Imagem: AFP
Marcelo Barros - Os Estados Unidos anunciaram ter realizado um exercício militar de 32 horas com quatro bombardeiros supersônicos B-1B sobre o mar do Sul da China, área que Pequim considera sua.
A pressão americana ocorre em meio à renovada tensão entre as duas maiores economias do mundo, em guerra comercial e tecnológica desde 2017.
Nesta semana, os países se digladiaram na OMS (Organização Mundial da Saúde). Washington acusa Pequim de ter tomado medidas mais duras tardiamente, deixando de evitar, assim, o espraiamento do surto do coronavírus de seu território para o resto do mundo, o que os chineses negam.
O uso dos B1-B, ocorrido nos dias 29 de abril e 1˚ de maio, é simbólico. Os aviões, assim como outros bombardeiros, como os B-52, haviam sido retirados da base americana em Guam (Pacífico), naquilo que foi visto como um estranho recuo tático por analistas.
Os aparelhos, agora de volta à ilha com 200 aviadores, são a ponta de lança de qualquer ataque aéreo americano na região e têm capacidade de empregar armas nucleares.
A operação foi um recado “demonstrando a credibilidade da Força Aérea americana para lidar com um ambiente de segurança diversificado e incerto”, escreveu no Twitter o Comando Pacífico da Força Aérea.
Desde que a Covid-19 se tornou uma pandemia, há um jogo entre EUA e seus rivais para demonstrar prontidão militar. Para os americanos, a questão é mais sensível porque seus dois porta-aviões baseados no Pacífico foram atingidos por surtos da doença.
Russos, chineses, norte-coreanos e até os combalidos iranianos exercitaram sua musculatura militar com testes de armas e inúmeras simulações de combate após o vírus ganhar o planeta.
Os EUA fizeram o mesmo, apesar dos seus problemas pontuais, lembrando os adversários sobre sua capacidade como maior potência bélica global, responsável por 39% do orçamento militar do mundo em 2019.
O mar do Sul da China é o ponto em que muitos observadores veem o maior risco de uma confrontação acidental entre Pequim e Washington.
Os chineses militarizaram, nos últimos anos, ilhotas e atóis na região, que dizem ser sua para garantir a segurança de suas rotas marítimas —90% do comércio mundial é feito por mar.
EUA e vizinhos dos chineses como as Filipinas dizem que as rotas têm de ser livres. Neste ano, segundo dados do Pentágono citados pelo jornal honconguês South China Morning Post, os EUA quase triplicaram o número de missões aéreas na região em relação ao mesmo período de 2019, com 40 delas até aqui.
No mar, já fizeram quatro exercícios navais, ante oito do ano passado todo.
O analista militar Song Zhongping, um ex-oficial do Exército chinês que hoje escreve comentários sobre defesa em jornais de Hong Kong, sustenta que Pequim não entende a reivindicação americana como mero exercício de liberdade econômica, mas sim como ameaça.
Os voos ocorrem no momento em que a China está na primeira semana de um de seus maiores exercícios navais em anos, com o uso de seus dois porta-aviões no mar Amarelo.
Houve o que Zhongping chamou de provocação desnecessária: nesta terça (19), um destróier americano foi avistado a 215 km da costa de Xangai, perto da região da simulação chinesa.
O USS Rafael Peralta se soma a outros dois navios de guerra que recentemente cruzaram o estreito de Taiwan sob a bandeira de livre trânsito. Para Pequim, é apenas um sinal de apoio à ilha que a ditadura comunista considera parte de seu território.
Nesta quarta (20), o governo chinês protestou pelo fato de o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ter enviado congratulações à presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, que começou seu segundo mandato no cargo.
O governo Donald Trump tem dado atenção especial a Taiwan, alvo de protestos de nacionalistas chineses em favor de uma anexação à força, hoje altamente improvável pelo alto custo e pelo risco de trazer os EUA para uma guerra que ninguém quer agora.
Os EUA também têm mantido o apoio aos manifestantes pró-democracia no território chinês autônomo de Hong Kong, que vive protestos desde meados do ano passado —a pandemia tratou de reduzir a escala deles, mas a repressão ainda segue.
Muito vai pelo flanco econômico, dentro da disputa tecnológica com a China, como a Folha mostrou.
A maior fabricante de chips do mundo, a taiwanesa TSMC, aceitou a pressão americana e irá abrir uma unidade nos EUA para evitar que Washington dependa de fornecedores fora de seu território para tecnologias sensíveis.
Ainda mais importante, o governo Trump passou a exigir, na sexta (15), que fabricantes de chips estrangeiros que usem tecnologias americanas tenham uma licença especial para exportar produtos para a chinesa Huawei, líder mundial no mercado de 5G —a chamada internet das coisas, que vão de carros autônomos a drones militares.
Na prática, os americanos obrigam gigantes como a TSMC a escolher se vão trabalhar com os EUA ou com a China, e tudo indica que Taiwan já fez sua escolha por Washington.
Com isso, a China terá de correr atrás nesse quesito. Na mesma sexta, a principal fabricante de chips do país, a Semiconductor Manufacturing International Corp., anunciou que o governo chinês lhe concedeu financiamento de US$ 2,25 bilhões (R$ 12,8 bilhões nesta quarta).
No mercado, contudo, a estimativa é de que levará anos para que sua produção chegue ao nível da TSMC ou da sul-coreana Samsung, as duas fabricantes que, com a americana Intel, fazem os chips mais avançados do mundo.
Como se vê, sob as densas nuvens da pandemia e os relâmpagos de acusações mútuas, a Guerra Fria 2.0 entre americanos e chineses continua em termos bem mais tangíveis.
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