de Ensino. O combinado era que assumiríamos em 1972, além de que o Plácido estava uma confusão só, faltavam menos de 80 dias letivos sem contar que naquela época cortavam a luz e ficava às vezes até uma semana sem aula.
Então como resolveram esse problema?
O Governador Jorge Kalume pediu para que fossemos a Rio Branco para de lá conversarmos com a Provincial, no gabinete dele tinha um radioamador, ele entrou em contato com o Exército de Passo Fundo e pediu para chamar a Madre que atendeu ao pedido e disse que não ia emitir a opinião dela, só disse que se as irmãs tivessem coragem e o Governador garantisse apoio não iria se opor. Então fomos nos encontrar com a Professora Íris Cabanelas Secretária de Educação do Estado.
Então assumiram a Escola Plácido de Castro?
Sim, voltamos para Tarauacá em novembro e assumimos o Plácido de Castro, estudamos a situação e vimos que tínhamos como falei menos de 80 dias letivos. Fizemos o que pudemos naquele ano e nos preparamos melhor para o ano que entrava.
Se prepararam como?
Novamente o Exército teve papel fundamental, O Capitão Matuí ficou como vice-diretor e sua esposa a Dalva como professora de Português, os outros professores também eram Tenentes do Exército, assim como o regime, pois a desobediência era grande. Naquela época o Prefeito me autorizava uma ida por mês para Rio Branco com toda ajuda inclusive para me movimentar lá, tudo isso para eu não desistir. (risos). Fui até Rio Branco me encontrar novamente com a Secretária de Educação e fomos com o carro e o motorista do Governador até um depósito onde peguei livros para todos os alunos da 5ª à 8ª série, além de todo material necessário para a Escola funcionar, inclusive máquinas de escrever. O Avião precisou fazer dois vôos para trazer tudo, e em março nós começamos o ano letivo com aquele regime, mas olha, correu tudo bem.
A senhora acha que a Educação Moral melhorou daquele tempo pra cá?
Ir Mari Trabalhando.
Em parte melhorou, mas em parte também ainda falta muito.
E a Escolhinha paroquial?
Lá havia crianças que estavam na 4ª série, mas não tinham capacidade de estar nem na 1ª série, não sabiam ler nem muito menos fazer contas básicas de matemática.
E esse outro problema, como foi resolvido?
Bom, ninguém ia aceitar voltar todo mundo para a 1ª série, então resolvemos deixar todos onde estavam com programa de 1ª série, conforme o desenvolvimento do aluno passava-se ele de série e assim foi indo, até ele ter condições de entrar na 5ª série lá no Plácido de Castro.
Houve mais alguma ajuda diferenciada nessa época do Governo do Estado?
Sim, o Governador nos deu uma verba para montar a banda e encomendaram os tambores, mas para não estragá-los treinávamos em latas de querosene e manteiga para pegar o rítimo antes.
Mas naquela época onde tudo era difícil, quem ensinou os alunos a tocar?
Novamente o Exército nos ajudou e depois as irmãs pegaram firme.
Nota 1: Hoje o Instituto São José é dirigido pela Ir. Maria Taffarel (de saía à esquerda) e tendo uma das coordenadoras a Ir. Maria Kollett (Ir. Mary), além dos funcionários.
Outras Irmãs passaram por Tarauacá e pelo Instituto. Peço perdão de ante-mão às que eu não consegui saber, mas é só mandar um e-mail que eu acrescento, são elas:
Ir. Borja, Ir. Cândida, Ir. Terezinha, Ir. Noeli, Ir. Cecília W, Ir. Zita, Ir. Dulcinda, Ir. Rosa, Ir. Josema, Ir. Nelda, Ir. Luiza, Ir. Cecília K, Ir. Clair e Ir. Deusa.
Nota 2: Consegui levantar depois o nome do proprietário da casa, era o Sr. Rediner Mattos.
Nota 3: A Estrela que a irmã se refere parecia uma rosa dos ventos no “oitão da casa”.
Nota 4: Se hoje muita gente como médicos de grandes cidades não querem vir pra cá, imagina elas virem naquela época.
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Foto de 1965 cedida pela Igreja Católica ao oestadoacre.com |
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Tupanir Gaudêncio |
Nota 5: O Acidente aéreo que a irmã se refere onde faleceram o Dom Giocondo Maria Grotti e Tupanir Gaudêncio, foi de um DC-3 da Cruzeiro do Sul na aproximação para pouso em Sena Madureira no dia 28/09/1971. Era um DC-3 Prefixo PP- CBV, (avião da foto, mas talvez com a pintura da década de 70) houve 32 vítimas nesse acidente, 28 passageiros e 4 tripulantes. Um dos passageiros era o comerciante e pai de Edvaldo Magalhães, Osvaldo Dílson Magalhães.