Pais de crianças com a doença acusam Estado de omissão
Luana, que tem microcefalia, e a mãe, Gilcinea: escola com cuidador e uso de 8 fraldas por dia - Custódio Coimbra / Agência O Globo
Renata Mariz - Em evidência desde que o Brasil anunciou uma epidemia inédita no mundo, com causas ainda em estudo, o drama da microcefalia faz parte da rotina de mães brasileiras há muito tempo. Algumas recorrem à Justiça na tentativa de ter acesso a itens básicos, como remédios e cadeira de rodas, fundamentais para o bem-estar dos filhos. As dificuldades experimentadas nos últimos 16 anos, desde que Luana nasceu, levam Gilcinea Rangel Pesenti a desabafar:
— Eu não engravidaria de jeito nenhum neste momento. É tudo muito difícil.
A explosão de casos de microcefalia, relacionados ao zika, leva Gilcinea a rememorar os primeiros meses com Luana. As recordações da carioca de 46 anos remetem ao final da década de 1990 e início dos anos 2000, quando ela enfrentou uma via-crúcis em busca de diagnóstico. Após peregrinar por consultórios médicos, com Luana no 7º mês de vida, veio o baque:
— O médico disse que minha filha não ia andar, sorrir, falar. Eu disse que, independentemente disso, ela ia ser feliz. E é assim que sigo desde então.
Ao diagnóstico de microcefalia, somou-se a identificação de uma paralisia cerebral. Gilcinea não voltou a engravidar. Conta que precisava se dedicar a Luana, hoje uma adolescente de 16 anos. Funcionária de uma concessionária de energia, ela diz que “trabalha à beça” para garantir qualidade de vida à filha, que desde pequena vai à escola acompanhada de um cuidador.
Rosa Ângela Gomes Marinho, de 17 anos, mãe de Lara Safira, que nasceu com microcefaliaMicrocefalia: Drama amplificado
Apesar da condição financeira favorável, os gastos são elevados. Há pouco mais de dois anos, ela acionou a Justiça para receber fraldas. São oito, em média, por dia. A família obteve decisão favorável contra a Secretaria estadual de Saúde. Mas nem sempre o fornecimento é regular. Ela conta que já ficou quatro meses sem receber o item, que, frisa, é fundamental para a saúde da filha, por diminuir crises de infecção urinária.
Não há dado sobre o número de famílias que convivem com microcefalia no Brasil, que só passou a ter notificação compulsória no fim de 2015, quando o aumento de casos levou o país a decretar emergência. Antes, a média nos registros oficiais, desde 2010, era de 150 por ano.
ESPECIALISTA ACREDITA EM SUBNOTIFICAÇÃO
Vanessa Van Der Linden, neuropediatra do Hospital Barão de Lucena, em Recife, não tem dúvidas da subnotificação. Ela crê que os registros, antes da epidemia, só ocorriam em centros especializados. Além do tipo congênito, que ocorre antes do nascimento, há a microcefalia pós-natal, que pode se desenvolver por doença genética, trauma ou outras causas ambientais.
A extensão das sequelas varia conforme a área lesionada. Quanto mais grave o caso, mais difícil o acesso a serviços, lamenta Teresa Costa d’Amaral, superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD). Segundo ela, as dificuldades são enormes, até na rede privada. Faltam especialistas, prática de estimulação precoce e vagas.
Em levantamento, feito a pedido do GLOBO, ela identificou quatro famílias com casos de microcefalia que foram auxiliadas pelo IBDD para ir à Justiça. Não há dados centralizados sobre a demanda nos tribunais brasileiros. Mas Teresa diz não serem poucas as ações judiciais, com base na experiência de receber mães “desesperadas”.
Para Shayenna Karine da Costa Brasil, o ônibus é o meio de transporte mais usado. Muitos motoristas não param ao avistarem a cadeira de rodas de Brenda. A menina de 11 anos nasceu prematura, abaixo do peso, com microcefalia e outras malformações. Contrariando prognósticos, começou a andar aos 6 anos. Hoje, cantarola canções de ninar, mas não recuperou a visão.
Moradora de Vargem Pequena, no Rio, Shayenna, de 27 anos, cuida da família com a ajuda de vizinhos e uma ex-sogra. Conta que não trabalha de carteira assinada porque não tem quem cuide de Brenda, mas faz bicos como cabeleireira, desde que possa levar a filha. Complementa a renda com o que ganha: um benefício de um salário-mínimo recebido em virtude da condição de Brenda. Ano passado, teve dificuldades de comprar o remédio anticonvulsivo e o talco usados pela menina.
— Tive que entrar na Justiça. O pior é que a gente ganha, mas o governo diz que não tem (o remédio). Não adianta — lamenta.
A falta do remédio regular faz com que Brenda tenha crises e fique agitada. Shayenna relata, com tristeza, que a menina chora muito. Quando levanta, por não enxergar, derruba móveis e objetos. Ela sonha em poder não depender de “juiz nenhum” para dar o que a filha precisa.
Nota do Blog: E seguimos sambando.
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