28 de dez. de 2008

A nova Guerra do Paraguai


por Ruy Fabiano


O contencioso político que o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, constrói em torno da usina hidrelétrica de Itaipu coloca mais uma vez a diplomacia brasileira em estado de desconforto com os seus vizinhos.
Mais uma vez, o projeto de unidade político-ideológica do continente, concebido pelo Fórum de São Paulo, esbarra em conflitos de interesse, freqüentemente ditados por questões de conveniência política interna, associadas a velhos recalques históricos, que marcaram por anos as relações da América Espanhola com a América Portuguesa.
Enquanto a diplomacia brasileira acena com a superação desses contenciosos históricos e investe na unidade, seus vizinhos, comercialmente beneficiários desse aceno, fazem o contrário: revivem esses ressentimentos, tornando-os matéria-prima de um discurso populista que garante índices de aprovação interna, mas gera impasses que, não sendo superados, comprometem o projeto de construção de um bloco continental.
É o caso das relações com a Bolívia e com o Equador, que acaba de protagonizar um calote no BNDES. E é o caso paraguaio. Vejamos. O presidente Fernando Lugo fez de Itaipu uma de suas bandeiras eleitorais. Construiu em torno da usina, que seu país recebeu de mão beijada do Brasil, um discurso oportunista, que semeia indignação e colhe aplausos.
Quem se dispuser a examinar com isenção a questão de Itaipu, seja pelo ângulo político ou econômico, há de constatar o despropósito das queixas paraguaias. Como se sabe, a usina foi inteiramente construída e paga pelo Brasil, ao tempo do governo militar, o que representou um dos itens mais onerosos de sua dívida externa, ainda em curso.
O Tratado de Itaipu, que Lugo quer rever, garante ao Paraguai 50% da produção da maior represa hidrelétrica do mundo em capacidade de geração. O Paraguai consome apenas 5% da energia que recebe de graça, o que lhe garante algo inédito em todo o planeta: capacidade de aumentar seu consumo em 10 vezes, com uma fonte limpa e renovável de energia, ao custo de US$ 22,5 por megawatt/hora (baixíssimo em termos de mercado), sem investimentos em infra-estrutura.
Trata-se, sob qualquer ótica, de recurso estratégico fundamental, que coloca o país em posição privilegiada em relação a qualquer outro. Enquanto todos gastam ou têm que gastar (muitos, como o Brasil, sem ter de onde tirar) recursos colossais para mudar sua matriz energética, substituindo fontes emissoras de carbono, o Paraguai tem tudo isso de graça, assegurado pelo tratado que seu presidente quer mudar.
Lugo argumenta que o artigo XIII do Tratado de Itaipu, que estabelece que a energia excedente de uma das partes seja vendida à outra, é injusto. O Brasil estaria pagando por essa energia excedente preço de custo e não preço de mercado. Não é verdade.
A receita da Itaipu Binacional é de US$ 3,2 bilhões/ano. E é repartida igualmente entre os dois países, o que gera para cada qual cerca de US$ 1,5 bilhão por ano. Há, porém, um detalhe: dois terços dessa receita vão para o pagamento da dívida que a construção da represa custou. E o Brasil arca sozinho com essa despesa, o que, como é óbvio, limita o ingresso líquido da sua receita em um terço. Nada menos.
O endividamento brasileiro com a construção da usina foi de US$ 27 bilhões, captados em período particularmente delicado para o país: a década dos 80, que marcou a crise da dívida externa e o aumento das taxas de juros norte-americanas, que passaram de 6% para quase 20% ao ano.
O sufoco foi tão grande que o Brasil chegou a considerar a paralisação da obra. O Paraguai, mesmo assim, quer a rever o Tratado. Quer vender a energia excedente a terceiros e aumentar substancialmente o seu preço. Quer o fim do artigo XIII, exatamente o que fez com que o Brasil se dispusesse a empreender obra de tal porte e compartilhá-la sem ônus com outro país. Itaipu só foi construída como obra binacional na confiança de que o Brasil poderia comprar o excedente paraguaio.
Romper essa cláusula, sobretudo em momento delicado para o Brasil, de carência energética, representa traição ao Tratado, que é de longe o melhor negócio da história daquele país. Se o Brasil tivesse perdido a guerra do Paraguai e fosse obrigado a pagar uma indenização, nenhuma excederia os ganhos da Hidrelétrica de Itaipu, nos termos em que está.
Mas Fernando Lugo, cuja eleição foi incentivada por Lula – assim como a de Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Hugo Chavez (Venezuela) -, passa por cima desses, digamos, detalhes.
Em vez de investir no crescimento do país, com a garantia de uma matriz energética já instalada e sem custos, quer uma nova Guerra do Paraguai – sem pólvora, mas com muitos, muitos dólares. Lula diz que vai tentar atendê-lo...

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