As enfermeiras do Exército Brasileiro na frente de combate
Daniel Mata Roque², Margarida Bernardes³, Sonia Kaminitz4
O Corpo de Enfermeiras da FEB designado para servir num hospital americano atendendo aos doentes e feridos. 16º Hospital de Evacuação, Pistóia-Itália. 10/03/45.
Da esquerda para a direita: Maria José Aguiar, Wanda Sofia Magewsky, Helena Ramos, Ondina Miranda de Souza, Elita Marinho, Sylvia Pereira Marques, Jurgleide Dóris de Castro, Silva de Souza Barros, Maria do Carmo Correia e Castro, Heloísa Cecília Villar, Maria Luiza Vilela Henry, Maria Belém Landi, Novembrina Augusta Cavallero.
A foto acima é acervo do Museu Casa de Memória dos Ex-Combatentes, mantido pela Associação dos Ex-Combatentes de Brasília.
Sem declaração de guerra, o mundo foi atacado. A pandemia da COVID-19, causada pelo novo tipo de coronavírus SARS-CoV-2, identificado na China em dezembro de 2019, desafia a saúde pública mundial com sua fisiopatologia ainda desconhecida pela comunidade científica, levando ao desenvolvimento de casos de síndromes respiratórias graves, pneumonias, doenças entéricas, hepáticas e neurológicas, dentre outras manifestações com letalidade específica relativamente baixa e alta transmissibilidade.
Com seus graves desdobramentos sanitários, econômicos e sociais, tem sido combatida com os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e comparada a uma guerra. Carl von Clausewitz, general prussiano e teórico de estratégia, sentenciou a guerra como “um ato de violência pelo qual pretendemos levar o adversário a render-se à nossa vontade”. O pesquisador militar Marcio Tadeu Bettega Bergo, destacando que “cada conceito varia segundo quem o formula”, aponta que “não existe uma definição de guerra, porém inúmeras” e resume a História Militar como o segmento da historiografia “voltado aos temas bélicos”, reforçando que “os conflitos também podem ser abordados em seus aspectos humanos, sociais, econômicos, tecnológicos”. É certamente nestes aspectos que estamos imbricados, que estamos em guerra. O estado de calamidade pública foi decretado em território brasileiro em 20 de março de 2020, gerando medidas de isolamento social e quarentenas pelo país, que dois meses depois já contava com mais de vinte mil mortos pelo vírus.
O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas classificou a pandemia como o “maior desafio que o mundo já enfrentou desde a Segunda Guerra Mundial”. O Ministro da Defesa brasileiro, General Fernando Azevedo e Silva, declarou categoricamente que “isso que está acontecendo é uma guerra, com um inimigo invisível e feroz” e que “quando tem uma guerra, o brasileiro pode contar com as Forças Armadas. O cuidado de guerra é integrante indissociável de qualquer narrativa bélica e extrapola mesmo os limites e a temporalidade do próprio conflito, onde combate amparado apenas pela cruz vermelha bordada em sua farda e luta, em aparente contrassenso, para salvar vidas amigas e inimigas.
No último conflito bélico do qual o Brasil participou, a Segunda Guerra Mundial, o Serviço de Saúde teve papel de destaque no seio militar. Diversas unidades foram criadas especificamente para apoiar o combate da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, como o 1º Batalhão de Saúde.
O Serviço de Saúde da FEB reuniu cerca 1.369 componentes, das mais diversas especialidades e patentes, e foi comandando pelo Coronel-Médico Emmanuel Marques Porto. A guerra trouxe um marco histórico relevante e uma transformação irreversível, partindo da área da saúde, pois foi a primeira vez que mulheres ingressaram nas Forças Armadas brasileiras, voluntariando-se como enfermeiras tanto no Exército (foram 67) quanto na Força Aérea (foram 06). As enfermeiras receberam treinamento prático e militar, incorporando-se às equipes de saúde que serviram nos hospitais de campanha norte-americanos durante a guerra.
Nas palavras da Major Elza Cansanção Medeiros, uma dessas pioneiras, “foi assim que a mulher brasileira, que sempre foi alicerce desta Pátria livre e forte, não podia nesse momento cruciante se furtar ao chamamento pátrio. Revoltadas com as agressões sofridas, procuraram uma forma de tomar parte no revide ao agressor.
Na guerra do presente, os profissionais da saúde vêm se consagrando como na guerra do passado, adquirindo conhecimento e unindo o binômio ciência e educação em prol da promoção da saúde. A COVID-19, como é característico em tempos de epidemias e guerras, levou a uma mudança de atitudes.
A pandemia vem ensinando à enfermagem militar, com centenas de homens e mulheres em combate nos leitos de UTI em todas as regiões brasileiras, as modernizações sobre a estrutura viral, sua fisiopatologia, mecanismos de transmissibilidade, medidas de prevenção, de proteção e de controle, o aprendizado rápido na intubação de pacientes, a forma de cuidar e a esperança de recuperar doentes.
A enfermagem e as demais equipes de saúde vêm sendo desafiadas a flexibilizar, se adaptar às mudanças e trabalhar em estreita colaboração para unir esforços e vencer este momento de crise global, até então inimaginável para os profissionais deste século. Na rede social, o Contra-Almirante Manoel de Almeida Moreira Filho e outros militares que foram curados agradecem aos profissionais pelo desempenho na pandemia.
Tenente-Enfermeira Virgínia Portocarrero na Itália durante a Segunda Guerra Mundial.
Fonte: Fundo Virgínia Portocarrero – Casa de Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
O paralelo se faz entre a enfermagem da Segunda Guerra Mundial e a atual. Cenas de 75 anos atrás se repetem no cotidiano da enfermagem de 2020. Encontramos no passado os mesmos medos, tristezas, coragem e determinação, além do papel humanizado no cuidado junto aos feridos, relatado em livros históricos e na documentação do acervo doado pela Capitão Virgínia Maria de Niemeyer Portocarrero, que explora a participação de mulheres enfermeiras militares brasileiras na guerra e se encontra no Departamento de Arquivo e Documentação, Fundo Virgínia Portocarrero, na Casa de Oswaldo Cruz. A Capitão Virgínia, aos 102 anos, é hoje a última enfermeira da FEB ainda viva.
As fontes históricas deste acervo doado trazem a determinação e a persistência dessa enfermeira em registrar e preservar seus documentos que, na prática, se reconhece como rara fonte histórica, por meio da qual se pode reconstruir o discurso pela ótica do gênero e da profissão. No momento, construções teóricas também estão sendo produzidas16, se tornando fonte histórica de consulta e material de comparação e aproximação entre a enfermagem de 1940 e a de 2020.
Fato é que a lição fundamental das crises após guerras, revoluções e pandemias é o aceleramento de desafios em prol da potencialização do conhecimento.
No Hospital Central do Exército, no Rio de Janeiro, a Coronel Simone Moura (Chefe de Enfermagem), o General Oiticica (Diretor do HCE) e equipe do CTI enfrentando a COVID-19.
Fonte: Acervo pessoal da Coronel Simone Moura.
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