12 de nov. de 2024

Conflito Tecnológico: como a competição pela indústria de chips molda o cenário geopolítico global


victormunizps@yahoo.com


Por Victor Muniz Pereira da Silva - Os Estados Unidos estão investindo bilhões de dólares na construção de novas fábricas de chips. O Japão está fechando uma parceria com a TSMC, a maior fabricante de chips do mundo. A China continua investindo na YMTC, principal produtora do país de chips de memória NAND. Já a Alemanha planeja inaugurar a primeira fábrica da TSMC na Europa. Essa competição para garantir a soberania na produção de chips é mais antiga do que parece.


O começo da corrida

A primeira empresa fabricante dos primeiros chips de silício, a Fairchild Semiconductor, começou como uma parte da Fairchild Camera and Instrument, empresa fornecedora das câmeras do exército e da aeronáutica dos Estados Unidos. Seus contratos iniciais nas décadas de 50 e 60 foram feitos com a NASA para desenhar os computadores do programa Apollo, o primeiro lote de semicondutores foi vendido para a IBM que trabalhava no computador de bordo do bombardeiro supersônico B-70. O que fala muito sobre de onde veio o dinheiro que criou e financiou o Vale do Silício.

O artigo “The Experts Look Ahead” de Gordon E. Moore, publicado em 1965 na revista Electronics, é um dos marcos na história da tecnologia, onde Moore formulou o que mais tarde ficou conhecido como a Lei de Moore. Neste trabalho, ele previu que o número de transistores em um circuito integrado dobraria aproximadamente a cada dois anos, levando a uma aceleração exponencial na capacidade computacional e na miniaturização dos componentes eletrônicos.

Moore analisou a evolução dos circuitos integrados até aquele momento e projetou seu crescimento futuro, antecipando que essa tendência continuaria por décadas, tornando os computadores mais rápidos, menores e mais acessíveis.

Em uma época em que os Estados Unidos e a união Soviética competiam na fabricação de mísseis nucleares, reduzir o custo de fabricação dos mísseis através da redução dos custos de fabricação dos chips, porém com o aumento de sua eficiência, era uma forma extremamente eficaz de superar o arsenal do inimigo.

O pioneirismo do Vale do Silício foi o diferencial nessa competição. O que fazia com que, mesmo que a União Soviética copiasse os chips americanos, eles ainda estariam alguns anos atrás na capacidade de produção.


O cenário atual da fabricação de chips

No mundo moderno, existe apenas uma empresa capaz de produzir as máquinas de litografia em ultravioleta extremo (EUV): a ASML. Essas máquinas são essenciais para a fabricação dos microchips mais avançados da atualidade, com cada uma custando entre US$ 100 milhões e US$ 200 milhões.

Elas permitem a gravação de circuitos extremamente pequenos em wafers de silício, criando os transistores que formam os processadores modernos. O funcionamento dessas máquinas é complexo e envolve uma combinação de luz ultravioleta extrema, alta precisão mecânica e ambiente de vácuo.

As máquinas de litografia EUV da ASML representam o ápice da tecnologia de fabricação de semicondutores, permitindo a criação de transistores minúsculos e altamente eficientes. Elas são essenciais para manter a Lei de Moore e continuar a evolução dos dispositivos eletrônicos. No entanto, a sua complexidade técnica e o altíssimo custo de produção fazem delas um recurso escasso e altamente estratégico na cadeia global de suprimentos de chips.

As máquinas de litografia em ultravioleta extremo (EUV), fabricadas exclusivamente pela ASML, são essenciais para a produção dos chips mais avançados. As principais empresas que utilizam essa tecnologia na fabricação de semicondutores são TSMC e Samsung.

Ilustração mostra o caminho óptico da luz dentro da ferramenta de litografia de semicondutores das máquinas ASML

TSMC: A gigante dos chips e o papel estratégico do governo de Taiwan

A TSMC foi pioneira no modelo de negócio de pure-play foundry, concentrando-se exclusivamente na fabricação de chips para outras empresas (como Apple, AMD, Nvidia, Qualcomm), sem competir diretamente com elas no design ou desenvolvimento de produtos. Esse foco a permitiu capturar uma grande fatia do mercado, pois empresas de design de chips (fabless) preferiam terceirizar a produção de semicondutores para uma empresa confiável e neutra.

Fundada em 1987, é hoje a maior e mais avançada fabricante de semicondutores do mundo. Sua criação e sucesso estão intimamente ligados a uma visão estratégica do governo de Taiwan, que desempenhou um papel crucial no desenvolvimento da indústria de tecnologia no país. Na década de 1980, Taiwan estava em um processo de transição de uma economia agrária para uma economia industrial e tecnológica. O governo de Taiwan reconheceu a necessidade de diversificar sua economia e investir em indústrias de alta tecnologia para garantir crescimento econômico e independência tecnológica. A indústria de semicondutores, essencial para produtos eletrônicos, foi identificada como uma área estratégica.

O apoio contínuo do governo, por meio de investimentos, incentivos fiscais, infraestrutura e políticas educacionais, foi essencial para o desenvolvimento da empresa. Hoje, a TSMC é líder global em fabricação de chips, uma posição que tem profundas implicações econômicas e geopolíticas.


EUA: Dependência e ação estratégica

Para os Estados Unidos, a dependência dos chips produzidos pela TSMC é vista como um risco à segurança nacional. Chips avançados, produzidos em grande parte em Taiwan, são utilizados em diversas indústrias estratégicas dos EUA, desde o setor militar até o de tecnologia de ponta. Preocupado com essa dependência, o governo norte-americano tem tomado medidas para reduzir a concentração da produção em Taiwan.

Em 2022, os EUA aprovaram o CHIPS Act, destinando bilhões de dólares em subsídios para estimular a fabricação de semicondutores no território americano. Como parte dessa estratégia, a TSMC está construindo uma nova fábrica no Arizona, fortalecendo a produção doméstica de chips nos EUA e reduzindo a vulnerabilidade da cadeia de suprimentos americana.


China: Ambições e tensões com Taiwan

Para a China, Taiwan representa muito mais do que uma questão territorial. O controle da ilha significaria o domínio direto sobre a TSMC e suas tecnologias avançadas de semicondutores. A China, que ainda depende da importação de chips de alta performance, vê a indústria de semicondutores como essencial para seu desenvolvimento tecnológico e militar.

Pequim, no entanto, enfrenta uma barreira importante: as restrições impostas pelos EUA. O governo norte-americano proibiu a venda de máquinas de litografia EUV, fabricadas exclusivamente pela holandesa ASML, à China, o que impede o país de produzir chips com nós menores que 7 nm.

Além disso, a crescente presença militar da China no estreito de Taiwan e as ameaças de reunificação forçada elevam as tensões na região, criando um cenário de insegurança sobre a estabilidade da produção de chips na ilha.


Impacto geopolítico global

A disputa por semicondutores transcende a rivalidade entre os EUA e a China. A dependência mundial de chips fabricados em Taiwan e a possibilidade de um conflito militar na região criam incertezas significativas para a economia global. A interrupção da produção de semicondutores na TSMC, seja por razões geopolíticas ou militares, poderia causar uma crise de fornecimento em indústrias que vão desde automóveis até eletrônicos de consumo.

Diante desse cenário, países como o Japão, Coreia do Sul, Alemanha e até os Estados Unidos estão investindo em novas fábricas para diversificar a produção e reduzir a dependência de Taiwan. A corrida por semicondutores está cada vez mais intensa, e a segurança econômica global depende, em grande parte, de quem controlará essa tecnologia no futuro.

No centro da crescente tensão geopolítica sobre semicondutores está Taiwan e sua líder mundial, a TSMC. Enquanto os EUA buscam proteger sua cadeia de suprimentos e manter a liderança tecnológica, a China vê o controle de Taiwan como uma questão estratégica fundamental. Esse embate entre as duas potências coloca a fabricação de chips no centro de uma disputa que vai além da economia, envolvendo poder, soberania e segurança global.

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