A inutilidade da educação
(Marcos Cavalcanti para O Globo)
Recebi de Tito Ryff o texto O Pequeno Gênio, cujos principais trechos
reproduzo abaixo, com alguns comentários meus. Tito é um economista
brilhante, foi Secretário de Estado do Rio de Janeiro nos Governos Brizola
e Garotinho e é uma das pessoas que pensa com sensatez e inteligência sobre
o futuro do Brasil.
"Prezado leitor, você sabe o que é um cnidário? Ou o filo dos platelmintos?
Saberia definir o significado de silepse, assíndeto, zeugma, anáfora,
catacrese ou sinédoque? Provavelmente não. Mas não se sinta diminuido com
isso. A esmagadora maioria dos poucos brasileiros que passaram por uma
universidade, excetuados os especialistas em botânica, biologia, zootecnia
ou gramática, não saberia responder corretamente a essas indagações. No
entanto, questões como essas são apresentadas, às centenas, anualmente, a
crianças brasileiras na faixa de 12 a 15 anos.
Muito outros exemplos poderiam ser dados para demonstrar o absurdo do
ensino que é ministrado às nossas crianças. Herança, talvez, do
enciclopedismo francês que moldou o ensino dos países de lingua latina. O
currículo das escolas brasileiras tem produzido um alto índice de evasão
escolar ente os alunos de condição social mais modesta. Às vezes, procuro
colocar-me na situação de um pai favelado a quem o filho pede que lhe
explique o que é autotrofia. Imagino a sensação de impotência e vergonha do
pai e a decepção do filho, numa fase em que os pais, com suas qualidades e
defeitos, servem de paradigma.
Quando se olha para o futuro da sociedade brasileira, o que mais preocupa é
ver milhões de brasileiros deixarem os bancos escolares sem terem
completado o 1o grau e, portanto, sem o preparo intelectual mínimo
necessário para continuar adquirindo conhecimento pela vida afora. (...)
Não faz sentido exigir de crianças de 12 anos conhecimentos científicos que
só seriam úteis a vestibulandos de botânica, biologia ou zootecnia ou
noções de gramática que só servem aos estudiosos da lógica e da estrutura
da língua, e não àqueles que ao longo da vida terão simplesmente que se
fazer entender no idioma português. É por essas e outras que, quando nos
deparamos com um profissional, de qualquer área, que saiba escrever de
forma apenas correta e inteligível, levantamos as mãos para o céu em
agradecimento ao Senhor.
Não tenho dúvida, por tudo isso, de que a reforma mais importante a ser
feita no país, no momento, é a da educação. O currículo escolar deveria ser
substancialemente simplificado. Para ingressar na vida adulta, o aluno deve
ter noções básicas de história e geografia, para situar-se adequadamente no
mundo em que vive; conhecer matemática e português na medida suficiente
para aprender a raciocinar logicamente e para escrever com clareza e
correção; saber como foi a evolução técnica e científica da humanidade; e,
finalmente, ser preparado para a vida em sociedade, com suas regras básicas
de convívio e respeito mútuo que, infelizmente, muitos de nós desconhecemos.
O curriculo simplificado, sem os excessos e desperdícios da formação
enciclopedista, tornará o jovem que termina a escola secundária apto não
apenas a viver em sociedade e a ingressar na universidade ou numa escola
técnica, mas, sobretudo, a continuar aprendendo pelo resto da vida, pois o
que caracteriza a sociedade moderna é a aquisição permanente de conhecimento".
Claro que assino em baixo do texto do Tito! Só acrescentaria duas
disciplinas a este currículo simplificado: metodologia e música/cultura.
Num mundo com uma verdadeira tsunami de informações, é fundamental que
nossas crianças aprendam a pesquisar, a encontrar a informação que
precisam, a avaliar suas fontes. E o contato com nossa cultura,
particulamente a música, deve ocorrer não apenas de maneira informal, fora
da escola, mas de maneira estruturada, dentro da escola, pois como disse a
grande atriz Fernanda Montenegro, a educação não se firma sem cultura.
Aliás, porque colocar uma divisão tão grande entre o lado de dentro e de
fora da escola?
Que um economista brilhante como o Tito Ryff faça este proposta, não me
espanta. O silêncio dos educadores, isto sim, me espanta! Com a palavra,
nossos educadores.
A propósito: o texto de Tito Ryff foi publicado originalmente em 02/03/93,
há quase 15 anos...
=.=.=.=.=.=.=.=.=.=.=.=.=.
A metamorfose da Escola: construindo espaços de subjetividade
(Marcos Cavalcanti para O Globo)
Não desista de ler por causa do título! Prometo que não será mais um texto
complicado e chato sobre educação...
Acontece que tive uma semana onde o tema ficou carambolando em minha cabeça
por quatro grandes motivos. Primeiro, o artigo anterior provocou uma
discussão super rica e interessante. Segundo, tive um papo prá lá de
interessante com a Viviane Mosé, filósofa e grande poeta capixaba.
Terceiro, participei de três bancas de tese onde o assunto voltou a baila
e, por último, a mini-série Grandes Amigos, que me fez lembrar da minha
escola, o colégio São Vicente de Paulo, no Cosme Velho, Rio de Janeiro.
De tudo isto, gostaria de trazer alguns pontos para nossa reflexão coletiva.
1) Cada época é caracterizada por novas formas de se relacionar, de se
produzir riqueza, de viver e de se exercer o poder. Na era industrial, por
exemplo, o trabalho era visto (ainda é...) como uma das coisas mais
importantes da vida em sociedade. Tanto é assim que a ociosidade é vista
quase como um crime ou patologia. Quando eu era garoto, e acho que é assim
até hoje, me lembro de ficar chocado de saber que as pessoas podiam ser
presas por "vadiagem"!
A partir destes valores vai se construindo, as vezes imperceptivelmente,
uma teia de poder sobre as pessoas. E aquelas que não se sujeitam a estas
regras e disciplinas são consideradas loucas ou delinquentes.
O francês Foucault ilustra bem esta engrenagem dizendo que o poder, em
todas as sociedades, se exerce sobre as mentes, mas também sobre o corpo
uma vez que é sobre ele que se impõem as obrigações, as limitações e
proibições. O filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, retrata bem esta
situação quando Carlitos, depois de um dia inteiro apertando parafusos, sai
da fábrica com braços e mãos totalmente fora de controle.
E a educação é parte essencial neste processo. Os indivíduos são
construídos pelas relações sociais, pelos desafios que precisam superar,
pelas informações e experiências que conseguiram reunir ao longo da sua
vida. A escola sempre funcionou como um dos instrumentos essenciais de
exercício e reprodução deste poder. Ali (mas não só ali) se aprendem as
verdades legitimadas pela sociedade, aprendemos o que podemos e não
podemos fazer, dizer, sentir. Acabamos por introjetar valores que legitimam
e justificam o status quo. Neste sentido, Michel Foucault está coberto de
razão quando diz que
O PODER NÃO SE APLICA AOS INDIVÍDUOS, PASSA POR ELES.
Em resumo, a escola atual, totalmente alinhada com a sociedade industrial,
está estruturada de forma a valorizar o trabalho, a docilidade, a disciplina.
2) Precisamos de uma outra escola não por vontade de ser do contra, mas
porquê estamos vivendo uma nova era. Um momento onde o conhecimento, a
subjetividade e a individualidade são essenciais. E isto é incompatível com
a Escola que temos, pois um indivíduo que tem que FAZER muitas coisas o
tempo todo não tem tempo para si mesmo. Um outro francês, Deleuze, me
ajudou a entender isso. Para ele, "a luta por uma subjetividade moderna
passa por uma resistência às duas formas atuais de sujeição, uma que
consiste em nos individualizar de acordo com as exigências do poder, outra
que consiste em ligar cada indivíduo a uma identidade sabida e conhecida. A
luta pela subjetividade se apresenta então como direito à diferença e
direito à variação, à metamorfose".
Fazer nossas crianças decorarem toneladas de termos biológicos, recitarem
de cor datas e regras gramaticais é querer adestrá-las para sairem da
escola não apenas com os braços e mãos fora de controle, mas com suas
cabeças totalmente sob controle. Não delas próprias, mas do sistema de
poder vigente. Quando temos a sorte de ter estudado num colégio como foi o
São Vicente, ou como é a Escola Parque no Rio de Janeiro, acabamos por ter
contato com outros valores e possibilidades. Me lembro que adorava ir ao
colégio não para assistir as insuportáveis aulas de química e biologia, mas
para ajudar a fazer o jornal do grêmio, a organizar e participar dos saraus
de música, para reflorestar o morro da escola ou para dar aulas no curso de
alfabetização de adultos...
E se ousássemos pensar numa outra escola? Uma escola que estimulasse o
auto-aprendizado, onde o aluno fosse atrás da informação (ao invés de
recebê-la do professor), que neste processo aprendesse a melhor forma de
achar esta informação e de separar o joio do trigo? Uma escola onde o
espaço físico fosse pensado e organizado não de forma a ter um professor
(no púlpito, como um padre!), mas estimulasse as trocas entre os alunos;
onde a tolerância não fosse "ensinada" em sala de aula, mas praticada na
convivência diária entre seres diferentes; onde este espaço, inclusive, não
ficasse restrito às fronteiras físicas da escola, mas onde os alunos
interagissem com a comunidade, conhecessem a história de sua cidade e a
visitassem?
Isto não é uma utopia. A Escola da Ponte, em Portugal, pratica esta
filosofia há mais de trinta anos. Viviane Mosé, que é consultora da
Secretaria de Educação do Governo do Espírito Santo, está ajudando o
Governo deste Estado a tornar estas idéias uma realidade para milhares de
crianças. Mas para mudar precisamos, antes de mais nada, QUERER MUDAR! E
para isso, precisamos colocar um objetivo não apenas de descobrir o que
somos, mas de recusar o que somos... E isto vale tanto para nós, enquanto
indivíduos, como para a Escola, enquanto instituição!
Vida curta para nossas escolas!
22 de jan. de 2009
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