Especialista critica ideias do grupo e defende um amplo debate sobre a questão racial por parte da direita brasileira
Para divulgar suas descobertas após a leitura de uma série de livros, Patrícia fez a página no Instagram “Preta de Rodinhas”. Ela ainda tem o curso Mulher, raça e classe, no qual aborda aspectos raciais e políticos do feminismo, além de expôr o que pensam as mulheres que não pertencem ao movimento.
A Oeste, Patrícia relembrou seu passado de militante, discorreu sobre os problemas do feminismo e orientou a direita a tratar a questão do racismo.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
1 — Como a senhora começou a se interessar pelo feminismo?
A minha fase feminista durou menos de um ano, entre 2016 e 2017. Desinteressei-me pelo ativismo quando percebi que o movimento não é adequado para as mulheres negras. Percebi no ativismo que havia somente um perfil que o feminismo entendia como mulher. Pensei: sou uma mulher preta e pobre, isso não é para mim. Além disso, algumas falas das militantes se diferenciavam do que eu acreditava. Por isso, passei a ler mais sobre o assunto a partir da ótica da exclusão da mulher negra do feminismo. Descobri que o meu problema com o feminismo estava além da questão da mulher preta e envolvia questões epistemológicas, sociológicas e filosóficas. Concluí que o feminismo não tem nada a ver comigo ou com outras mulheres.
2 — Qual é o maior problema do feminismo?
O mal que ele faz aos homens. A nossa geração é a mais fragilizada e emasculada. Até mesmo nas políticas públicas o feminismo consegue ser influente, obrigando o governo a direcionar pautas para as mulheres. Isso foi muito importante no decorrer da história, mas hoje não é tão necessário. Por exemplo: as políticas públicas de educação têm programas com foco nas mulheres. Atualmente, as mulheres correspondem a quase 55% do ensino superior. Os homens estão atrás delas, mas o Estado continua investindo em mecanismos para apenas um lado da moeda. O feminismo cria um lobby na estrutura estatal para ignorar os problemas masculinos, que são muitos. Os homens são os que mais morrem, evadem da escola, entre outros problemas.
3 — Existe “feminismo negro”?
Sim. Trata-se de uma vertente desenvolvida na segunda onda do feminismo, entre 1960 e 1970. As mulheres negras observaram que suas demandas não estavam sendo atendidas pelo feminismo. O movimento se preocupava somente com o sexismo e ignorava o racismo. Assim, nasceu uma vertente chamada de “feminismo negro”. Naquele contexto, existia um machismo no movimento negro e o racismo no feminismo. Atualmente, não entendo o porquê da necessidade desse feminismo negro, sendo que há diversas intelectuais negras que poderiam formar um movimento qualquer que não fosse o feminismo negro. Existe uma epistemologia chamada de “mulherismo africana”, desenvolvida pela professora dos EUA Clenora Hudson, que entende que o feminismo negro é uma contradição. No “mulherismo africana”, a família e o homem não são opositores da mulher, ao contrário do feminismo que enxerga no homem o “pecado original”. Ao analisar toda a situação do racismo no feminismo, faz mais sentido que a mulher negra se aproxime desse “mulherismo africana”. A professora Djamila Ribeiro, a principal liderança do feminismo negro do Brasil, já disse várias vezes que foi vítima de racismo no movimento. Na história, o feminismo apoiou uma política eugenista em vários países, como: Índia, Costa Rica, México e os EUA. Existe um perfil de mulher desenhado para o feminismo e ele é uma mulher branca e de classe média.
“A esquerda se apropriou da pauta racial porque a direita nunca quis sentar para discutir o tema”
4 — Você diz que faz uma abordagem negra do feminismo. Por quê?
Não falo sobre minha opinião, mas sobre o que aconteceu. Na história, temos a ativista Margaret Sanger, que apoiou o controle de natalidade nos EUA e tornou-se a fundadora da primeira clínica de aborto do país. Dezenas de mulheres latinas e negras foram esterilizadas à força com o endosso do feminismo. Isso não é uma opinião, está na história. Além disso, na primeira onda do feminismo, temos as sufragistas que soltaram todos os impropérios racistas quando os homens negros ganharam o direito ao voto. As grandes sufragistas, como Elizabeth Stanton e Lucretia Mott, não admitiram que os homens negros conseguissem o voto antes delas. Para elas, era um afronto civilizacional. Os homens só conseguiram votar porque foram para a guerra. As sufragistas da primeira onda não queriam o voto para todos, mas somente para elas.
5 — Como a direita brasileira pode tratar a questão racial?
Primeiramente, ela tem de reconhecer que o racismo existe. A esquerda se apropriou da pauta racial porque a direita nunca quis sentar para discutir o tema. Só tem um lado do espectro tomando conta do pior jeito possível. Até os negros de esquerda falam que a esquerda não é antirracista. A ativista negra Sueli Carneiro, na década de 80, já visitava comícios do PT para falar sobre isso. E mesmo com tudo isso, a esquerda é a única que ainda dá alguma sinalização sobre o tema racial. No entanto, o conservadorismo inglês e o americano não tratam o racismo como “mimimi”. Só no Brasil é assim. Se a esquerda trata esse tema com esquizofrenia, a direita também tem parte por ignorar o racismo. A esquerda sequestrou o tema racial porque a direita nunca quis participar dele. Quando a direita começar a pautar esse debate, a esquerda vai acabar.
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