26 de nov. de 2010

MANDIOCA ENERGÉTICA, DO SILÊNCIO À PRÁTICA UM ANO DEPOIS

Projeto acreano contempla o mercado local de mistura do etanol de mandioca à gasolina, em torno de 25%. Produziria, assim, o seu próprio álcool hidratado para acionar geradores de energia elétrica em comunidades isoladas.

MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias

 
 



MANAUS (AM) e BRASÍLIA – O ato da assinatura do projeto de geração de energia elétrica a partir do etanol de mandioca, em Itacoatiara (AM), nesta quinta-feira (25) teve um simbolismo especial para Amazônia: apesar de o governo federal não ter ainda incluído essa cultura na matriz energética nacional, a Centrais Elétricas Brasileiras S/A (Eletrobras) deu a primeira arrancada rumo à produção desse etanol, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Inedes), Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e a Vale Soluções em Energia (VSE). A inclusão da mandioca atenderia à principal recomendação do 13º Congresso Brasileiro da Mandioca de 2009, em Botucatu (SP).

Em Vila de Lindóia, pequena comunidade no município de Itacoatiara, a 177 quilômetros de Manaus, esse grupo instalará dois geradores modificados, de 250 quilowatts (kW) cada, na usina concessionária de energia elétrica. O projeto custa R$ 3,8 milhões e tem prazo de 27 meses para execução. Os primeiros resultados da produção saem em dez meses, estima-se.

Essas máquinas serão abastecidas com etanol produzido na Fazenda Experimental da Ufam, localizada na rodovia Manaus-Caracaraí-Boa Vista (BR-174).  Utilizando a mais alta tecnologia mundial, o pólo energético alternativo será acionado on line, ou seja, com transmissão de dados via internet para a base em Manaus.

O uso do etanol de mandioca na produção de energia elétrica fora reivindicado há pouco mais de um ano pelo senador Tião Viana (PT-AC), durante reunião com os gerentes de Planejamento e Engenharia, Ademar Palocci, e de desenvolvimento Energético das Comunidades Isoladas, Ércio Muniz Lima, ambos da Eletrobras.

Naquela ocasião, Viana levava para análise da estatal dois fatores altamente positivos: 1) o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargem), Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho havia concluído com êxito a transformação da massa da mandioca (inclusive da variedade açucarada, do Pará) em etanol, numa experiência feita no barracão da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF); 2) projeto idealizado pelo doutor em energia renovável, Diones Assis Salla, do Acre, demonstrava a possibilidade da construção de uma microdestilaria para o processamento de raízes de mandioca colhidas por famílias de pequenos agricultores no Vale do Juruá.

O senador levou para aquela audiência na Eletrobras o deputado Fernando Melo (PT-AC) e o engenheiro agrônomo Diones Salla. Com estudos em mãos, disseram ao coordenador corporativo de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do Sistema Eletrobras, José Carlos Medeiros, que se tratava de um projeto simples, porém, capaz de revolucionar o fornecimento de energia para pequenas comunidades isoladas. “Uma tecnologia, que se obtiver sucesso poderá ser exportada”, assinalava Tião Viana.

Por que razão? O projeto acreano contempla o mercado local de mistura à gasolina, em torno de 25%, facilitando a produção do seu próprio combustível, o álcool hidratado a ser usado para acionar motores geradores de energia elétrica em comunidades isoladas. Custo inicial: R$ 1,4 milhão.
O presidente da Eletrobras Amazonas Energia, Pedro Carlos Hosken Vieira, assina o projeto de geração de energia elétrica por meio de etanol produzido da Mandioca /DIÁRIO DO AMAZONAS

  Etanol cresce 11% ao ano

O estudo de Diones Salla entusiasmou Ércio Lima, um apaixonado por energias alternativas. Na reunião, à qual também comparecia o então presidente da Eletrobras, Jorge Nassar Palmeira, Lima prometia estudar a possibilidade de introdução da agroenergia “de uma maneira justa” na matriz energética brasileira.

O Plano Nacional de Energia prevê investimentos de R$ 90 bilhões em grandes hidrelétricas, o que agregaria mais de 34 mil megawatts ao sistema até 2016. Hidrelétricas e energia nuclear são modelos que vêm encontrando cada vez mais resistência de ambientalistas. Para o etanol, estima-se um crescimento de 11% ao ano, bancado pela redução de impostos e outras medidas.

“A única restrição a esse modelo se deve à rejeição do cultivo de cana-de-açúcar em biomas da Amazônia e do Pantanal, por agredir o ambiente”, justificava Salla. A matriz energética brasileira de fontes renováveis, incluindo hidrelétrica, é de 45%, contra 16% da média nacional e 6% apenas nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

O pesquisador da Embrapa Biotecnologia, Luiz Castelo Branco, e o agrônomo Diones Salla: mão na massa durante a transformação da mandioca em etanol, na experiência feita em 2009 /MONTEZUMA CRUZ

 Clique aqui para conhecer a análise energética de sistemas de produção de etanol de mandioca, cana-de-açúcar e milho, feita pelo doutor em agroenergia Diones Salla.
 FATOS E NÚMEROS ACREANOS

■ A cultura da mandioca tem robustez, presença abundante nos municípios, elevada tolerância à estiagem, pragas, fogo, e ao excesso de chuvas, bons rendimentos mesmo em solos de baixa fertilidade, baixa exigência em insumos modernos. É a melhor alternativa para reutilização das áreas degradadas.
■ No Acre cultiva-se e colhe-se mandioca em qualquer época do ano. Sua energia tem baixo impacto ambiental.
■ Jordão, 6,3 mil habitantes, na confluência dos rios Tarauacá e Jordão, é um dos municípios indicados pelo projeto acreano para sediar microdestilarias.

■ A 640 quilômetros de Rio Branco, Jordão paga caro pela gasolina: mais de R$ 5 o litro. Uma viagem de barco entre Jordão e Tarauacá demora cinco dias. A passagem de avião para Rio Branco custa R$ 400.

■ O cientista Diones Salla alerta que Santa Rosa do Purus e Marechal Thaumaturgo também se beneficiarão, porque estão próximos e também possuem lavouras de mandioca.

■ O senador Tião Viana considera essencial que a Amazônia tenha condições de produzir, cada vez mais, energias limpas. O projeto acreano viabiliza essa oportunidade, porque consolida o respeito aos biomas e ecossistemas.




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