Logo depois da cúpula dos Brics, o presidente de Moçambique, Armando Guebuza, viu-se na obrigação de negar que as relações entre o grupo de cinco países e a África configurem "uma nova colonização".
"Os países africanos não andam à procura de serem colonizados. Andam à procura de amizade e cooperação. É neste quadro que nos reunimos com os Brics", disse Guebuza ao jornal estatal Notícias, logo após a cúpula, que se realizou no dia 27 de março em Durban, na África do Sul.
O ex-presidente Lula, grande impulsionador da aproximação com a África, e a presidente Dilma insistem em uma parceria diferente com o continente, que seja o oposto do imperialismo praticado pelas potências ocidentais por séculos.
"Estamos unidos --Brics, América Latina e África-- em um grande projeto comum de crescente aproximação e de objetivos compartilhados, uma parceria entre iguais, que se constrói no respeito mútuo, voltada para o desenvolvimento e o bem-estar de seus povos, uma parceria que abandonou e abandona as agendas ocultas, cuja característica --e nós conhecemos isso muito bem-- era utilizar a ajuda econômica como instrumento político", discursou Dilma em Durban.
Mas, ao mesmo tempo, os Brics estão se lançando com avidez à exploração dos recursos minerais no continente africano, e isso gera tensões. Existe a percepção de que os Brics não se diferenciam tanto dos antigos colonizadores, uma vez que também estão disputando a exploração dos recursos naturais do continente, sem estimular de forma significativa a industrialização ou criar empregos.
Em artigo no "Financial Times", o presidente do Banco Central da Nigéria, Lamido Sanusi, advertiu que a China está agravando a desindustrialização e o subdesenvolvimento na África e o continente está sujeito a "uma nova forma de imperialismo". "Em boa parte da África, os chineses montaram enormes operações de mineração. Eles também estão construindo obras de infraestrutura. Mas, com poucas exceções, eles fazem isso usando equipamento e mão de obra importados da China, sem transferir conhecimentos para as comunidades locais", escreveu.
"A China leva nossos produtos primários e nos vende manufaturados. Esta foi também a essência do colonialismo", escreveu.
Segundo Sanusi, a África deve reconhecer que "a China --como os EUA, a Rússia, a Grã-Bretanha, o Brasil-- está na África não no interesse africano, mas em seu próprio interesse".
A China é o principal alvo das críticas.
Mas o Brasil, com sua mega expansão na África por meio de empresas como a Vale, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Correa e outras, começa a sofrer ataques também.
A criação do banco dos Brics está imersa nessa questão. A proposta dos Brics é criar um banco multilateral diferente, para cooperação sul sul, e sem as imposições comuns nos empréstimos concedidos por instituições ligadas às potências ocidentais, como o Banco Mundial.
"É um sintoma do passado colonial africano o problema que as instituições de Bretton Woods têm investido em África com muitas condições. Penso que os governos africanos sentiram-se sem forças para fazer avançar as suas exigências. O que precisa ser redefinido são os termos do compromisso desses contratos.", disse Guebuza.
Mas as ONGs estão bastante preocupadas --temem que o banco do Brics seja usado apenas para financiar grandes obras na África de interesse de empresas dos países brics, sem atentar para problemas ambientais e de direitos humanos.
"Não gostaríamos que o banco dos Brics fosse mais do mesmo, ou seja, como o Banco Mundial, o FMI e os bancos nacionais de desenvolvimento, que em geral financiam projetos concentradores de renda, dão quase nenhuma transparência aos projetos que financiam e apoiam obras violadoras da legislação ambiental e até de direitos humanos. Os dois exemplos mais trágicos de projetos assim, no Brasil, são a siderúrgica TKCSA no Rio de Janeiro e a usina Belo Monte, no rio Xingu, no Pará", diz Carlos Tautz, coordenador do Instituto Mais Democracia.
Patrícia Campos Mello é repórter especial da Folha e escreve para o site, às sextas, sobre política e economia internacional. Foi correspondente em Washington durante quatro anos, onde cobriu a eleição do presidente Barack Obama, a crise financeira e a guerra do Afeganistão, acompanhando as tropas americanas. Em Nova York, cobriu os atentados de 11 de Setembro. Formou-se em Jornalismo na Universidade de São Paulo e tem mestrado em Economia e Jornalismo pela New York University. É autora dos livros "O Mundo Tem Medo da China" (Mostarda, 2005) e "Índia - da Miséria à Potência" (Planeta, 2008).
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