23 de jan. de 2014

QUANDO ESSA BOLHA ESTOURAR, COMO VAI FICAR O PESSOAL DO BOLSA FAMÍLIA?

                
 AS METAS E OS TRUQUES

Como expõe a alta na inflação, o uso de artifícios contábeis não disfarça a dificuldade do governo para cumprir os objetivos centrais de uma política econômica estável

Ana Luiza Daltro - Em meio aos debates da edição de 2011 do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, uma jornalista perguntou a Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos na gestão Bill Clinton e ex-reitor de Harvard, se ele achava que as conversas entre a Casa Branca e os empresários americanos estavam fluindo melhor do que no começo da crise financeira. Summers disparou: "O presidente (Barack Obama) está plenamente consciente de que a confiança é a forma mais barata de estímulo". Não é possível esperar que os empresários invistam de forma vigorosa quando eles não confiam na capacidade do governo de prover um ambiente econômico previsível e favorável aos negócios. A credibilidade decorre, antes de mais nada, do cumprimento de metas básicas, entre elas as de inflação e as estabelecidas para as contas públicas. Quando um governo se desvia desses objetivos, ele colabora para ampliar o nível de incerteza sobre o comportamento futuro da economia — e inibe os investimentos. Consciente da necessidade de não ser derrotado pela chamada "guerra das expectativas", o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e outros integrantes graduados da equipe de Dilma Rousseff têm prometido dar novo ânimo ao combate à inflação e também ao rigor na execução do Orçamento. As palavras, entretanto, nem sempre encontram arrimo nas ações. Os resultados recentes de alguns dos principais indicadores econômicos foram mascarados por truques numéricos e contábeis que, observados com atenção, apenas serviram para lançar mais incertezas.

O resultado da inflação de 2013, divulgado na sexta-feira, é um exemplo. A alta do índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 5,91%. O centro da meta de inflação, que deveria ser o alvo do Banco Central, é de 4,5%. O governo trabalhava com a meta informal de obter um índice inferior aos 5,84% de 2012, mas nem esse objetivo mais frouxo foi alcançado. Além disso, o número oficial seria muito maior se o governo não controlasse a ferro e fogo os chamados preços administrados. Essa categoria, que inclui a gasolina e as tarifas de energia elétrica e transportes públicos, subiu apenas 0,95% no ano passado. Já a cesta básica, por exemplo, viu o seu preço crescer a mais de 10% em nove capitais brasileiras. Em outro ponto preocupante, houve uma aceleração dos reajustes nos últimos meses do ano. A inflação em dezembro, de 0,92%, foi a maior num único mês desde 2003. Como consequência, consultores já esperam que o BC aumente a taxa básica de juros para além do previsto originalmente — e isso em um momento de crescimento ainda tímido da economia.

O ponto considerado como o mais frágil da política econômica está nas contas públicas. Mantega antecipou, em 3 de janeiro, o anúncio dos números preliminares do superavit fiscal primário para 2013. A decisão de fazer o comunicado, nas palavras do ministro, foi tomada para acalmar os "nervosinhos" do mercado financeiro. Mas a divulgação de pouco serviu para distender os nervos. O ministro festejou o fato de o resultado obtido ter ficado em 75 bilhões de reais, acima dos 73 bilhões prometidos. Problema número 1: a meta original a ser cumprida, prevista em lei. era de 108 bilhões de reais. Os tais 73 bilhões, como explica o economista Felipe Salto, resultam dos descontos com obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Problema número 2: o resultado de 75 bilhões de reais só foi possível graças a receitas extraordinárias obtidas de última hora, como as do programa de renegociação de dívidas em atraso e as da concessão do campo de Libra. O governo também lançou para 2014 gastos programados para o ano passado. Sem esses expedientes, o resultado final seria próximo de zero. Segundo cálculos do economista Alexandre Schwartsman, até novembro do ano passado as receitas oriundas de concessões de infraestrutura, de dividendos de estatais e de renegociações de dívidas tributárias alcançaram 59 bilhões de reais. O superávit federal oficial, que chegou a 1,9% do PIB nos doze meses terminados no citado mês, mal encostaria em 0,3% do PIB. Problema número 3: o ministro não se comprometeu com nenhuma meta para 2014, contribuindo apenas para dar mais razão aos "nervosinhos". "Não existe um planejamento, um ataque conjunto aos problemas que temos"", afirma o economista Sergio Valle, da MB Associados. "Essa ilusão permanente em que o governo vive, e que o mercado cada vez mais acredita que não vai mudar, certamente trará rescaldos perigosos para os próximos anos."

Até mesmo nas transações comerciais externas o Brasil passou a obter resultados frustrantes — prontamente mascarados por novos truques. O saldo na balança entre as exportações e as importações ficou positivo em 2,6 bilhões de dólares no ano passado, o pior resultado desde 2000, quando houve um déficit de 731 milhões de dólares. Mas o resultado teria sido ainda mais fraco não fosse o expediente, cada vez mais empregado, de contabilizar como exportação o deslocamento de plataformas de petróleo que na verdade nunca saíram do Brasil. Os fornecedores desses equipamentos os vendem no papel a subsidiárias de petroleiras no exterior, que os "trazem" para as suas operações aqui como se os estivessem alugando. A manobra, que faz com que as empresas consigam pagar menos impostos, está de acordo com as regras do comércio internacional e com a legislação brasileira. O valor total de operações comerciais do tipo atingiu 6 bilhões de dólares entre 2004 e 2012, enquanto que, só no ano passado, 7,7 bilhões de dólares em plataformas de petróleo que nunca deixaram o Brasil "viraram" exportação. Não fosse isso, o governo teria anunciado um déficit nas transações comerciais.

"O Brasil passou 2013 escorregando nas cascas de banana que plantou para si e fingindo que o problema estava em outro lugar", diz a economista Monica Baumgarten de Bolle, sócia-diretora da Galanto Consultoria. "O gorno fingiu que o problema era o quadro internacional, e adotou medidas mal concebidas e desorganizadoras. Enquanto isso, as contas públicas se esfacelaram, o déficit externo aumentou e a inflação se estabeleceu em um terreno pantanoso, cheio de artifícios e ingerência nos preços administrados." Resta torcer por um 2014 com uma dose menor de autoengano por parte do governo — e também com menos truques, que não enganam mais ninguém na plateia e servem apenas para minar a confiança na economia.

Nota do Blog: O subtítulo é o título original

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