13 de ago. de 2014

CICLISTA SÓ PODE USAR O LADO DIREITO DA VIA?

Ciclista na faixa da esquerda, aguardando o semáforo para
acessar a ciclovia do canteiro central: dentro da lei.
VADE BIKE/WILLIAN CRUZ  - Em uma reportagem sobre ciclovias (junho de 2008), Danilo May, leitor da Folha e deste blog, encontrou na frase final algo que considerou uma incoerência: a afirmação de que o ciclista deve usar apenas a margem direita da pista. Danilo enviou mensagem ao Ombudsman, que consultou o jornalista responsável pela matéria.

A primeira impressão, principalmente para alguém que nunca utilizou a bicicleta como meio de transporte, é de que o ciclista deve mesmo usar sempre o lado direito da via, por ser um veículo mais lento. Esse pensamento orientou a justificativa do repórter:

Em uma leitura estrita, o argumento do leitor aparenta ter alguma pertinência. O Código Brasileiro de Trânsito diz o seguinte:Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.Porém, o inciso IV do artigo 42 diz o seguinte:
IV – quando uma pista de rolamento comportar várias faixas de circulação no mesmo sentido, são as da direita destinadas ao deslocamento dos veículos mais lentos e de maior porte, quando não houver faixa especial a eles destinada, e as da esquerda, destinadas à ultrapassagem e ao deslocamento dos veículos de maior velocidade;

Deste modo, ao informar que “Enquanto as ciclovias não chegam, o ciclista deve respeitar as leis de trânsito: andar pela margem direita, no mesmo sentido da via”, procurei fazer uma interpretação do Código de Trânsito que levasse em consideração o bom senso no uso da via. Deste modo, sinceramente não creio que seja o caso de erro de informação.


Leia também

Direito e necessidade
Ok, vamos desmitificar esse assunto.

- O Art. 58 diz que as bicicletas podem usar OS bordos da pista. A pista tem dois bordos, o esquerdo e o direito.

- O inciso IV do art. 29 (e não 42) diz que as faixas da direita são destinadas aos veículos mais lentos E de maior porte (não OU de maior porte).

Com base nesses dois trechos, conclui-se que o inciso IV do art. 29 determina que veículos LENTOS E DE GRANDE PORTE (ônibus, caminhões, escavadeiras e tanques de guerra) usem a pista da direita. Acrescente-se a isso o argumento citado pelo Zé Lobo, da ONG Transporte Ativo: “O inciso IV do artigo 29 diz que a faixa da direita é dos veículos mais lentos. Mas não por velocidade final e sim por velocidade na via. Em vias engarrafadas, a bicicleta normalmente é o veículo mais rápido. Logo, a justificativa não faz sentido.”

Concordo com a avaliação do jornalista de que o lado direito é mais seguro para os ciclistas, afinal na pista da esquerda os veículos geralmente transitam com maior velocidade. Entretanto, há situações específicas em que o bordo esquerdo se torna mais seguro (desde que, é claro, a via seja de mão única). Vamos a três delas:

Carros estacionados apenas à direita

Com carros parados na faixa direita, o ciclista precisa se posicionar a uma distância que o proteja da abertura de portas. Em uma rua de mão única, com duas faixas livres, onde os carros não trafeguem em velocidade, seria mais coerente e seguro usar a da esquerda, para não precisar se posicionar exatamente no meio da rua, ocupando menor espaço viário e eliminando o risco da abertura de portas.

Apesar disso, entendo como mais seguro ocupar toda a faixa direita, logo após a zona de abertura de portas, por um motivo muito simples: os motoristas não aceitam o ciclista na esquerda, por não entender que está dentro de seu direito e que seu posicionamento ali é mais seguro e afeta menos o trânsito, desde que o motorista não exceda o limite de velocidade.

Desvio ou conversão à esquerda

O motorista de um carro que queira pegar um desvio à esquerda, em uma grande avenida, precisa ir se deslocando aos poucos nessa direção. Sair da direita na última hora para cruzar a avenida pode ser desastroso.

Como por questões de velocidade relativa e de segurança no trânsito o ciclista não pode mudar aos poucos de faixa, como faz quem está dirigindo um automóvel, o melhor procedimento é se conservar na esquerda desde quando puder fazê-lo, preferencialmente no semáforo que antecede a conversão necessária, de modo que ele já se encontre na pista correta ao chegar na altura da saída que precisa pegar. Sinalize o quanto possível sua intenção de virar à esquerda, para explicar aos motoristas que vêm atrás por qual motivo você está ali.

Medindo com a régua errada
Há detalhes que só são percebidos por quem utiliza a bicicleta como meio de transporte. Opinar com base unicamente na experiência de motorista pode, por vezes, soar como um pianista dando sugestões a um flautista sobre a força com a qual ele deve apertar os furos da flauta.

O problema em dizer em uma matéria aberta ao grande público que o ciclista DEVE usar o bordo direito é incutir na cabeça dos motoristas que o ciclista que estiver no lado esquerdo da pista está automaticamente errado.

Ainda assim, evite usar a esquerda
Em uma rua onde a circulação se dá em velocidades moderadas, se os motoristas circularem dentro dos limites de velocidade, o ciclista na esquerda impactará menos que na segunda faixa para não interferir com os ônibus ou para fugir da zona de portas.

Mas, como bem demonstrou o repórter da Folha, muitos motoristas ainda têm grande dificuldade em compreender e principalmente aceitar uma bicicleta na faixa da esquerda. E sabemos muito bem que há certos tipos de motorista que, apoiados pela impunidade, punem com buzinas, atitudes agressivas e ameaças de atropelamento os ciclistas e pedestres que eles acreditam estar fazendo uso incorreto da via. Como se as supostas infrações de trânsito (ou até mesmo as reais) fossem tão graves que merecessem ser punidas com morte ou mutilamento imediatos.

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