6 de nov. de 2019

O encontro de dois grandes homens


"Na fronteira da Rússia uma comitiva do governo aguardou para receber o imperador do Brasil. Mas novamente quem chegava para o escândalo de todos, era o cidadão Pedro de Alcântara, incógnito, que foi até o restaurante da estação tomar um cafézinho. 

Os restaurantes russos publicavam diariamente a viagem do imperador, louvando sua cultura e comparando-o a Alexander II. A Lei do Ventre Livre era o paralelo entre Pedro II e o czar russo, que havia libertado 22 milhões de servos (mais que o dobro da população brasileira na época). No dia 29 de agosto de 1876, D. Pedro e sua comitiva chegaram a São Petersburgo, onde foram recebidos pelo prefeito, uma vez que a família imperial encontrava-se na Crimeia. 

Hospedado no Grande Hotel Europa, o imperador logo partiu para suas expedições, visitando tudo que podia e ficando pasmado perante a opulência da capital russa idealizada por seu homônimo, Pedro, o Grande. Diversos traços de semelhança podem ser encontrados entre os dois monarcas, começando pela altura, além do fato de terem fundado cidades com seus nomes (São Petesburgo e Petrópolis) que se tornaram muito relevantes para a política dos países no futuro. Ambos perderam seus pais e assumiram o trono muito cedo (Pedro, o Grande não tinha quatro anos quando seu pai morreu e D. Pedro I renunciou e partiu para Portugal quando D. Pedro II não tinha completado seu sexto ano). 

Ambos tinham grande preocupação em modernizar e dar visibilidade internacional a seus respectivos impérios, sendo aficionados à inovações. Todavia, o fato que melhor deve ter servido para ligar a imagem dos dois Pedros no imaginário russo foi o fato de o Alcântara ser um viajante. 

A história conta que Pedro, o Grande, entre 1697-98, viajou pela Europa, sob o nome de Pedro Mikhailov, para adquirir conhecimentos e descobrir tecnologias e técnicas que poderiam ser implementadas na Rússia. O imperador do Brasil ficou mais de quinze meses, entre 1876-77, em um périplo em cerca de doze países.

Sem cerimônia, na Biblioteca Imperial, Pedro II, que conhecia russo, conversou com curadores, pesquisadores russos, e, em outras ocasiões, estrangeiros, egiptólogos, assombrando a vários desses com seus conhecimentos, discutindo sobre trechos controversos de publicações e de suas traduções. Visitou diversas igrejas e universidades, recebeu muitas coleções de livros e diplomas de membro honorário da Academia de Ciências e da Universidade de São Petersburgo. Junto ao grão-duque Konstantin Nikolaevich, irmão do czar, visitou os palácios de Tsarskoye Selo, próximo da capital. 

De São Petersburgo, foi para Moscou, onde visitou o Kremlin exatos 64 anos depois da entrada de Napoleão nele. Novamente correu institutos, feiras, palácios e museus, e achou Moscou a mais bela cidade que conhecera até então. No Teatro Bolshoi assistiu à ópera de Bellini: "A sonâmbula". 

Até de uma festa cigana o imperador participou, que se seguiu à um jantar tipicamente russo organizado pelo governador de Moscou em sua homenagem. Visitou também o Monastério de Troitza-Serghiev, o mais importante da Rússia e centro nacional de peregrinação a São Sérgio. 

Ainda em Moscou, uma recepção musical foi organizada na casa do diretor do Conservatório Musical, o pianista e compositor Anton Rubinstein. De partida para a Crimeia, passaram pela Ucrânia e visitaram Kiev e outras cidades. O imperador viu o contraste de etnias, credos, costumes, climas, paisagens, não muito diferente do que, em escala proporcional, os olhos estrangeiros reservavam a respeito do Brasil. De Odessa partiram para Livadia, para enfim visitar a família imperial russa. 

A região de Yalta e boa parte da região litorânea da Crimeia era o local tradicional de férias dos Romanov e da aristocracia russa devido ao clima aprazível. Ali D. Pedro II e o czar Alexander II se conheceram, e o último levou o brasileiro em seu iate para ver os cenários da Guerra da Crimeia, que mobilizara a opinião pública mundial. 

Ele pôde conhecer de perto a campina a qual foi palco da Brigada Ligeira - uma vitória russa na Batalha de Balaclava -, eternizada em poema por lord Tennyson. A década de 1880, todavia, seria trágica para os dois homens. Em 1881, Alexander II seria assassinado em São Petersburgo num atentado a bomba. E em 1889, D. Pedro seria exilado e expulso do Brasil para sempre".

Fonte: D. Pedro II, a história não contada, Paulo Rezzuti.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Atenção:
Comentários ofensivos a mim ou qualquer outra pessoa não serão aceitos.