Major Basante, que comandava base com 150 homens, será representante militar de Guaidó no Brasil Foto: Jorge William
A recente morte do capitão da Marinha venezuelana Rafael Acosta Aréval e o posterior relatório apresentado pela ONU sobre a repressão do governo Nicolás Maduro contra opositores instalaram uma certeza dentro e fora da Venezuela: a autoproclamada revolução bolivariana está torturando e assassinando nos calabouços dos seus serviços de inteligência.
Essa mesma certeza foi a que levou o major do Exército Bolivariaono José Gregorio Basante , até maio passado à frente da base militar de Escamoto, no estado de Bolívar, na fronteira com o Brasil, a tomar a decisão de fugir.
Dois meses depois, Basante está com a mulher e dois filhos pequenos em Brasília, onde será o primeiro adido militar no Brasil do líder opositor Juan Guaidó , que se proclamou presidente interino em janeiro com o apoio da Assembleia Nacional e foi reconhecido como tal por 50 governos, incluindo o brasileiro.
Em sua primeira entrevista desde que chegou ao país, Basante confirmou a atuação da Inteligência venezuelana armada no Brasil, falou sobre a corrupção dentro da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb), de técnicas de tortura, do crescente mal-estar nas bases militares e das dificuldades de organizar uma rebelião contra o governo de Nicolás Maduro pelo controle da Inteligência, com forte apoio de russos e cubanos.
Filha dentro da mala
Morando na casa de um militar brasileiro que conheceu há alguns anos, Basante contou que até pouco tempo atrás sua filha de 3 meses dormia dentro de uma mala. Ele quis marcar a diferença entre ele e o adido militar de Maduro no Brasil, general Manuel Antonio Barroso Alberto, que, apesar do respaldo do governo de Jair Bolsonaro a Guaidó, mantém relações com autoridades brasileiras.
“Gostaria que o general Barroso falasse se alguma vez comeu o que nós, militares não corrompidos, recebemos nas caixas Clap que o governo entrega. Como não vamos estar insatisfeitos se sofremos os mesmos problemas que o povo? Meu pai e meu cunhado estão com câncer e não têm acesso a remédios”, desabafou Basante, referindo-se à cesta básica fornecida pelos chamados Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap).
O major disse que hoje Maduro não confia nas Fanb porque seus principais aliados já se tornaram generais e por isso se apoia em quatro “tropas de choque”: a Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM), as Forças de Ações Especiais (Faes), o Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) e os chamados coletivos (espécie de força parapolicial).
Basante afirmou que agentes da DGCIM e do Sebin atuam em território brasileiro e que por isso ele e sua família foram retirados de Boa Vista e trazidos para Brasília, sob proteção da Operação Acolhida, comandada pelas Forças Armadas brasileiras em parceria com a Agência da ONU para Refugiados.
Segundo o major, há pouco mais de um mês três agentes do Sebin foram presos pela Polícia Federal em Roraima com armas e granadas e levados para a prisão de Monte Cristo onde, segundo Basante, um deles foi assassinado por outros venezuelanos. “Eu poderia ter sido outro Acosta se não tivesse saído da Venezuela”, disse o venezuelano.
Basante contou que, na Venezuela, depois de se negar a pagar propina em ouro a generais do Exército para permanecer à frente da base Escamoto, foi acusado de contrabandear combustível.
Se permanecesse em seu país, ele acredita que essa acusação poderia ser usada para prendê-lo, torturá-lo e até mesmo assassiná-lo. De acordo com o major, “os generais da Fanb são parte dos esquemas de corrupção do governo. O ambiente de insatisfação começa a partir dos tenentes-coronéis e por isso o governo usa suas tropas de choque para nos amedrontar”.
“É muito difícil que possamos organizar alguma coisa quando tudo o que fazemos é milimetricamente monitorado, com a ajuda de russos e cubanos”, disse Basante, que caminhou seis quilômetros para chegar ao Brasil, deixando outros dois filhos e muitos parentes.
Salário de R$ 40
Em 23 de fevereiro deste ano, o major, ainda na região de Santa Elena, cidade próxima à brasileira Pacaraima, estava decidido a permitir que os caminhões de ajuda levados pela oposição entrassem na Venezuela e por isso ficou praticamente preso dentro do quartel que comandava.
Basante diz ter excelente relação com os indígenas pemones que, naquele dia, foram reprimidos pela Guarda Nacional, com um saldo de três mortos. Foi justamente uma indígena que ajudou o major e sua mulher a escaparem.
A filha mais nova do casal tinha apenas um mês e foi coberta com uma sacola de plástico para protegê-la da chuva. Basante diz ainda não acreditar em tudo o que viveu nas últimas semanas.
“Nos ensinaram que o militar deve morrer calado pelo código de disciplina, mas eu não me calo mais”, apontou o homem que teve 150 soldados sob o seu comando e com os quais conversou sobre como sair de um regime que, acusou, “está matando o povo de fome enquanto tira ouro do país”. Falamos, claro que falamos. Mas o medo é muito grande.
Por enquanto, seu único documento brasileiro é um protocolo de refugiado e com ele conseguiu abrir uma conta bancária. Amigos e conhecidos reuniram fundos para ajudar a família.
O major comprou uma caminhonete usada e está pensando em vender comida. Na Venezuela da hiperinflação, seu salário era o equivalente a R$ 40. Enquanto isso, segundo Basante, o governo Maduro e seus sócios, entre eles o colombiano Exército de Libertação Nacional (ELN), “estão retirando toneladas de ouro da Venezuela”.
“Para driblar as sanções econômicas aplicadas pelos Estados Unidos, o governo e seus parceiros compram ouro com os dólares que conseguem tirar das contas que ainda não foram bloqueadas”.
Uma das células do ELN está operando, disse, na região de Tumeremo, a cerca de 300 quilômetros do Brasil. Lá os guerrilheiros colombianos controlam minas de ouro, numa “concessão”, apontou Basante, negociada com o governo. O major escapou, mas sabe bem o que teria acontecido com ele se tivesse ficado em seu país:
“Eles amarram seus braços, tornozelos, te colocam no chão de barriga para baixo e cobrem sua cabeça com uma sacola de plástico. Depois começam os golpes, sobretudo na região do estômago e tórax. O objetivo é te deixar sem ar. Os que não falam, como deve ter sido o caso de Acosta e teria sido o meu, morrem”.
De mais alta patente
Estima-se que 150 militares venezuelanos já fugiram para o Brasil. Cerca de 900 estariam em território colombiano. Aqui, Basante é o de mais alta patente e já começou a trabalhar com a embaixadora de Guaidó no país, professora María Teresa Belandria.
O major será o primeiro adido do opositor e também o primeiro militar venezuelano que fugiu e ocupará essa posição. Nos EUA, o “governo encarregado” de Guaidó tem dois adidos, mas ambos já estavam no país.
Com informações do Jornal O Globo
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