DO DESVIO DE FINALIDADE
A merenda escolar gratuita possui finalidade específica e estrita, que é alimentar alunos da rede pública de ensino durante o período letivo. Qualquer outro destino, caracteriza desvio de finalidade, sujeitando aquele que autoriza às sanções da Lei de Improbidade Administrativa.
Se o Poder Executivo ou Legislativo Municipais destinar itens da merenda escolar para ações fora do sistema de ensino, o ato do agente público,que autoriza ou determina, caracteriza desvio de finalidade, que é um tipo de ilícito administrativo, além de violar diversas normas que regem a administração pública.
A merenda escolar obedece à rigoroso controle legal, por essa razão o agente público que exige, autoriza ou determina a distribuição de merenda escolar para outra finalidade, pratica o ilícito civil de ‘desvio de finalidade’.
SOBRE O PROJETO DE LEI Nº 971/2020
O Poder Legislativo Municipal aprovou o Projeto de Lei nº. 971/20, que autoriza o Poder Executivo Municipal a destinar produtos da merenda escolar às famílias de estudantes carentes cadastradas no Programa Cadastro Único do Ministério da Cidadania.
A matéria aprovada foi vetada totalmente em razão de vários vícios constatados. A intenção, embora louvável e aplaudida, apresenta vícios e não dispõe elementos jurídicos que subsidie uma legislação municipal.
O primeiro vício constatado no projeto está na iniciativa legislativa para tais matérias. Quando o tema da matéria versar sobre verbas federais, cabe à União e ao Congresso Nacional a iniciativa pela elaboração das leis.
A merenda escolar é adquirida com recursos federais, e disciplinada pela Lei Federal nº. 11.947/2009. Assim, a competência para legislar sobre a matéria não cabe ao Poder Legislativo Municipal.
O veto total também foi oposto em razão de outro vício constatado no projeto, que é a ausência de dados estatísticos em sua fundamentação. A justificativa do projeto não explicitou dados importantes como a quantidade de alunos ou famílias a serem beneficiadas. Esses dados, de suma importância, impactam em menor ou maior intensidade o erário público, porque o repasse da merenda escolar é calculado estritamente à razão de cada aluno matriculado, e não por aluno e sua família.
O projeto também possui evidente omissão quanto à pessoa cuja inscrição no CAD-ÚNICO se exige, se o aluno ou algum familiar, e o grau de parentesco, ou como fazer a prova do cadastro. O projeto se limita a prevê no Art. 1º. Fica autorizado o Poder Executivo Municipal a destinar (...) para as famílias de estudantes devidamente cadastradas (...)”, havendo omissão.
Outro vício constatado na matéria é a ausência de amplos critérios para a concessão do benefício. A exigência exclusiva de cadastro no Cad-Único é insuficiente e gera tratamento com desigualdade. A municipalidade possui escolas na zona urbana e rural, e alunos com faixa etárias distintas,cujas famílias pertencem à diversas camadas sociais e capacidade econômica distintas, nem todas cadastradas em programas do Governo Federal.
Quanto ao aspecto da legalidade, a merenda escolar é aquirida pela Secretaria Municipal de Educação, proveniente de verba federal, razão pela qual não pode haver desvio de finalidade, redirecionando-a para ações de assistência social, mesmo em situação de emergência ou calamidade pública.
Ainda quanto à legalidade, cumpre destacar que não há legislação federal autorizando o uso da merenda escolar para outra finalidade.
LEGISLAÇÃO FEDERAL SOBRE O TEMA
Sobre o mesmo tema, já tramita no Congresso Nacional, em caráter de urgência, o Projeto de Lei nº. 786/2020, que prevê a distribuição de alimentos da merenda escolar às famílias de estudantes da rede pública, que tiveram as aulas suspensas por causa do Coronavírus.
Caso o Projeto de Lei nº. 786/2020 seja sancionado pela Presidência da República, autorizando a distribuição da merenda escolar, em caráter emergencial, o Município de Tarauacá dará cumprimento à legislação sancionada.
DAS NORMAS QUE REGEM A MERENDA ESCOLAR
A aquisição de merenda escolar constitui objeto que envolve verba pública federal repassada ao Município pelo Ministério da Educação, com valores financeiros de caráter suplementar oriundos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) proíbe a destinação diversa da merenda escolar, e por isso exige prestação de contas do total dos recursos recebidos, sob pena de responsabilidade penal, civil e administrativa.
A utilização dos recursos da merenda escolar em desacordo com os critérios estabelecidos na Lei Federal nº. 11.947/2009, enseja inclusive suspensão dos repasses federais (Art. 26, §2º, III).
Destinar merenda escolar para outro fim, que não seja a alimentação de alunos, caracteriza grave irregularidade, configura mal uso das verbas federais repassadas pela União, e viola, notadamente, os deveres de legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade e da probidade administrativa.
DOS ALUNOS ATENDIDOS COM MERENDA ESCOLAR
Segundo o Censo Escolar (http://portal.inep.gov.br/censo-escolar), em 2018 existiam em Tarauacá 7.281 mil alunos matriculados na educação básica, conforme dados oficiais divulgados pelo Deed/Inep/MEC em https://inepdata.inep.gov.br/
Em 2019, os dados oficiais apontam aproximadamente 7.314 mil alunos matriculados no Município, sendo 3.745 na zona urbana, e 3.569 na zona rural – conforme dados do Deed/Inep/MEC em http://portal.inep.gov.br/microdados
Para ter uma noção do impacto da merenda escolar dentro do sistema de ensino, só o número de crianças matriculadas no ensino fundamental foram 4.730 mil nos anos iniciais, e 115 nos anos finais, sendo 792 crianças no 1º ano, 1.151 no 2º ano, 1.042 no 3º ano, 871 no 4º ano, e 874 no 5º ano. Quanto à localização geográfica, 2.320 alunos na zona urbana e 2.410 na zona rural.
DAS CRIANÇAS BENEFICIADAS COM MERENDA GRATUITA
Já dentro do sistema de ensino infantil de Tarauacá, por exemplo, a merenda escolar foi ofertada em 2019 para aproximadamente 1.783 mil crianças matriculadas, somando 1.574 mil da pré-escola e 209 da creche, conforme dados oficiais.
Na creche, as crianças estudam em período frequentemente integral e, na grande maioria, dependem da merenda escolar no dia a dia.
Mas os números não param por aí. As estatísticas das matrículas na educação básica revelam também, por faixa etária, que o Município atendeu 196 crianças de até 3 anos de idade, 1.504 entre 4 e 5 anos de idade, e 5.090 entre 6 e 10 anos de idade, para citar alguns números de crianças atendidas com merenda escolar diária, fornecida pelo Município.
ENSINO FUNDAMENTAL
Quanto aos alunos matriculados em 2019 no Ensino Fundamental, o número de matrículas nos Anos Finais são de 30 alunos no 6º ano, 24 no 7º ano, 29 no 8º ano, 32 no 9º ano, conforme dados oficiais (http://portal.inep.gov.br/microdados).
Note-se que, à vista dos dados, a merenda escolar é destinada predominantemente às crianças matriculadas na rede pública de ensino do Município. Faixa etária maior em números, frequentemente mais carente e juridicamente resguardada pelo Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº. 8.069/90).
Para manter a merenda escolar de todo esse sistema de ensino, especialmente às crianças até 12 anos de idade, o Poder Executivo Municipal tem realizado contínuos esforços.
DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO ESCOLAR
O Art. 3º, da Lei Federal nº. 11.947/2009, que regulamenta a alimentação escolar, dispõe que “a alimentação escolar é direito dos alunos da educação básica pública e dever
do Estado (...)”.
A merenda escolar é uma ferramento do Poder Público que contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem e o rendimento escolar. É direito específico e estrito aos alunos da educação básica.
Por essa razão, destinação diversa da merenda escolar caracteriza desvio de finalidade e ato que viola os princípios que regem a administração pública.
Nos termos do Art. 4º, da Lei nº. 8.069/90, é dever do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação de crianças e adolescentes, dentre outros direitos.
O Art.. 54, inciso VII, do ECA, prevê que é “dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar (...), alimentação(...)”, dentre outros direitos.
O direito à educação (Art. 53, I, ECA), inclui a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, e para inibir a evasão escolar, a alimentação gratuita fornecida pelo Município constitui importante instrumento. Por isso, a merenda escolar deve ser mantida pelo Município com a finalidade específica e estrita de atender os alunos matriculados.
CONCLUSÃO
Portanto, a distribuição de itens da merenda escolar fora do sistema de ensino, no momento, configura desvio de finalidade e prática desautorizada pela legislação brasileira,sujeitando o agente público à Lei de Improbidade Administrativa, porque enseja descumprimento de obrigações típicas da legislação federal e viola diversos princípios que regem a administração pública.
Com essas razões, a Prefeitura de Tarauacá vetou totalmente o referido projeto de lei, e aguardará a aprovação e sanção presidencial do Projeto de Lei Federal nº. 786/2020, que será votado no Senado Federal nos próximos dias.
Prefeitura de Tarauacá – Acre, 28 de março de 2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Atenção:
Comentários ofensivos a mim ou qualquer outra pessoa não serão aceitos.