Shopee, Shein e AliExpress têm investido em estrutura logística no Brasil
Por Sérgio Tauhata - Até alguns anos atrás, comprar da China por meio das plataformas de comércio eletrônico era contraindicado aos ansiosos. Exigia paciência e alguma dose de sorte. A espera para receber o produto durava de dois a quatro meses e ainda havia o risco de o pedido ficar preso na alfândega ou até ser barrado e devolvido ao país de origem.
Nos últimos dois anos, porém, a vida do consumidor de importados online mudou muito. Se você acha que suas compras na Shein, na Shopee, na Aliexpress ou na Temu têm chegado bem mais rápido, não é só impressão. O prazo médio de entrega caiu mesmo. Algumas compras já alcançam as mãos do comprador de um dia para o outro. E aquelas que demoram mais são enviadas em até três semanas.
E não são apenas as asiáticas: algumas grandes empresas brasileiras, como a Magalu, estão tirando proveito dessa onda chinesa por meio de parcerias.
Mas o que aconteceu para ter ocorrido uma transformação tão radical na experiência de compra dessas plataformas? Houve uma verdadeira revolução logística.
As plataformas dobraram os embarques tanto marítimos quanto aéreos para o país nos últimos dois anos. E a previsão é que a quantidade de voos com mercadorias triplique novamente até 2026. Além disso, com uma maior frequência, o custo do frete diminuiu.
Hoje decola da China praticamente um avião por dia útil com mercadorias para o Brasil. Em média, já são quatro voos semanais, que trazem cerca de 400 toneladas de produtos, afirma Marcio Chaer, diretor de logística da Magalu e da empresa de logística do grupo, a Magalog. “O cross-border [comércio transfronteiriço] é uma realidade cada vez maior.”
Os sites asiáticos também estão colocando os dois pés no mercado nacional. Algumas plataformas como a chinesa Shein e a Shopee, de Cingapura, inauguraram operações locais. Os empresas têm implementado estruturas logísticas próprias com redes de galpões e serviços de entrega no Brasil.
“A logística deixou de ser uma commodity para se tornar um diferencial competitivo”, afirma Cesar Borges, diretor dessa área na Shein para a América do Sul. Baseada nessa percepção, a varejista chinesa estabeleceu como prioridade no Brasil construir uma infraestrutura capaz de absorver qualquer crescimento de atividade nas compras locais.
Shein no aeroporto de Guarulhos
Área da Shein de desembaraço aduaneiro no aeroporto de Guarulhos. Foto Divulgação Shein
Os sites têm pressa nessa expansão. A Shein e a Shopee foram as empresas de comércio eletrônico que mais aumentaram as locações de espaços logísticos no Brasil nos últimos dois anos, de acordo com a consultoria imobiliária Binswanger. A área ocupada pelas plataformas já soma 13% de todos os galpões do e-commerce no país.
Essa participação já começa a ficar parecida com as exibidas por gigantes do varejo online brasileiro. Americanas e Casas Bahia, por exemplo, respondem juntas por 20% das áreas de armazenamento de produtos no mercado nacional.
Como entregar mais rápido? Ter estoques no Brasil
O brasileiro Taynan Aoyama tem acompanhado essa transformação de perto. O especialista em comércio exterior mudou-se para a China há pouco mais de um ano para trabalhar na expansão do modelo de operação cross-border. Trata-se, justamente, do desenvolvimento da infraestrutura necessária para agilizar o envio de mercadorias da China para outros países.
Aoyama passou pela AliExpress e atualmente integra o grupo de logística transfronteiriça da MailAmericas. “Hoje o envio de boa parte dos produtos chineses não é mais direto.” Dentro da estratégia do cross-border, os itens de alta demanda, como eletroeletrônicos e roupas passam a ser estocados no Brasil.
Não por acaso, a Shopee aumentou em 25,3% o espaço locado de galpões para armazenar mercadorias a até 30 quilômetros da cidade de São Paulo só neste ano. A Shein, por sua vez, conta com três galpões que somam 256 mil m2 no Estado de São Paulo, incluindo área no aeroporto de Guarulhos para desembaraço aduaneiro. Essa expansão faz parte da estratégia conhecida como “last mile”.
Manter estoques próximos aos grandes centros consumidores possibilita fazer entregas em prazos bem mais curtos. A Shein tem até usado inteligência artificial e análise de dados para prever aumento de procura por determinados produtos e elevar ou reduzir os estoques. “As entregas têm ficado cada vez mais rápidas com essas ferramentas”, afirma Borges, diretor da varejista chinesa.
Se não pode com eles…
A parceria mais recente entre grupos chineses e brasileiros veio à tona no início de novembro. A Magazine Luiza (Magalu) e a AliExpress, do grupo Alibaba, fecharam um acordo comercial. Vai ser uma via de mão dupla: produtos da China passaram a ser oferecidos na plataforma brasileira e itens daqui são comercializados no aplicativo chinês voltado ao mercado local.
A parceria pode evoluir. A Magalu mantém conversas com a AliExpress para fornecer também serviços de armazenamento e entregas. “Esse é nosso próximo objetivo depois de consolidar a operação de cross-border”, afirma Chaer.
As colaborações com fabricantes brasileiras têm sido outra estratégia adotada pelas plataformas tanto para o crescimento das vendas quanto na melhora da experiência de compra por parte dos consumidores. Shopee e Shein são os principais exemplos. As varejistas online tornaram-se marketplaces mistos, ou seja, vitrines virtuais que oferecem tanto produtos asiáticos quanto de fornecedores locais.
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A Shein, especializada em roupas, inaugurou sua operação brasileira em abril de 2023. De lá para cá, cadastrou 25 mil vendedores brasileiros na plataforma, que respondem por 55% dos negócios locais. A varejista online declarou ter como meta alcançar uma participação de 85% das vendas originadas de empresas nacionais até 2026.
A Shopee já percorreu essa mesma estrada. O aplicativo de Singapura, com operação no país desde 2020, já conta com mais de 3 milhões de vendedores brasileiros cadastrados, entre micro, pequenas, médias e grandes empresas. E mais de 85% das vendas no marketplace já vêm de lojas locais.
A caçula das chinesas, a Temu, estreou seu aplicativo voltado ao Brasil em junho deste ano. Em poucos meses, já alcança 25 milhões de usuários e começa a incomodar marketplaces tradicionais. Por enquanto, não tem representação no país, mas, diante do avanço acelerado, a tendência será seguir o caminho das rivais mais experientes.
Participação de mercado crescente
A estratégia tem compensado. Além de uma blindagem em relação a eventuais cenários de maior restrição às importações, as vendas das varejistas asiáticas crescem em ritmo acelerado.
O faturamento da Shein no Brasil mais que dobrou em 2023 na comparação com um ano antes para R$ 15 bilhões, no cálculos dos analistas do BTG Pactual. Já a Shopee registrou receitas de R$ 20 bilhões no mesmo período nas vendas locais.
As asiáticas já respondem por uma participação de 15,4% no mercado no varejo online brasileiro. A Shopee ocupa o topo da lista das plataformas orientais, com 9,2%, conforme o levantamento da consultoria Conversion. Em segundo aparece AliExpress com 3,3% e, em seguida, a Shein que tem uma fatia de 2,9% do total.
Entre os 10 maiores sites de comércio eletrônico, o Mercado Livre aparece em primeiro, com uma participação de 14,5%. A Shopee aparece em segundo à frente da a Amazon, em terceiro, que tem 7,8% de market share.
Liberação mais rápida de importações
O governo também deu uma ajudinha nessa transformação logística. A criação do Remessa Conforme, um programa com regras diferenciadas para importação de produtos até US$ 50, trouxe mais velocidade aos processos aduaneiros. As plataformas internacionais que aderem à iniciativa passam a cobrar os tributos no ato da venda. As taxas vão de 20% para o imposto de importação a 17% do ICMS estadual.
A alíquota padrão do imposto de importação é bem maior, de 60%, sem contar o ICMS, e ainda vale para compras acima de US$ 50 ou daquelas feitas em sites não cadastrados. Nesse caso, a análise aduaneira também demora muito mais, porque a área da Receita Federal responsável pela fiscalização precisa analisar as condições da importação, verificar incorreções ou falta de dados, deliberar sobre a cobrança dos tributos, eventuais multas e a liberação ou não da compra.
A possibilidade de liberação rápida aberta pelo Remessa Conforme levou a Shein a investir R$ 13 milhões em um novo espaço próprio no aeroporto de Guarulhos. A varejista online de roupas vai processar até 100 mil pacotes diariamente quando a instalação estiver a plena carga. Com isso, o envio dos produtos será reduzido em até cinco dias.
“O Remessa Conforme foi um divisor de águas para o cross-border”, explica Chaer, da Magalu. Além da simplificação aduaneira, as entregas aceleraram o passo porque houve uma abertura do mercado de logística. Até o ano passado os envios eram feitos apenas pelos Correios.
Com a liberação, diversos operadores independentes entraram no jogo. Muitos, como a Magalog, oferecem galpões de “last mile” próximos aos maiores mercados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Bom para os consumidores e melhor aos mais ansiosos, que vão poder manter as unhas inteiras.