Você já imaginou, caro leitor, se pessoas de fora ocupassem sua casa e, em sua presença, jogassem no lixo objetos que, para você, possuem valor afetivo, deletassem de seu computador suas imagens mais preciosas, rasgassem as fotos de seus álbuns antigos, queimassem seus livros, pisassem na figura da santa por quem você nutre especial devoção, ou atirassem sua bíblia na lama? ...
Isto seria o mesmo que tentar apagar suas pegadas, sua trajetória, os indícios de sua existência; seria o mesmo que passar uma borracha no mundo onde você se reconhece - um mundo que você ajudou a criar. Tudo isso porque ignoram sua história, não respeitam seu passado, não sabem o significado que aquelas referências têm para você e, certamente, terão para seus descendentes, cuja identidade será construída também a partir dessas referências.
Esta comparação, embora simplória, nos leva à dimensão do que está ocorrendo com o patrimônio histórico de Rondônia. Ao longo dos anos, autoridades deste estado simplesmente ignoram a importância desse patrimônio, numa demonstração de descaso para com bem tão precioso e afronta para com os sentimentos das pessoas que amam esta terra e que a ela se sentem integrados.
Recentemente, a população foi surpreendida com as notícias advindas dos danos ao patrimônio histórico da Madeira Mamoré e ao ambiente natural causados pela hidrelétrica de Santo Antônio.
Daqui de meu cantinho de observadora, sempre considerei detestável a ideia de uma construção desse porte, uma agressão fatal à natureza, ao nosso exuberante, belo e caudaloso rio Madeira. Jamais fiquei empolgada com a perspectiva de contrapartida a Rondônia; não acreditei que a tal contrapartida pudesse, efetivamente, melhorar a qualidade de vida da população, e estava certa. Considero a natureza o maior dos santuários do planeta, fonte da qual viemos todos; há que se preservá-la acima de tudo.
A comunidade intelectual de Rondônia tem acompanhado com perplexidade os danos causados ao que restou do patrimônio histórico da Estrada de Ferro Madeira Mamoré: a centenária ponte metálica sobre o rio Jacy está com as estruturas ameaçadas de erosão por um valão aberto pela UHE Santo Antônio na cabeceira da ponte. A ponte de Jacy Paraná e a de Mutum Paraná foram importadas dos Estados Unidos no início do século XX; são relíquias emblemáticas de uma obra grandiosa que ceifou muitas vidas e deu origem à cidade de Porto Velho, capital do estado.
O mesmo descaso foi dispensado ao histórico Marco Rondon, cuja localização era nas proximidades da barragem, a jusante do empreendimento. O Marco Rondon simplesmente desapareceu.
As povoações ribeirinhas estão sofrendo com a queda dos barrancos às margens do rio Madeira. Os peixes estão sumindo. A BR- 364 está sendo atingida.
É hora de unirmos forças. É hora de lutarmos, juntos, em prol de uma causa maior: salvar o que restou de nosso patrimônio histórico e buscar, através dos canais competentes, apurar responsabilidades pelo descaso e pelos danos causados à natureza e à vida. Afinal, vivemos todos aqui, sob os céus de Rondônia. Cabe a nós, cidadãos, garantir a proteção de nossa amada terra!...
Sandra Castiel é natural de Porto Velho. Professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Mestre em Educação. Membro da Academia de Letras de Rondônia.
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