14 de mar. de 2011

O ANDAR - ANTÔNIO MARIA

Aconteceu na Avenida Copacabana, esquina de Santa Clara. Uma jovem senhora chamou o guarda e apontou o homem, encostado a um poste:

 — Prenda este homem, que ele está se portando inconvenientemente.

 Era um homem magro, pálido, vestido em casimira velhinha. Não tinha cara de gente má. Ao contrário, seus olhos eram doces e mendigos.

 O policial segurou o homem pela lapela. O homem não se mexeu. Apenas levantou os olhos e perguntou:

 - Por quê?

 A senhora estava uma fúria e dizia num fôlego só:

 — Há uma hora este cidadão me segue. Começou no lotação. Desceu quando eu desci. Entrei numa loja e ele entrou também. Andei um quarteirão e ele andou também. Entrei no mercadinho e ele entrou também...

 — E lhe disse alguma coisa?

 — Não. Só olhava.

 O guarda soltou a lapela do homem. O homem agradeceu. O guarda dirigiu-se ainda à mulher:

 — Mas ele só olhava?

 — Sim. Mas olhava de maneira obscena.

 O guarda perguntou, então, ao homem:

 — Você olhava de maneira obscena?

 — Sim. Não sei mentir. Mas qualquer um no meu lugar faria o mesmo. O senhor já viu ela andar?

 O guarda viu depois, quando a mulher desistiu da prisão do seu espectador e foi andando. Não se deve explicar muito, mas é preciso que se diga: era uma moça brasileira. Uma moça de formato brasileiro, com movimentos brasileiríssimos. Dessas que deviam ter, como certos automóveis, uma tabuleta às costas, onde se lesse: "Amaciando".

Texto extraído do livro "Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 2002, pág. 79, organização de Joaquim Ferreira dos Santos.

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