14 de abr. de 2025

Acre desafia o impossível: como o café plantado entre rios e floresta virou símbolo de economia?


Por Wanglézio BragaNo coração da Amazônia, onde antes se imaginava impossível uma produção agrícola em larga escala sem devastar a floresta, o Acre vem desafiando lógicas e expectativas. No Dia Mundial do Café, celebrado neste 14 de abril, o Portal Acre Mais mostra como o estado surge como protagonista de uma revolução silenciosa: o fortalecimento de uma cafeicultura sustentável, inclusiva e altamente produtiva, com raízes históricas que remontam a meados do século XIX.

Tudo começou em 1864, quando o geógrafo inglês William Chandless, em expedição pelo rio Purus, próximo à fronteira com o Peru, registrou pela primeira vez a presença de plantações de café na região. Na época, a borracha dominava a economia, mas a descoberta revelava um potencial pouco explorado. Mais de 150 anos depois, esse potencial começa a se transformar em realidade concreta e promissora, com o café acreano conquistando espaço em mercados exigentes por sua qualidade e, principalmente, por seu compromisso com a floresta.


Uma produção que respeita a Amazônia

O Acre não derruba para plantar. Ao contrário: o café robusta (Coffea canephora), principal variedade cultivada no estado, é adaptado para crescer à sombra das árvores, dentro de sistemas agroflorestais que conciliam produção agrícola e preservação ambiental. Cultivado em áreas já abertas, sem a necessidade de novos desmatamentos, o café acreano é símbolo de uma nova era: rentável, sustentável e resiliente.

Com 1.115 hectares de área plantada em 2024, a expectativa é que a produção cresça cerca de 60% até 2025, saltando de 3.079 toneladas para 4.921 toneladas. Esse avanço se deve não a condições climáticas extraordinárias, mas sim à entrada em produção de novas áreas planejadas e ao uso de tecnologias agrícolas eficientes, como o uso de cultivares clonais, irrigação controlada e manejo inteligente do solo.


De família para família

Mas o sucesso da cafeicultura acreana vai além das lavouras. Ela é socialmente enraizada. De acordo com dados da Coopercafé, mais de 138 cooperados integram o sistema cooperativista, sendo 94% agricultores familiares. A atividade não apenas gera renda, mas emprega diretamente milhares de pessoas, garantindo a permanência das famílias no campo e promovendo a sucessão rural, com filhos e netos assumindo a lida no lugar dos pais.

“Em muitas dessas propriedades, mulheres e indígenas são protagonistas. A inclusão e o empoderamento desses grupos transformam a produção de café em um instrumento de justiça social e fortalecimento comunitário”, diz Michelma Lima, diretora da Secretaria de Agricultura do Acre (SEAGRI) .


Complexo Industrial vai turbinar o setor

O futuro também se prepara no presente. Com previsão de inauguração em no próximo mês, o Complexo Industrial do Café em Mâncio Lima, fruto da parceria entre o governo do Acre, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e a Coopercafé, promete modernizar todo o processo de beneficiamento, padronização e comercialização do café. A estimativa é que mais de 150 famílias sejam diretamente beneficiadas, impactando cerca de 1.500 pessoas.

Com investimento de R$ 5 milhões, o projeto batizado de Café Amazônia Sustentável visa estabelecer um modelo socioeconômico cooperativista que poderá servir de exemplo para outras regiões da Amazônia Legal. A inauguração do complexo deve ser marcada pela primeira visita do presidente Lula (PT) no Acre neste mandato.


Um aroma que atravessa fronteiras

O café acreano não é só verde no modo de produção, mas também preto na xícara e forte na identidade. Com sabor marcante e aroma singular, conquista cada vez mais espaço nos paladares exigentes e nos mercados especializados. A expectativa é que a produção alcance entre 35 e 39 mil sacas em 2025, gerando valor agregado e abrindo portas para o mercado gourmet e internacional.

Hoje, 19 dos 22 municípios acreanos já produzem café. Segundo a SEAGRI, cidades como Acrelândia, Brasiléia, Mâncio Lima e Manoel Urbano lideram essa transformação, mas a expansão é constante e planejada, com apoio técnico e políticas públicas específicas para o setor.


Um futuro plantado com responsabilidade

Entre as árvores da floresta e os grãos que brotam do chão, o Acre está escrevendo uma nova história: a de um estado que produz com consciência, cresce com equilíbrio e preserva com sabedoria. Em um tempo em que o mundo clama por soluções sustentáveis, o café plantado por mãos familiares no meio da Amazônia prova que é possível sim gerar riqueza sem destruir.

No Dia Mundial do Café, enquanto o aroma da bebida invade lares e cafeterias, o Acre brinda sua vocação: ser o novo polo da cafeicultura sustentável brasileira. E com muito orgulho.

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