7 de ago. de 2011

COMO FOI TRAMADA A LIBERTAÇÃO DE BATTISTI

Dois posts publicados em 2009 ajudam a desmontar a trama, que envolveu o governo e o Supremo Tribunal Federal, costurada para impedir que o terrorista em recesso Cesare Battisti fosse extraditado para a Itália. O país quer saber como se preparou a agressão à Justiça italiana e aos brasileiros democratas? Basta conferir os textos abaixo reproduzidos:
O carrasco uruguaio e o terrorista italiano merecem o mesmo destino (7 de agosto de 2009)
O Supremo Tribunal Federal autorizou nesta quinta-feira a extradição para a Argentina do coronel uruguaio Manuel Cordero Piacentini. Participante da Operação Condor, que tornou mais sinérgicas e brutais as ofensivas conjuntas dos órgãos de repressão a serviço de ditaduras sul-americanas, Piacentini será julgado pelo sequestro do argentino Adalberto Valdemar Soba Fernandes, ocorrido em 1976. Adalberto tinha 10 anos de idade.

O STF acertou. Quem faz o que Piacentini fez deve ser exemplarmente punido. Até o fim de setembro, os ministros julgarão o pedido de extradição de Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália. Quem faz o que ele fez deve sofrer tal castigo. Não há diferenças relevantes entre o carrasco da Operação Condor e o terrorista em recesso. Merecem o mesmo destino, tem certeza disso Adriano Sabbadin, filho de uma das vítimas de Battisti.

Ele tinha 17 anos quando testemunhou a execução de Lino Sabbadin, um açougueiro que morreu por não saber distinguir um assalto a mão armada de uma expropriação revolucionária. Em janeiro de 1979, quando rechaçou a bala o bando que invadiu o açougue na cidadezinha perto de Roma, Lino atirou num ladrão sem imaginar que acertaria um guerrilheiro designado para expropriar o capital de um comerciante burguês. A chefia do grupo Proletários Armados para o Comunismo decidiu-se pela pena de morte. Em 16 de fevereiro, os assaltantes do mês anterior voltaram para executar a sentença.

O que Adriano viu e ouviu tinha jeito de assassinato e cara de assassinato. Depende da posição do espectador, ensinaram panfletos distribuídos pelo PAC para festejar a vitória na Batalha do Açougue. Visto da extremidade esquerda da platéia, por exemplo, o que parece assassinato é um justiçamento revolucionário, e o que se assemelha a um grupo de extermínio é um comando de heróicos guerrilheiros.

“Eles chegaram às quatro e meia”, lembra Adriano. Os pais atendiam um freguês no balcão e ele falava ao telefone na parte dos fundos quando os tiros começaram. “Fiquei apavorado e subi correndo para o segundo andar, onde ficava a casa da família. Esperei uns dois ou três minutos intermináveis e me aproximei da janela que dava para a rua”. Três jovens sairam pela porta da frente e entraram num carro estacionado metros além. Adriano desceu e viu o pai estirado numa poça de sangue, ao lado da mãe com o avental branco manchado de vermelho.

Ele se espantou com a versão dos matadores nos depoimentos à Justiça: haviam cometido um crime político. É o que acha o governo brasileiro, espantou-se mais ainda 30 anos depois daquela tarde, ao saber da decisão do ministro Tarso Genro. Punido pela participação no assassinato de Sabbadin e de mais três “contrarrevolucionários”, Battisti foi inocentado pelo juiz ocasional, que o promoveu a “refugiado político” e pôs na conta das motivações ideológicas o prontuário de um ladrão vocacional com mestrado em latrocínio.

Na Itália dos anos 70, não havia tiranias a combater ou déspotas a derrubar. Muito menos guerrilheiros dispostos a matar ou morrer pela liberdade. Textos produzidos pelo grupo entre 1976 e 1979 comprovam que Battisti e seus comparsas roubaram e mataram para implantar a ditadura. O atrevimento de Tarso, avalizado pelo presidente, foi mais que um insulto à Itália. Foi também a reafirmação do menosprezo do governo Lula pela liberdade, pela democracia e por outros caprichos burgueses.

Cumpre ao STF corrigir o erro premeditado de Tarso Genro. Se a extradição for recusada, o PCC não pode esperar um só dia para trocar esse Primeiro Comando da Capital da certidão de batismo por um bem mais conveniente Partido dos Comunistas Convertidos. O primeiro nome costuma dar cadeia. O segundo permite roubar e matar sob a proteção do governo brasileiro.

Cinco ministros subordinam o STF ao Grande Juiz do Planalto (19 de novembro de 2009)

“Decisão do Supremo não se discute, cumpre-se”, vivia repetindo Ulysses Guimarães. Uma boa frase e um evidente exagero. Como tudo o mais, em países democráticos também decisões do Supremo Tribunal Federal estão sujeitas a discussões, debates e, se for o caso, críticas veementes. Quanto ao que vinha depois da vírgula, nenhum reparo a fazer: o que foi resolvido pelo STF é coisa para se cumprir. Supremo, segundo o dicionário, é “o que está acima de tudo”.

Não necessariamente, relativizou a espantosa decisão de entregar ao presidente da República o julgamento em última instância do caso Cesare Battisti. Na primeira parte da sessão desta quarta-feira, por 5 votos a 4, o tribunal resolveu que os crimes cometidos por Battisti não têm caráter político e aprovou o pedido de extradição formulado pela Itália. Na segunda parte, pela mesma contagem, ressalvou que, por se tratar de “um caso de política internacional”, o que parecera uma sentença era uma autorização para que o delinquente italiano seja extraditado. A palavra final é de Lula.

Pela primeira vez na história, a Corte que, por ser suprema, deveria estar acima de tudo, colocou-se voluntariamente abaixo do chefe do Executivo. Se quiser extraditar o homicida condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana, Lula terá a bênção do STF. Também a terá se resolver que o terrorista de estimação do ministro Tarso Genro deve ficar por aqui. Mas não pode incluir Battisti na categoria dos refugiados políticos, porque a primeira etapa da sessão inverossímil anulou a promoção decretada por Tarso Genro. É o Brasil.

Incorporados desde o começo à trama costurada para livrar Battisti do cumprimento da pena, os ministros Marco Aurélio Mello, Carmen Lúcia, Eros Grau e Joaquim Barbosa ao menos agrediram a lógica com coerência. Derrotados na tentativa de rejeitar a extradição, os quatro se juntaram para os trabalhos de parto da criatura assombrosa: o Grande Juiz do Planalto. Mais desconcertante foi o monumento à contradição erigido pelo comportamento pendular de Ayres Britto.

Em 9 de setembro, o ministro afirmou que Battisti deveria ser extraditado por não ter sido movido por motivos políticos. Menos de três meses mais tarde, invocando motivos políticos, defendeu enfaticamente a ideia de transferir para Lula a palavra final. Entre uma sessão e outra, não foram acrescentados ao processo quaisquer indícios, evidências ou provas. A única novidade foi a incorporação à tropa dos advogados de defesa do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, que sugeriu a nomeação de Ayres Britto para a vaga no Supremo.

“O presidente é chefe de Estado e titular da política internacional”, tentou explicar-se o ministro. Se é assim, por que o STF andou desperdiçando tempo, dinheiro e a paciência dos brasileiros que pensam e pagam a conta? “O tribunal entra no circuito para garantir os direitos humanos”, complicou Ayres Britto. Difusas razões humanitárias provavelmente serão evocadas por Lula para driblar o tratado de extradição assinado pelos dois países.

“Não faz sentido entregar um perseguido ao carrasco”, declamou Tarso Genro. Foi exatamente o que fez o ministro da Justiça ao deportar para Cuba os pugilistas Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, capturados no Rio quando tentavam a fuga para a Alemanha. A misericórdia de Tarso é seletiva. Como é amigo de Battisti, estende-lhe a mão solidária que negou aos dois cubanos por ser amigo de Fidel Castro. Em ambos os casos, Lula avalizou as decisões do companheiro gaúcho.

O tratamento dispensado aos dois episódios informa que a subordinação do STF ao Executivo abre um precedente perturbador. Imagine-se, por exemplo, que os ministros tenham de julgar um caso semelhante ao dos cubanos, e decidam que um estrangeiro perseguido no país de origem merece viver em segurança no Brasil. Se quiser, Lula poderá deportá-lo. Nesta quarta-feira, o Supremo autorizou o presidente da República a fazer a opção pela infâmia sem nenhum risco de ser corrigido. É ele quem decide em última instância.

Revista Veja

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