“O seringueiro realiza uma tremenda anomalia:
é o homem que trabalha para escravizar-se.”
Euclides da Cunha
À Margem da História
Foto: FIEAC
Seringueiro
homem feito de sonhos
moldado na bravura dos sertões
vítima da cobiça e de ilusões.
O teu crime foi ter acreditado no homem
quando nem o homem acreditava em si.
Soberbo, dormia nos braços da bonança.
Tu, nos braços da faltança.
O teu perdão foi ter esperança,
palavra cara a ti, mas te deu algum acalanto
em meio às dores, à torpeza humana, ao pranto.
Que homem neste novo mundo sofreu igual tormenta?
A alma tentava viver enquanto o corpo desfalecia.
Resignado, algumas vezes, calava-se,
deixava-se morrer a viver como morto.
Porém, não te acovardastes!
Os covardes viviam nos barracões, nas casas aviadoras,
nos centros da Europa e mesmo nas igrejas.
Chamar-te de soldado da borracha é menosprezá-lo
quando travastes, na verdade, um dos maiores combates
da humanidade: contra teus próprios medos e
o medo que move os outros homens, ganância.
A tua vitória tem o gosto da derrota.
Muito se falou de ti, poucos te compreenderam.
Alcunharam-te de sociedade dos caboclos titânicos.
Não, não és.
Tu és seringueiro
com tudo o que essa palavra possa significar ou dizer:
a coragem e o medo,
a força e a inteligêcia,
o desespero e a esperança...
Por sonhar com a liberdade perdestes a tua.
Todavia, não fizestes da vida um livro de lamentações.
Pode-se aprisionar o corpo de um homem
mas nunca se poderá tocar-lhe a alma, a menos que ele o permita.
Como a sumauma e o cumaru, permanecestes altaneiro
em meio à furiosa sanha dos temporais:
a dor de perder um galho
amenizava-se com o brotar de uma semente.
Ao se levantar contra as naturezas, ecológica e humana,
via que lutavas em vão... então, resolveu compreendê-las.
Dessatanizou o verde, que já não era mais o inferno
e a natureza começou a te revelar seus caprichos e segredos.
Homem algum a compreendeu mais profundamente do que tu.
Filho indigesto dessas matas, resistiu-a e mesmo a amansou
como um conquistador seduz sua bem amada.
De algoz, tornou-se o defensor-mor!
A voz única, a confundir-se com o cantar dos pássaros
os passos únicos, a não alvoroçar os animais
o ser único, a tornar-se parte para continuar a existir.
Pouco abaixo de um deus o fizestes, o salmista me faz pensar em ti:
um deus sem reino, a não ser a imensidão das matas
um deus sem templo, a não ser o santuário das grandes árvores
um deus sem fiéis, a não ser toda a bicharada
um deus sem liturgia, a não ser a sinfonia dos pássaros
um deus sem incensos, a não ser o perfume que se levanta das flores
um deus sem oferendas, a não ser os troncos que se decompõem
para a vida novamente se renovar.
Seringueiro, nascestes de um sonho
ao sonho, aos poucos, retornarás.
Um homem, deveras, em extinção.
Seringueiro de ontem, o ribeirinho de hoje.
Só não pode morrer a utopia.
Blog Alma Acreana
Nota do blog: Segundo o leitor do Blog Gilmar Mendes essa foto é do tarauacaense "Gavião", que atualmente reside em Rio Branco.
Nota do blog: Segundo o leitor do Blog Gilmar Mendes essa foto é do tarauacaense "Gavião", que atualmente reside em Rio Branco.
Muito bom, e pra completar, uma fotografia muito bonita com o tarauacaense "Gavião", atualmente morando em Rio Branco.
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