23 de set. de 2010

PORTUGAL, A OTAN, O ATLÂNTICO E O BRASIL

Autor:João Brandão Ferreira

Decorreu, recentemente, no Instituto de Defesa Nacional – casa onde não se discute futebol, novelas ou rock and roll, mas coisas sérias que interessam ao futuro do país – um seminário sobre o futuro conceito estratégico da OTAN, o que não é certamente de se estranhar na próxima cimeira daquela organização, em Lisboa, em Novembro.

O debate foi encerrado pelos ministros da defesa português e pelo seu homólogo brasileiro, que estava em visita à terra de onde partiu um tal de Cabral, que haveria de aportar em Porto Seguro, por volta da primavera de 1500. Só por ter ouvido o ministro brasileiro valeu a pena a viagem.

Sem pretender tocar em tudo o que se debateu, direi que a focalização das intervenções se centrou na importância que o “mar” parece ter voltado a ter para Portugal – e não só como projeção de poder, mas como exploração de recursos – e no “súbito” interesse que o governo português passou a ter em mostrar a importância que o Atlântico Sul deve ter para a OTAN. O que se passou, naquele âmbito, naquele dia, mostrou à saciedade como, em política, não se pode ter razão antes do tempo. Mas, em Estratégia, pode e deve-se.

Expliquemo-nos: há cerca de 50 anos, o governo português, defendeu que a OTAN deveria estender-se ao Atlântico Sul, pois era necessário defender a África do ataque comunista e garantir a liberdade de comunicações marítimas, sobretudo a Rota do Cabo, por onde passavam (e passam!), a maioria dos abastecimentos para o mundo ocidental. Na altura, é claro, ninguém deu ouvidos ao que disseram os governantes de Lisboa. Nem a OTAN, nem a CEE (Comunidade Econômica Européia), nem os EUA nem, tão pouco os Ibero-Americanos, incluindo o Brasil. Se alguns políticos de nome acharam a idéia boa e pertinente, mantiveram a prudência do recato, face ao politicamente correto – uma constante de sempre.

Na altura pretendeu, ainda, o governo português lançar e desenvolver a “Comunidade Luso-Brasileira”, que poderia ter sido um instrumento de grande alcance para a segurança, desenvolvimento e aproximação das duas nações irmãs, que até há menos de 200 anos tinham sido uma só realidade política. O projeto frustrou-se sobretudo por manifesto desinteresse do Brasil que preferiu apostar no seu “dolce farniente” tropical, baseado no samba, futebol e carnaval, sustentado pelo que colhe no seu úbere solo e subsolo. E, ainda, por causa da aposta que fez em nos substituir na África, acaso a Idéia portuguesa do Minho e Timor mancava, como veio a suceder.

Acontece que os povos podem viver nos mais diferentes regimes políticos ou ter da democracia a idéia mais díspar, mas vivem – normalmente sem darem conta – numa verdadeira ditadura geográfica. Ou seja a Geografia acaba sempre por se impor à Política e não esta àquela.

Sem embargo, um lance político/social em que a história dos povos é pródiga, fez com que uns “adiantados mentais” tomassem de assalto o Terreiro do Paço e tivessem decretado que o Infante D. Henrique, o D. João II, mais o Bartolomeu Dias, o Diogo Cão, o Vasco da Gama e um rol extenso de outros de semelhante coturno, eram gente pouco estimáveis, quiçá responsáveis pelas desgraças da Nação – os outros, piores ainda, eram os seus herdeiros mais modernos. Estas idéias peregrinas tiveram como consequência que o país voltasse as costas ao mar.

Passados mais de 30 anos após este erro trágico, a força das circunstâncias (e da Geografia…), está fazendo com que os responsáveis políticos atuais estejam a rever os erros (grosseiros) efetuados. A proposta de extensão da Plataforma Continental – que tão bem tem sido conduzida – aparece, assim, como uma espécie de “milagre” da N. Sª de Fátima! Vamos a ver se em vez de reverter a nosso favor não vai ser pasto dos tubarões europeus…

O Brasil, por sua vez, só acordou há poucos anos da sua letargia foram desenvolvendo indústrias de ponta e de grande mais-valia econômico/financeira; tornou-se auto-suficiente em energia – que era a sua grande vulnerabilidade – e, de uma potencia regional centrada no seu umbigo, sem qualquer espírito marítimo, de repente aparece a crescer brutalmente, e a requerer um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU e a promover acordos nucleares com o Irã!

Em Portugal, os políticos ofuscados pela Europa – de onde, no passado, quase nunca nos veio proveito algum – deram uns passos tímidos junto de quem falava português no mundo e criaram, em 1996, a CPLP, cujo maior cultor foi o embaixador brasileiro José Aparecido de Oliveira que, só por isso, já merece ficar na História. Esta organização tem tido um desenvolvimento muito periclitante em parte pelo pouco empenho português, desinteresse brasileiro e fragilidades de toda a sorte, de que sofrem os antigos territórios portugueses vitima da malfadada “descolonização”.

Chegamos a 2010, com uma crise econômico/financeira grave no mundo e outra pior em casa; com a UE cheia de problemas; sem peso especifico em nenhuma organização internacional de que Portugal é parte; endividados até ao tutano; com os partidos políticos em guerra civil permanente; a perder soberania e capacidades quase diariamente para Bruxelas (e Madrid) – muitos até gostam!, etc.

Com este pano de fundo, os políticos do retângulo dão-se, finalmente, conta dos erros feitos relativamente à “maritimidade” e o governo acorda para a realidade da OTAN querer fechar o comando que a Aliança tem em Oeiras, faz muitas décadas. Verifica também que tem que diversificar opções e mercados. O tempo que se perdeu!…

O Brasil e o mar aparecem, deste modo, como alternativas óbvias e válidas. Estando o ministro Jobim, em visita à Portugal e a assinar negócios, pareceu ao governo luso ser um bom momento para lhe pedir um acordo que ajudasse à manutenção do comando da OTAN em Oeiras, alegando-se uma parceria (“um olhar”), para o Atlântico Sul. A jogada foi bem vista e permitia, ainda, a Portugal aumentar a sua importância junto daquela organização de Segurança e dar o ar da sua graça.

Só que o ministro brasileiro, em resposta ao ministro português estragou, ainda por cima com uma franqueza brutal, a bem delineada jogada de poker portuguesa. O discurso do ministro Jobim valeu pela substancia mas, também, pela clareza e pela determinação que colocou nas idéias que defendeu. Nada, mas mesmo nada, usual num político. Também denotou alguma arrogância, sinal claro de que o aumento do poder real do Brasil, logo funcional, lhes está, já, a subir à cabeça (cabe aqui referir que um orador brasileiro que falou no painel anterior, querendo salientar a importância do mar para o Brasil referiu que o único ataque que o seu pais sofreu veio por mar – o ataque ao Rio de Janeiro, por parte de franceses; ora a verdade é que o Brasil nunca sofreu qualquer ataque por mar, já que na altura do conflito, a terra de Vera Cruz pertencia à corte portuguesa…).

Durante a sua intervenção o ministro do país irmão – onde os portugueses são um dos pratos fortes do anedotário nacional – referiu a continuada fraqueza dos países europeus da OTAN face aos EUA; condenou a expansão a leste; idem para a tentativa de colocar mísseis americanos em alguns desses países (no que tem razão), bem como a alteração dos limites de atuação do artº 5º- que afirmou apenas servirem interesses dos EUA – no que também, penso, tem razão, etc. No fundo defendeu que a OTAN já não tem razão de existir, pois já não existem as razões que levaram à sua fundação (no que está claramente enganado). Pelo meio desferiu uma tremenda acusação sobre os EUA, que deve ter deixado o adido militar daquele país com as orelhas queimando, e o ministro Santos Silva com um sorriso amarelo.

Bom, a OTAN para o Brasil tem apenas um interesse residual e talvez lhes escape que os europeus desenvolveram-se extraordinariamente à sombra do guarda-chuva convencional e nuclear americano. E, seguramente, não fazem idéia do que é ter 150 divisões soviéticas do outro lado da fronteira…

Andar para leste foi o corolário natural dos russos terem perdido a “guerra” e a União Soviética ter implodido. E se houve algum acordo com o senhor Gorbachev, sobre isso, não se sabe publicamente. Humilhar ou despertar ameaças na grande nação russa é que já parece ser politicamente insensato e aí tem o Sr ministro razão.

Que o Brasil possa ter razões de queixa dos EUA, por causa de muita política de canhoneira por parte daqueles no Hemisfério Centro e Sul-americano, é razoável; que os critiquem sobre as agressividades do Tio Sam sobre a Amazônia, também se aceita; e que vai haver mais choques agora que o Brasil aspira ser uma (super) potência é natural. O fato de o ministro pertencer ao Partido dos Trabalhadores é apenas uma contingência ideológica, que ajuda a alguma radicalização do discurso.

Que tudo isto deva interferir com a posição portuguesa é que já é discutível. Vejamos mais em detalhe:

A proposta de Lisboa não é geopoliticamente despropositada, nem ofende quaisquer interesses ou brios brasileiros. Permite uma eventual parceria que seria útil a ambos os países e oferecia-lhes uma posição reforçada, para quando os EUA quisessem unilateralmente e fora do âmbito da OTAN, instalar um comando qualquer que lhes permita operar no Atlântico Sul e na África. Dizer o senhor ministro Jobim que não quer países estranhos à região, por lá, pode ser uma tirada grandiloquente, mas que não colhe no campo prático, já que as águas internacionais são livres e nada restringe que países terceiros façam acordos entre si.

Porém, acredito que uma outra abordagem ao problema teria sido preferível, por parte do governo português: a de lançar a ideia de que o estabelecimento de uma zona de paz e segurança para a área em questão, deve constituir o esteio político/doutrinário da CPLP – onde parece que o Brasil não quer se empenhar, vide o recente acordo que fez com a CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental). E Portugal não é estranho ao Atlântico Sul, andamos por lá uns cinco séculos e nas costas brasileiras 322 anos – mais do que o Brasil tem de vida própria…

Ora estando a CPLP estruturada neste sentido, já seria mais fácil ao Brasil aceitar uma parceria com a OTAN. Mas agora só se pode pensar nisso para a próxima cimeira.

Adaptação: Angelo Nicolaci- GeoPolítica Brasil
Fonte: Jornal Defesa e Relações Internacionais – Portugal

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