9 de mar. de 2011

A HISTÓRIA QUE NINGUÉM CONTA...

Esta rara e pouco conhecida aquarela foi feita pelo artista francês Jean Baptiste Debret entre 1817/29 e consta do belo livro de Pedro Correia do Lago "Debret e o Brasil", lançado recentemente pela Editora Capivara, onde são reproduzidas mais de 1.300 obras de Debret, muitas delas inéditas.

É este o primeiro registro iconográfico de um mau hábito carioca, o de urinar na rua, onde bem lhe aprouver.
A aquarela pertence a Jean Boguici.

Nenhum artista tratou desse tema, infelizmente tão atual.
Anexo um texto sobre nossos porcos e velhos hábitos.

COPROLOGIA HISTÓRICA

Recentemente, a subprefeitura do Centro lançou uma campanha de mudança dos costumes muito boa.
A municipalidade gasta verdadeiras fortunas com a limpeza e remoção de excrementos e urina dos logradouros do Rio.
A falta de educação de alguns, aliada também à falta de bons banheiros públicos, generalizou o costume incivilizado de parte da população carioca se desobrigar atrás de todas as árvores, postes, esquinas e monumentos públicos da cidade. A campanha contará com cartazes moralistas relatando que “...esta não era a educação que seus pais lhe deram”.
Apesar de a medida ser altamente meritória e necessária, os dizerem não encontram respaldo na história.

Com efeito, não são poucos os viajantes que se referem à sujeira das ruas do Centro do Rio no início do século XIX.

As casas não tinham banheiros. No máximo, uma “casinha” no quintal, cuja fossa era limpa à noite por um escravo, o qual recolhia o conteúdo em tonéis de barro e depois conduzia esse “cabungo” na cabeça até a praia ou terreno baldio mais próximo, onde era feito o despejo.
Como, freqüentemente, esse tonel vazava e tingia o infeliz de malcheirosas manchas, o povo apelidava esses pobres escravos de “tigres”.

A urina, por sua vez, era despejada das janelas das casas em urinóis, em plena rua. Uma lei de 1776 obrigava apenas ao arremessante a bradar antes a advertência: “água vai!”.

Quanto ao povo, este se desobrigava em qualquer lugar.
Não existiam pudores ou restrições. Afinal de contas, eram poucas as mulheres que saíam às ruas e, quando saíam, era aos domingos, e sempre acompanhadas de seus maridos ou pais.

Nas ruas do Rio, no dia-a-dia de 1800, somente homens e escravos perambulavam.
Para piorar a situação, o mau exemplo vinha de cima. Vinha do próprio Rei!

D. João VI comia muito, muito e mal. Diabético e doente, nem por isso se continha à mesa, devorando, por vezes, de quatro a seis frangos por refeição. Quando o Rei partia do Palácio de São Cristóvão em direção ao Centro, em sua carruagem não poderiam faltar um urinol, penico e os respectivos criados responsáveis pela sua higiene. No trajeto, a carruagem parava ao menos duas vezes.

Quando era a vez do Rei “obrar”, a carruagem estancava, um criado montava o “trono” portátil e a guarda cercava Sua Majestade, impedindo os curiosos de ali passar. D. João sofria de flatulência, soltando gazes em todas as ocasiões, solenes ou não. Coitado do criado que esboçasse um riso ou gracejo. Seria cortado do serviço no Paço!

Vieira Fazenda, historiador carioca, relata o caso duma procissão de Corpus Christi em que o Rei arriscou um flato e este veio “acompanhado”; o que obrigou D. João a correr para uma casa na Rua Direita (atual Primeiro de Março), atrás de um “trono”.

D. Pedro I herdou esse problema.
A diarréia histórica mais famosa que conhecemos é a que acometeu o Príncipe, às margens do Riacho Ipiranga, em São Paulo , a 7 de setembro de 1822.

Os historiadores citam que a viagem se retardara muito porque D. Pedro tinha de “...se apear do cavalo de meia em meia hora para obrar”. Estava nessa situação quando o correio Paulo Bregaro lhe entregou as cartas do Conselho de Estado, que pediam nossa Independência.
D. Pedro se conteve como pôde, reuniu a guarda, informou-os da situação e deu o famoso brado que nos libertou de Portugal.

Em 1824, D. Pedro I assistia a uma parada dos soldados mercenários alemães na Fortaleza da Praia Vermelha, quando pediu desculpa aos oficiais, se agachou perto dum muro e “obrou” na frente dos embasbacados militares.

Um desses militares alemães escreveu um diário onde relata que, quando ainda jovem, o Príncipe D. Pedro costumava urinar do alto da varanda do Palácio de São Cristóvão nos soldados que passavam embaixo.

Nas cartas que enviou à sua amante, Marquesa de Santos, D. Pedro cita por várias vezes seus problemas gástricos.

Numa missiva do Imperador datada de 13 de dezembro de 1827, existente no acervo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ele conta que “...Cheguei à casa, tomei a tisana (remédio) e obrei até agora cinco vezes e muito.” Noutra carta, esta sem data, mas igualmente da coleção do IHGB, ele conta que “...Eu não passei muito bem... ...depois obrei e agora estou perfeitamente bom...” Nem todas as cartas de D. Pedro eram assim. Numa delas, datável de julho de 1826, ele até escreveu no envelope um poema à sua amada:
“Este lindo passarinho canta,”
“brinca, pica e fura,”
“mas quando torna a repicar..."
 
A Marquesa era até informada dos problemas coprológicos das filhas do Imperador.

Na carta datada de 23 de setembro de 1827, da coleção Caio de Mello Franco, D. Pedro relatava que a filha de ambos, Duquesa de Goiás, “...tomou um purgante de óleo de mamona, com que obrou três vezes e deitou uma lombriga.”

Afinal, no meio dessa literatura “tão romântica”, D. Pedro pediu perdão à sua Marquesa pelos assuntos tão particulares assim relatados, justificando-se, na carta de 13 de dezembro de 1827, de que nele “A fruta é fina, posto que a casca seja grossa”.

Portanto, se a subprefeitura for contar com a educação de nossos antepassados, - estamos roubados!
 
Milton de Mendonça Teixeira. (HISTORIADOR)

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