Anda circulando pela rede um e-mail com o título acima, eu já recebi mais de dez, você também já deve ter recebido. Nele o editor original relata que quando de uma visita que fez a uma oficina de ar condicionado de carros o técnico desta oficina veio com uma conversa de que não se deve ligar o ar condicionado do carro quando em alta velocidade. Depois de uma série de explicações que até parecem verdadeiras ele arremata dizendo que, na estrada, é recomendável colocar o pé na embreagem ou o carro em ponto morto antes de ligar o ar condicionado.
Ultimamente não têm faltado e-mails espalhando crenças infundadas principalmente em assuntos de saúde, são as chamadas lendas urbanas. Pois aqui estamos diante de mais uma, só que como o assunto é da área automobilística vou tentar esclarecer os meus leitores para que, pelo menos eles, não fiquem presos a um novo hábito inútil.
Vejam bem: um sistema de refrigeração, não importa se automotivo, doméstico ou industrial, se baseia no princípio de que um fluído para evaporar precisa retirar calor do que estiver por perto. Se você colocar um pouco de éter ou de álcool na pele vai sentir uma imediata sensação de frio no local. Isto é porque estes fluídos são muito voláteis e ao evaporar retiram calor do que estiver por perto que no caso é a sua pele. Retirando calor você sente frio. A água que ferve numa chaleira está também evaporando, mas neste caso você não sentirá frio. Note porém que sob a chaleira há uma chama bem acesa. Se tirarmos esta chama a água parará de ferver imediatamente porque esta chama é a fonte de calor que ela precisa para evaporar. Então, um fluído para evaporar precisa de calor, este é o princípio.
Um fluído evaporado perde-se no ar e não podemos nos dar ao luxo de manter um sistema de refrigeração perdendo quantidades infinitas de fluídos porque os fluídos custam caro e poluiriam o ambiente, então temos que arranjar uma maneira de fazer com que o mesmo fluído possa evaporar diversas vezes, um número infinito de vezes. Então criou-se um ciclo onde o fluído evapora em ambiente fechado de forma que ele não se perca no ar e imediatamente se providencia um meio de fazê-lo retornar ao estado líquido para que possa evaporar novamente e assim sucessivamente.
Um fluído retorna à forma líquida mais facilmente se ele estiver submetido a altas pressões e for resfriado e evapora mais facilmente se estiver livre de pressões e puder retirar calor de algum lugar. Então qualquer máquina de refrigeração completa consta de: um compressor para comprimir o fluido em estado vapor e prepara-lo para condensar (tornar-se líquido); um trocador de calor onde este fluído comprimido será resfriado e condensado, este trocador de calor em refrigeração tem um nome e chama-se de condensador; um dispositivo aliviador de pressão onde este fluído condensado ainda submetido a altas pressões será aliviado das mesmas e, finalmente, outro trocador de calor onde o fluído voltará a evaporar que em refrigeração recebe o nome de evaporador. Não menos importante é a escolha do fluído correto. Não é qualquer fluído que consegue condensar e evaporar nas temperaturas e pressões necessárias ao bom funcionamento de um aparelho de ar condicionado ou de um refrigerador, mas isso é problema dos fabricantes destes aparelhos que já foi muito bem resolvido.
Só para situa-lo: no refrigerador de sua casa o compressor é aquele pequeno motor que fica atrás em baixo, geralmente preto e bastante discreto. O condensador é aquela serpentina que fica atrás do refrigerador constituída por um pequeno tubo que dá voltas e possui aletas formando um tipo de grade. Note que este condensador aquece quando o refrigerador está ligado. É o fluído sendo condensado e liberando seu calor ao ambiente. O aliviador de pressão é quase invisível pois consta apenas de um estreitamento do conduto através da passagem do fluído por um tubo capilar. O evaporador fica no congelador do aparelho. Aquelas pequenas saliências que nunca devem ser perfuradas nem raspadas são os condutos por onde passa o fluído em evaporação retirando o calor. De onde? Do interior do refrigerador.
No carro é tudo muito semelhante. Há um compressor especialmente desenvolvido para fins automotivos que precisa trabalhar a rotações extremamente variáveis com perfeita eficiência, note que o ar condicionado do carro funciona bem na marcha lenta e na estrada a altas velocidades. Este compressor é acionado pelo motor do carro através de correia e usa uma embreagem eletromagnética para ser ligado e desligado. Há um condensador que fica próximo ao radiador, em geral na frente deste e é muito parecido com ele. Há um dispositivo aliviador de pressão e há um evaporador, este dentro do carro que também se parece com um radiador e fica escondido no painel de instrumentos. Num sistema de ar condicionado, diferentemente de um refrigerador, há um ventilador que força a passagem do ar através do evaporador e faz sua melhor distribuição no ambiente a ser refrigerado.
Descrito o sistema vamos ao que interessa: pode ou não pode ligar o ar condicionado do carro em alta velocidade? Resposta definitiva: Pode. O que não pode ou pelo menos não deve por razões de segurança é botar o pé na embreagem ou o câmbio em ponto morto a alta velocidade e distrair-se com tarefa tão simples como ligar um ar condicionado. Aliás, se o câmbio for automático isto de colocar em ponto morto (N no caso) é até considerado prejudicial pela maioria dos fabricantes.
O que acontece de ruim quando se liga o ar condicionado em alta velocidade? Nada porque o sistema quando desligado fica naturalmente despressurizado, ele não mantem a pressão interna quando desligado então quando você liga não há forças contrarias impedindo o funcionamento do compressor. O que pode realmente prejudicar é ligar o aparelho logo após tê-lo desligado, antes que as pressões internas tenham desaparecido. Isto é realmente desaconselhável, apesar de ser levado em consideração quando do projeto e os aparelhos terem suas proteções próprias para estas eventualidades afinal os projetistas não confiam muito, nem poderiam, na habilidade e no bom senso dos futuros usuários.
Os refrigeradores são mais suscetíveis a este tipo de problema afinal não é comum serem desligados e religados. Eis a razão pela qual muitas vezes “queimam” quando há uma brusca queda na energia, os motores dos compressores não conseguem vencer a pressão do sistema que ainda não tinha caído.
Portanto caro leitor usufrua do conforto de seu carro com ar condicionado sem se preocupar com este tipo de lenda urbana, mas se quiser um conselho viaje sempre com o ar ligado e os vidros fechados, a menos que esteja mesmo muito frio porque vidro aberto gasta mais combustível do que ar ligado. Se seu carro não tiver um modelo de ar automático, daqueles em que se regula a temperatura desejada e o aparelho se encarrega de mantê-la, tempere você mesmo usando eventualmente um pouco do ar quente misturado ao ar frio.
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