20 de mai. de 2014

HOJE CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO POETA ACREANO J.G. DE ARAÚJO JORGE


J. G. DE ARAÚJO JORGE: UM ROMÂNTICO NA PRAÇA

Isaac Melo - A poesia sempre me fascinou. O mundo tem mais carência de poetas que de soldados. Porque a verdadeira revolução é aquela que se processa no mais íntimo de cada pessoa. O homem moderno busca o espaço, a lua, as fronteiras do universo; o poeta, por sua vez, continua sua perene viagem ao encontro do homem, de sua alma, de seu ser, de seu coração. O poeta não faz só versos. O poeta vibra com a vida, com a liberdade, com o amor, com a beleza. Quando o poeta escreve não escreve por si só, mas assume a responsabilidade de escrever pela humanidade. O poeta tantas vezes se faz consciência da humanidade, despertando-a quando vive os mais diversos pesadelos que afligem o corpo e a alma humana. Há poetas da razão e da emoção. Há poetas da alcova e da praça. Mas a poesia, embora aprisionada, sempre nasce livre. E a máxima do poeta é a liberdade.


A minha terra, onde também canta o sabiá, é o chão de um poeta grandioso como uma samaúma. José Guilherme de Araújo Jorge é filho de Tarauacá, nascido a 20 de maio de 1914. Seu pai, Salvador Augusto de Araújo Jorge, fora juiz municipal da comarca tarauacaense a partir de 1912. Anos depois, 1923, chefe de polícia em Rio Branco, nomeado por Arthur Bernardes. A casa dos Araújo Jorge ficava no “bairro” Leoncio de Andrade, na verdade, o seringal Foz do Muru, na confluência do rio Muru com o rio Tarauacá, em frente à cidade, adquirido depois pela família do escritor Leandro Tocantins, onde este viveu sua infância.

        Não cheguei de Ita, com alma palaciana,
        disposto a conquistar a grande capital,
        não invadi os jornais e suplementos
        construindo "igrejinhas" sem fiéis.

        Sou o poeta menor, o poeta humilde, sem história,
        que nasceu nesse Brasil grande, numa vila sem nome,
        pra lá, muito pra lá...
        - a vila de Tarauacá.

        Do poema “Canto do Poeta Menor”
        "Cantiga do Só" 2a edição, 1968.


J.G. e os irmãos**.
Foto: Clodomir Monteiro 
in Agência de Notícias do Acre
O pequeno José Guilherme viveu em Tarauacá até os sete anos de idade. O extinto Jornal Official, da então Vila Seabra, de 21 de Maio de 1916 (Ano I, No 6) fazia o seguinte registro: “Passou ontem o segundo aniversário do nascimento do interessante José Guilherme, filho do nosso ilustrado amigo Dr. Araújo Jorge, digníssimo Juiz de Direito da Comarca. A casa de s. Excia. esteve cheia todo dia, e foi servido lauto banquete aos seus muitos amigos. Desejamos que o Zé Guilherme cresça em sadiez e inteligência e de futuro como verdadeiro acreano que é, trabalhe pela felicidade e pelo progresso desta abençoada terra que o viu nascer”. O jornalista talvez não imaginasse que seu vaticínio um dia se tornaria realidade. E o “interessan-te” Zé Guilherme, com sua inteligência dilatada, se tornaria um dos poetas mais lidos do Brasil, quiçá, o mais lido à sua época.

Em Rio Branco, com a transferência do pai, José Guilherme passaria sua infância. Fora aí que fizera o curso primário, no grupo escolar 7 de Setembro. A capital acreana impregnara de muitas saudades e lembranças a memória do poeta. Assim versejou, ao lembrar o grupo escolar:

Grupo escolar 7 de Setembro
em 1929.

        Festa no Grupo Escolar:
        eu apache, ela duquesa,
        pulseirinha feito cobra
        que o preso fez na cadeia
        – tem meu nome, o nome dela, –
        coloco no braço dela,
        – primeira algema de amor.
        Santinho passado na aula
        castigo da professora,
        coisas que a gente não diz
        atrás do pano do palco.

        Do poema “Retratos da infância (dez anos)”
        “A Outra Face”, 1949.

A terra dos seringais, particularmente Rio Branco, mais que sua terra natal, muito impressionara o poeta. E dela nunca pôde esquecer, como revelam os versos:

        Onde estás Rio Branco, dos bois rodando nos varais
        das moendas do engenho, gementes,
        (Meu Deus! a tristeza castrada do olhar dos bois!)
        dos bois arrastando madeiras pra serraria,
        dos cajueiros carregados
        das mangueiras noivando
        dos cacaureiros da floresta,
        e daquele alto cajazeiro que pintava o chão das madrugadas
        com salpicos de ouro
        depois do vento da noite.

        (....)
  
        Rio Branco
        meu princípio
        sem fim,
        que não sei onde estás, mas sei que estás
        de onde vim.

        Do “Poema Acre-Doce”
        "O Poder da Flor", 1969.

No Rio de Janeiro, para onde se mudara, cursara o ensino secundário no ginásio Anglo-Brasileiro e nos colégios Anglo-Americano e Pedro II (neste, anos depois, se tornaria professor de História e Literatura); o superior, na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Sua vida estudantil foi marcada principalmente pela atuação no meio literário. Desde menino fora versado às letras e à oratória. Aos doze anos já escrevia seus primeiros poemas. No Colégio Pedro II, um dos mais renomados do país à época (autarquia Federal) e de grande tradição até hoje, despontou como líder estudantil e lançou seu nome na literatura. Fora o presidente e fundador da Academia de Letras e eleito Príncipe dos Poetas do Pedro II, sendo saudado, na ocasião, por Coelho Neto. Fundou ainda a Academia de Letras da Faculdade de Direito, da qual foi o primeiro presidente, cujo patrono era Afrânio Peixoto. Como estudante, participou de caravanas universitárias ao Chile, Argentina, Uruguai, Portugal (em Coimbra recebeu o título de "Estudante honorário"), França, Espanha, Bélgica, Holanda e Alemanha, onde realizou um curso de extensão.

Poesia e política se mesclam na vida e na obra de Araújo Jorge. Por suas posições políticas antifascistas, democráticas e socialistas sofreu inúmeras perseguições e fora preso inúmeras vezes, principalmente no período do "Estado Novo" (Era Vargas), enquanto estudante; e na ditadura de 64, enquanto poeta e político. Foi candidato a vereador e a deputado estadual e federal no antigo Distrito Federal (posteriormente estado da Guanabara), hoje Rio de Janeiro. Sendo eleito deputado federal em 1970, pela Guanabara, reelegendo-se para o terceiro mandato, em 1978. Político ativo, Araújo Jorge também combateu a ditadura: "Quando a crítica metia o rabo entre as pernas com medo da ditadura, e os poetas, como caramujos de jardim enclausuravam-se em hermetismos artificiais, lancei livros que o DIP apreendeu, participei de comícios dissolvidos a bala...". Era um poeta romântico, mas também um poeta da praça, um poeta da liberdade.

        Não faz mal. De mãos dadas com o povo,
        como em noite de lua
        faço ciranda na rua.

        Do poema “Canto do Poeta Menor”
        "Cantiga do Só" 2a edição, 1968.

Araújo Jorge colaborou e dirigiu inúmeros jornais, além de manter, por vários anos, programas literários, transmitidos principalmente pelas rádios Eldorado, Tupi e Nacional do Rio de Janeiro. Sua popularidade, sobretudo entre os jovens, lhe rendeu o título de Poeta do Povo e da Mocidade. Sua poesia se destaca tanto pela mensagem social e política quanto pelo lirismo, impregnada de grande romantismo moderno, que chega até ser dramático. E a maior prova disso é o seu livro "A SÓS...", a maior expressão romântica de sua poesia, de um profundo lirismo, que conquistou o coração de milhares de leitores. Sabia como tocar os corações por meio de sua poesia permeada de paixão e romantismo.

Produziu muito e com qualidade. Possui 36 obras publicadas entre os mais variados gêneros: poesia, trova, ensaio, crônica, coletânea, etc. Muitas também publicadas em diversos países. Somando todas as suas obras, a tiragem chega a milhões de exemplares. Fato raro e marca que poucos autores brasileiros alcançaram. Os que viveram à época do poeta são unânimes em afirmar, Araújo Jorge foi o poeta mais lido no Brasil, e consequentemente um dos mais combatidos também. Nunca pude compreender como um poeta do porte de um Araújo Jorge fora “silenciado” pela grande crítica brasileira, ele que é digno de figurar ao lado de um Castro Alves, um Olavo Bilac e mesmo um Carlos Drummond de Andrade.

O poeta nunca esqueceu sua terra, sua gente, o chão que o pariu e o nutriu em seus primeiros anos de vida. Olga Percário, uma das responsáveis por manter o site que conserva e divulga a poesia de Araújo Jorge, me escrevera certa ocasião afirmando que ele sempre alardeava e dizia com muito orgulho "Sou Acreano". E isso demonstra os belos poemas que dedicou ao Acre. Camilo Castelo Branco uma vez disse que a poesia não tem presente: ou é esperança ou é saudade. Para Araújo Jorge foram as duas coisas. Nutria um grande desejo de esperança de vida melhor para o seu povo ao mesmo tempo em que era tocado pelas reminiscências de sua infância no Acre.

Sua poesia, além de pronfundamente romântica, é marcada por um enorme senso de humanidade e por uma crítica social consistente, onde o homem exerce papel central. Proclamava o poeta: "a liberdade do futuro será a do homem sem medo da vida, dispondo da educação, da saúde, da terra, dos meios de trabalho, como de ar ou de sol, em igualdade de condições". Sua mensagem ainda se conserva atual, e urgente. Soa como um apelo a se repensar nossa maneira de ser e agir, diante de uma sociedade cada vez mais desigual, e mesmo desumana.


Assim foi José Guilherme de Araújo Jorge, um poeta romântico, um utópico, um político, um homem que buscou na própria vida, e na realidade que o cercou, a inspiração para sua poesia. Sempre romântico, porém, lúcido com a realidade social humana. Continua a fazer milhares de corações vibrarem e suspirarem de amor, de paixão e de indignação frente às injustiças, mesmo há anos de seu último suspiro, ocorrido no Rio de Janeiro, terra que abraçou com imenso amor, no dia 27 de Janeiro de 1987. E viva! Vive o Poeta do Povo e da Mocidade.

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