Por Carinne Souza - O plano que possibilitou a repatriação de brasileiros após o início da guerra em Israel foi estabelecido durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A Gazeta do Povo apurou com membros e ex-integrantes do Itamaraty que a embaixada brasileira em Israel tinha um plano muito básico de contingência, que foi atualizado durante o mandato presidencial anterior, e seguido pelos diplomatas da atual gestão.
A estratégia do Itamaraty para repatriar brasileiros de países em crise geralmente se sustenta basicamente em pedir apoio da Força Aérea para enviar aviões que levam ajuda humanitária e trazem de volta cidadãos para o Brasil.
Mas a embaixada de Israel tinha além disso um plano de contingência básico, que abrangia identificar brasileiros que precisavam de ajuda e fornecer a eles informações e transporte para o aeroporto. Ou seja, foi feito um planejamento de crise antes dela acontecer. Isso pode parecer básico, mas é mais do que a maioria das representações brasileiras no exterior possuem.
Na invasão da Ucrânia em 2022, por exemplo, o plano de evacuação de brasileiros foi sendo elaborado na medida em que os fatos iam se desenrolando. Diplomatas tiveram que mudar a embaixada para uma cidade mais segura, pedir carros emprestados e reservar quartos de hotéis às pressas para evacuar os brasileiros enquanto o país era bombardeado.
A reportagem apurou que a embaixada em Israel tinha um plano básico de contingência que havia sido revisto, atualizado e aperfeiçoado durante o governo de Bolsonaro. Ele foi seguido pelos diplomatas que estão atualmente em Israel e possibilitou a repatriação de 1.410 brasileiros.
Quando assumiu a presidência do Brasil, em 2018, Bolsonaro colocou o relacionamento com Israel como uma das prioridades de seu governo. Membros do antigo governo revelaram à Gazeta do Povo que, na época, o plano de contingência estava “desatualizado” e, por isso, precisou passar por uma reformulação nos últimos anos.
O plano da embaixada de Israel tinha a listagem de onde estavam muitos dos brasileiros no país e previa canais de comunicação com eles. Ele também estabelecia de antemão dois pontos de encontro na cidade de Jerusalém e dois em Tel Aviv.
“Após irem para esses lugares, que são seguros e verificados pela embaixada, um ônibus busca essas pessoas no horário marcado e as leva para o aeroporto”, informou o consulado do Brasil em Israel.
Empresas de transporte haviam sido previamente contratadas para fornecer ônibus desses pontos de encontro para o aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv, onde estavam os aviões da Força Aérea.
No último dia 7 de outubro, o grupo terrorista Hamas atacou de forma violenta e inesperada o território de Israel, o que resultou em uma contraofensiva israelense e na escalada do conflito. Em 20 dias de tensão, milhares de pessoas morreram, sendo 1,4 mil vítimas israelenses.
Há cerca de 14 mil brasileiros vivendo em Israel e uma média de seis mil turistas brasileiros visitam o país mensalmente. O Ministério de Relações Exteriores foi acionado por parte desses brasileiros que desejavam ajuda para sair da zona de conflito.
Seguindo o que foi desenhado na gestão Bolsonaro, a prioridade para retirada foi dada aos turistas, já que eles não têm assistência do governo israelense como os brasileiros com dupla nacionalidade.
A preocupação da embaixada era que os turistas teriam seus voos cancelados e eles não teriam recursos para pagar por hospedagem prolongada em Israel até encontrarem rotas de fuga do país por conta própria. Um grande facilitador do processo foi que em nenhum momento o espaço aéreo de Israel foi fechado, diferente do que ocorre na guerra Ucrânia, que é um conflito de proporções muito maiores.
Após a evacuação dos turistas, a lista de prioridades para repatriação passou a ser de brasileiros que moram em Israel mas que não possuem dupla nacionalidade. Após isso, a evacuação se foca em brasileiros que também possuem nacionalidade israelense segundo prioridades de vulnerabilidade: grávidas, crianças desacompanhadas, enfermos e idosos. O governo do Brasil não informou porém se haverá mais vôos da Força Aérea para atender esse público.
Um dos principais pontos do novo plano de contingência era a identificação e mapeamento dos brasileiros que vivem em Israel. A tentativa de contatar um a um não era a mais eficiente, por isso a nova estratégia desenhada usou grupos em aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, rádio, blogs e influenciadores brasileiros em Israel. A ideia era enviar alertas e informações por meio desses intermediadores que tinham grande alcance com a comunidade brasileira no país.
Outra estratégia usada pelos diplomatas foi difundir informações por meio de sinagogas e rabinos brasileiros. Eles se tornaram interlocutores entre a embaixada e a comunidade brasileira, segundo informou uma fonte ligada ao processo. O método havia sido testado durante as eleições brasileiras de 2022 e, devido ao efeito surtido, foi mantido no plano de contingência para emergências.
Embora tenha sido elaborado de antemão e previsto detalhes da evacuação, o plano brasileiro não fornecia uma proteção tão abrangente para os brasileiros quanto as embaixadas de países desenvolvidos costumam fornecer para seus nacionais.
Não havia, por exemplo, a previsão de reserva de vagas em hotéis para quem não pudesse pagar, nem a disponibilização de escoltas armadas ou veículos blindados para transporte. Em geral, a logística e planos de gestão de crise para atender brasileiros no exterior são elaborados por diplomatas e não por pessoal especializado do Ministério da Defesa.
Itamaraty informou rota de brasileiros a Israel para evitar que fossem bombardeados
O resgate de 27 brasileiros que estão na Faixa de Gaza (controlada pelo Hamas e sitiada por forças israelenses) foi mais complexo - especialmente porque não há diplomatas brasileiros na região. A evacuação desse grupo vem sendo coordenada por uma representação diplomática brasileira em território palestino em Ramallah, na Cisjordânia, que fica distante da Faixa de Gaza. Ela não é atrelada formalmente à embaixada de Israel e a reportagem não conseguiu apurar com fontes independentes se a representação tinha um plano prévio de evacuação de brasileiros.
A representação contratou uma empresa de ônibus para retirar os brasileiros de um ponto na Cidade de Gaza, ao norte do território, e leva-los para Khan Yunis e depois para Rafah, na fronteira com o Egito. O Brasil alugou um imóvel para receber esses brasileiros e abrigá-los até a abertura da passagem de Rafah (que ainda não tem data para acontecer).
Toda essa coordenação, o itinerário, endereços e inclusive a placa do veículo que transportou os brasileiros foram comunicados a Israel por canais diplomáticos oficiais. O objetivo era evitar que os brasileiros fossem confundidos com terroristas do Hamas e acabassem bombardeados acidentalmente pelas Forças de Defesa de Israel.
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