Por Wanglézio Braga - Rio acima, rio abaixo, levando os produtos da cidade por meios de embarcações pequenas ou médias, dias e dias longe do conforto de casa, da família, enfrentando os mais diferentes obstáculos. Assim é a vida ou realidade do “Regatão” – profissional do comércio que atua nos rios da nossa Amazônia.
O regatão teve, no século XVIII, forte influência dos portugueses, libaneses e sírios. Com o passar do tempo, esses profissionais foram abandonando o ofício devido aos obstáculos naturais e à falência dos grandes seringais. No Acre, essas figuras seguem desempenhando este papel para com os ribeirinhos, seringueiros e indígenas. Resistência ao mundo moderno e ao tempo.
O AcreNews conversou com Ordônio Alves Sombra, de 63 anos, um dos regatões de Tarauacá, na região do Envira, que persiste nesse tipo de ganha-pão. Nossa conversa ocorreu num momento oportuno. Ele realizava a manutenção da sua embarcação, comprada há pelo menos uma década. O barco foi conquistado com parte da rescisão trabalhista, do último emprego, e outra de economias da família. Enquanto zelava, Sombra prestava uma análise sobre os problemas provocados pela forte estiagem e pensava nos planos para o futuro próximo.
O planejamento dura em média dois meses, no período da seca. Tempo de arrecadar as mercadorias que serão vendidas, e armazenar num galpão em sua casa. A embarcação normalmente vai muito abastecida de alimentos, remédios, artigos decorativos, de mesa e de banho, e até de combustíveis. E volta com produtos das comunidades, isso quando ocorre a troca das mercadorias.
Já as viagens, essas têm duração preferencialmente de quatro a seis meses, e podem variar por conta dos níveis de navegabilidade dos rios. A cada ciclo, são visitados 100 postos. Sobe e desce entre as regiões de Tarauacá, do Jordão, do Envira, oferecendo mercadorias e serviços aos beradeiros. A cada viagem, um lugar diferente, com novas histórias e amizades.
Nos outros meses do ano, quando não viaja, Ordônio investe na pesca, em pequenos serviços no bairro e ajuda a esposa, a dona Raimunda Nonata com os afazeres do lar, a cuidar dos quatro filhos que apesar de terem maioridade ainda dependem do regatão. O casamento dos dois já dura 40 anos.
“Um dos períodos mais difíceis é quando temos o defeso e não podemos pescar algumas espécies de peixes. Recebemos uma compensação por isso, mas não é o suficiente. O jeito é fazer outros bicos e tentar ajudar o maior número de parentes”, relata.
Seu Ordônio lembra com muito carinho da infância, vivida no seringal. Aos 12 anos de idade, iniciou na lida como seringueiro, ajudando a família. A colocação que eles produziam a borracha, era sentido Tarauacá/Jordão. À época, a borracha era bastante rentável economicamente. Mas, por conta da desvalorização no mercado nacional e internacional, a cultura do látex declinou no estado.
“Todos nós abandonamos a seringa quando chegou a crise e fomos viver na cidade. Por aqui, fui obrigado a aprender outras coisas para sobreviver. Trabalhei por 20 anos com carteira assinada, na empresa RR da Macedo, daí saí e resolvi comprar o meu barco. Coloquei uns mantimentos nele, e saí vendendo pelo rio. Lá se vão 10 anos de correrias”, conta.
Seu Ordônio relata que apesar do cansaço das viagens, a interação com os ribeirinhos é muito boa assim como a possibilidade de manter contato mais real com a natureza. “A gente encontra várias espécies de animais, perigosos ou não. Uma vez salvei um jabuti que vinha no meio do rio, cansado, tentando chegar na outra margem. Deu um trabalho, aquele danado, mas pude fazer o bem”, contou.
Durante a entrevista, Seu Sombra, fez questão de afirmar que a vida simplória dos ribeirinhos, longe dos estresses provocados pelo mundo moderno, traz grandes benefícios. “Com eles a gente fica longe dos perigos, das violências, das drogas, das perturbações. Quando a gente chega nesses lugares, eles querem saber das novidades. Mandam recados pros amigos da cidade. Apesar da gente ser bem recebido, encontramos muita pobreza”, destacou.
Outro ponto destacado pelo regatão é o evidente descumprimento das leis em favor das crianças e dos adolescentes. “Lamentavelmente a gente encontra, se depara, com crianças de 12 até 14 anos se casando. Muitas delas, são casadas com homens mais velhos porque a família não tem condições de sustentar. O meu papel, muita das vezes, é aconselhar os pais, as próprias crianças de que isso é errado. Que isso não é um bom caminho a seguir”, ressalta.
Ordônio aproveitou a oportunidade para chamar a atenção das autoridades. Para ele, é preciso oferecer mais ajuda às comunidades, aos ribeirinhos, aos indígenas, primordialmente nas áreas da saúde e da educação. “Muitas das vezes, se não for o amigo regatão, essas pessoas morrem de fome, de doença nas colocações. É preciso que os governantes façam algo por elas. Que olhem por elas. Que não deixem jogadas a sorte porque somos todos filhos do nosso Deus”, concluiu.
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