Delegado revela ao site de VEJA existência de interceptação telefônica na qual um bandido, chamado de Catatau, declara ter assassinado o pedreiro para que a culpa fosse atribuída a um PM que agia infiltrado entre traficantes da Rocinha. Reportagem não obteve cópia da gravação
Desaparecimento de Amarildo na Rocinha é investigado pela Divisão da Homicídios(Alessandro Costa/Agência O Dia/VEJA)
Leslie Leitão - Uma interceptação telefônica, atualmente em poder da Justiça, pode ajudar a Divisão de Homicídios (DH) da Polícia Civil do Rio a ter pistas sobre o paradeiro do pedreiro Amarildo de Souza, de 42 anos, vítima do desaparecimento mais comentado atualmente no Brasil. A conversa foi gravada pelo setor de inteligência da 15ª DP (Gávea), e envolve o traficante identificado apenas pelo apelido de Catatau e um policial militar da UPP da Rocinha. O PM, chamado de Avelar, trabalhava infiltrado na quadrilha com autorização judicial. No diálogo, o traficante diz ter "matado o Boi" para fazer com que a culpa recaísse sobre este policial especificamente. Boi, segundo a polícia, é o apelido que Amarildo tinha entre os traficantes da Rocinha.
A reportagem do site de VEJA não teve acesso à gravação, feita em 17 de julho, quatro dias depois do início da operação Paz Armada, que resultou na detenção de mais de 30 suspeitos de tráfico. O delegado Ruchester Marreiros, responsável direto pelo trabalho de investigação e que na semana passada foi transferido de delegacia, recusou-se a falar especificamente sobre o que ele classifica como "ação controlada" (que no linguajar jurídico significa que o agente da lei estava infiltrado com aval do Ministério Público e de um juiz para receber dinheiro e parecer aliado do tráfico). Marreiros, no entanto, admite a existência da gravação e o teor do material. "Realmente existe o grampo em que esse Catatau liga para o 'ação controlada' e fala algo do tipo: 'Aí, filho da p... Pegamos teu X-9 (informante). Matamos o Boi e vamos colocar na sua conta'. Boi, segundo as nossas investigações, era o apelido do Amarildo", afirmou o delegado.
As suspeitas sobre a ligação de Amarildo com o crime não são novas - tampouco partem apenas de policiais. O fato é que o caso, independentemente da ficha criminal da vítima, mostra como é corriqueiro o desaparecimento de pessoas no Rio de Janeiro, seja por obra de traficantes ou, o que é pior, por agentes da lei. O caso Amarildo seria apenas mais um registro sem importância para a polícia, mas ganhou notoriedade por uma coincidência: seu desaparecimento, há 25 dias, coincidiu com o momento de ebulição nas ruas e pegou carona nas reivindicações que, no Rio, têm o governador Sérgio Cabral e a PM como alvos principais.
Em entrevista à rádio CBN, na manhã desta quinta-feira, Marreiros afirmou que tanto Amarildo como a mulher, Elizabete Gomes da Silva, a Bete, eram envolvidos com a quadrilha que domina as bocas de fumo da Rocinha. O delegado ainda apresentou um vídeo no qual uma testemunha afirma ter sido espancada na porta da residência do casal. A vítima disse ainda que o imóvel era usado por traficantes para sessões de tortura. "Nada justifica o fato de o Amarildo ter desaparecido. Mas também não se pode ignorar que a vítima em questão fazia parte do crime organizando, inclusive guardando material do tráfico em casa", disse Marreiros.
Infiltrados - Para entender a trama sobre a qual a gravação levanta suspeitas - digna, diga-se, dos melhores filmes policiais -, é preciso voltar quatro meses no tempo, quando uma das equipes de policiais foi trabalhar infiltrada no tráfico. O grupo era comandado por um jovem soldado, o PM Avelar. Com o pretexto de que aceitaria receber propinas para deixar as bocas de fumo funcionarem durante seus plantões, o policial conseguiu se aproximar e ganhar a confiança de um dos homens que controlam a região atualmente, Luiz Carlos da Silva, o Djalma. O site de VEJA apurou que a equipe de Avelar passou a frequentar até mesmo bares e festas onde os traficantes se divertiam na favela. E todo o dinheiro que recebia do tráfico (o chamado 'arrego') era apreendido oficialmente no inquérito, que corria em segredo de Justiça na delegacia da área.
A falsa intimidade era tão grande que os PMs deixavam que os traficantes manuseassem seus fuzis. Nem todos, no entanto, gozavam da mesma confiança dos bandidos. "Todos eram aceitos. Menos um soldado da equipe, que uma vez se recusou a emprestar o fuzil. Criou até um clima ruim, mas depois ficou tudo resolvido", explica um oficial da PM que teve acesso às filmagens produzidas pela equipe infiltrada. De acordo com as informações obtidas pela própria UPP, o bandido conhecido como Catatau estava desconfiado da íntima relação entre o chefe Djalma e a equipe do soldado Avelar.
"Teve um dia que a equipe do Avelar ficou cercada na Rua 2 (localidade da favela) e tivemos de resgatá-los de lá. Era o grupo do Catatau tentando matá-los", afirma um cabo da UPP da Rocinha.
Desaparecimento - A gravação telefônica e a existência do traficante Catatau são apenas peças novas e isoladas em uma investigação que, desde o início do sumiço de Amarildo, caminhou pouco. Mas o que se sabe, até agora, compromete a Polícia Militar. Entre as raras certezas do caso, duas depõem contra a corporação: o sistema de câmeras, criado para vigiar as ruas da favela contra os bandidos e dar transparência à ação da polícia, estava desligado na noite de 14 de julho, quando a vítima sumiu; e também não funcionava o GPS da viatura que transportou Amarildo - outro item que serve para evitar que, em casos como o de agora, os policiais sejam acusados injustamente. As buscas, até agora, não encontraram qualquer vestígio de Amarildo.