Candidato do governo, Daniel Scioli (à esq.) disputará segundo turno de eleições presidenciais argentinas com Mauricio Macri, da oposição
Marcia Carmo - Após 12 anos de governo, o kirchnerismo sofreu um inesperado revés nas urnas, no domingo, com o candidato da oposição à Presidência argentina, Mauricio Macri, da aliança Cambiemos ('Mudemos', em tradução livre), recebendo mais votos do que o esperado e levando a eleição para um segundo turno em novembro.
É a primeira vez que ocorre um segundo turno nas eleições presidenciais argentinas.
A expectativa do governo era de que seu candidato, Daniel Scioli, da Frente para a Vitória (FPV), vencesse no primeiro turno. Além disso, pesquisas de opinião indicavam que Scioli poderia ter em torno de oito pontos percentuais de vantagem sobre Macri.
Na madrugada de segunda-feira, contudo, com 85,16% das urnas apuradas, Macri tinha 35,21% dos votos e Scioli, 35,94%. A eleição só teria evitado o segundo turno caso um dos candidatos tivesse atingido 45% dos votos ou 40% e uma diferença de 10% para o segundo colocado.
Os primeiros resultados oficiais foram divulgados à 0h (1h em Brasília), cerca de seis horas após o encerramento da votação. A divulgação tardia provocou fortes críticas contra o governo na imprensa local.
Inicialmente, a apuração dos votos mostrava Macri à frente de Scioli. Ao discursarem na noite de domingo, os candidatos já deram o tom da campanha que se estenderá até 22 de novembro, data do segundo turno.
Com um semblante sério e vestido de terno e gravata, Scioli fez um apelo aos indecisos e criticou Macri.
"Se dependesse de Macri, não teríamos a 'Asignación Universal por Hijo' (AUH, ajuda social para famílias carentes com filhos pequenos)", disse Scioli.
O candidato governista também defendeu medidas da gestão de Cristina Kirchner e voltou a alfinetar o opositor sobre a estatização da YPF.
No passado, Macri havia criticado a intervenção, mas nesta campanha afirmou que teria feito o mesmo.
Scioli disse ainda que os argentinos "não querem voltar aos tempos de ajustes e desvalorização" e sugeriu que, uma vez eleito, tais medidas não seriam aplicadas.
"Peço humildemente que continuem nos acompanhando", disse.
Mauricio Macri, da oposição, comemorou ida ao segundo turno
Em clima de festa, Macri, de calça comprida e camisa esporte, sem gravata, disse que "começou um novo tempo no país".
Como tem sido costumeiro em seus comícios, o candidato da oposição terminou dançando ao som de músicas populares. Ele pediu votos para os eleitores dos outros quatro candidatos opositores derrotados e não mencionou o nome de Scioli.
Macri agradeceu ao apoio de sindicalistas, movimentos sociais e outros partidos que integram a Cambiemos, além de citar os peronistas – que, mesmo divididos, podem definir uma eleição, de acordo com analistas.
Segundo assessores, Scioli, que é governador da província de Buenos Aires, e Macri, prefeito da cidade de Buenos Aires, são amigos de longa data, mas divergem na arena política.
Na noite de domingo, eles reforçaram que a campanha pelo segundo turno começou e promete ser tão acirrada quanto a do primeiro turno.
"Scioli assusta as pessoas sugerindo que elas podem perder os planos sociais (a AHU)", disse a jornalista Maria O’Donnell, do canal de TV 26.
Ex-atleta que teve o braço direito amputado após um acidente em uma competição de motonáutica, Scioli, que chegou a se encontrar com a presidente Dilma Rousseff, disse, durante a campanha, ter sido inspirado pelo papa: " O que defendemos é a cultura do encontro apoiada pelo papa Francisco".
Já o tom da campanha de Macri foi de que "a Argentina merece mais".
"O kirchnerismo, com sua política do medo, tentou nos convencer de que o que temos é suficiente. Mas somos capazes de mais, de muito mais", disse Macri.
'Derrota do kirchnerismo'
O pleito também escolheu deputados nacionais, parlamentares para o Mercosul e governadores de onze províncias.
O pleito de domingo foi marcado pelo fracasso do kirchnerismo nos principais redutos eleitorais do país, como na província de Buenos Aires.
A candidata de Macri, Maria Eugenia Vidal, venceu o candidato de Cristina, Anibal Fernández, na província governada há oito anos por Scioli.
"Aconteça o que acontecer (no segundo turno presidencial) será um fim de ciclo (do kirchnerismo) na Argentina", disse a analista política Graciela Romer.
Mais cauteloso, o analista Roberto Bacman disse que "o certo é que o domingo foi marcado por surpresas".
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