Saudade – marcas no peito do que foi bom; marcas feitas de tal jeito que nem o tempo apagou as saudades que já tive: lembranças da mocidade que em meu peito sempre vive!
Que pensam quando me olham? Um velho triste de noventa anos, driblando o sofrimento com seus olhos fixos ao longe?
O velho que não consegue subir a escada, que já não pode fazer um pequeno esforço?
Será isso que os Irmãos acham, é isso que os amigos vêem?
Se assim for, abram os olhos, Irmãos, porque isso que vêem não sou eu!
Vou lhes dizer quem sou.
Sentado aqui, tão tranquilo, sereno e conciliador, próprio daqueles que estão em paz com a consciência. Sou o homem que fez a escalada das florestas do Acre, onde nasci, aos belos planaltos de Goiás.
Pelas paisagens marcadas por montanhas de Minas Gerais, aos Pampas gaúchos até, por fim, estacionar na Capital paulista, centro maior da cultura do país.
Sou o homem que do Acre, cuja bandeira nas cores verde e amarela simbolizam as matas e as riquezas minerais do estado. O vermelho da estrela representa os brasileiros mortos em lutas contra bolivianos na disputa pelo Acre. Maior produtor brasileiro de borracha e de castanha-do-pará. Rumo ao Sul, removendo obstáculos, tornei-me educador, plantando escolas. Perseverante como as ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço. Não desfraldei outras bandeiras que não a da Educação.
Sou um menino nascido onde se localiza o último povoamento do Brasil a ver o sol nascer, na serra da Moa, divisa com o Peru; talvez seja este um dos maiores orgulhos de minha vida. Quando me lembro da cidade em que nasci, Tarauacá, minha alma se aquebranta e se entristece, e docemente ponho-me a sonhar... É o meu mundo infantil, doce esperança que para trás ficou no pó dos tempos, num suave e meigo sonho de criança; um sonho todo feito de ilusões, coisas do passado que gosto de relembrar: o rio cheio, alagado, e a criançada a nadar; joguei bola de gude, sapatos engraxei, vendi cocada, briguei... levei e dei muita pancada, Vejo papai, mamãe, os irmãozinhos, que amo. Sinto no peito uma saudade infinda, e uma vontade louca de chorar. Sai de lá menino de sete anos, indo morar com uma tia no Rio de Janeiro.
Aos 11 anos fui internado no Colégio de Caraça, em Minas Gerais , Seminário Escola Apostólica Santa Catarina de Siena, tendo lá fundado um jornalzinho denominado Labor da Paz, obra onde transcrevia minhas trovas e poesias. Passando lá alguns dos mais puros anos de fé, de estudos, de esperança. Mas o Seminário não era meu caminho.
Sou um jovem professor primário de 20 anos com asas nos pés, e sonho encontrar meu futuro. O coração salta nas lembranças, quando fiz a promessa que me une até o fim dos meus dias com o amor pelos estudos.
Aos 37 anos, produzi meu primeiro livro (romance) O RIACHÃO (1956), relançado em segunda edição em São Paulo e em Goiânia.
Aos 46 anos posso dizer que recomecei minha vida. Uma grande mulher, Lazinha, nos seus 21 anos me encantou com o amor que liga nossos corações e tem-nos feito andar juntos pela vida. Tristezas, alegrias, emoções, nos unem sempre mais. Pela estrada do tempo, com trabalho, muita lida, atravessando invernos e verões, juntos cada vez mais, nossa filha Cristina, que não posso esquecer, foi a alegria maior de nossa união. E para não deixar de falar em anjos, por que não dar graças pela vinda de nossos netos Larissa e Rafael? Por isso nada neste mundo eu troco pela glória de ser avô.
Aos 55 anos, depois de passar por numerosas experiências, ingressei na Ordem Maçônica. No princípio, uma incógnita, um segredo; caminha-se em completa escuridão
– ouvem-se vozes, a incerteza, o medo, no peito, pulsa forte o coração. Toda uma história, cujo belo enredo nos traz à mente grande confusão; às vezes, caminhando, às vezes, envolve-nos estranha solidão.
Mas, de repente, alguém que nos conduz, obedecendo a uma ordem imperiosa, nos auxilia a recobrar a luz. E chega ao fim a bela liturgia e aquela encenação maravilhosa, diante da qual a alma se extasia. E minha própria alma recebe a Luz da sua natureza divina. Sou agora Maçom, ou melhor – meus Irmãos da Fraternidade - passaram a me reconhecer como Maçom. Da Sublime Ordem sou seu cavaleiro e a serviço dela minha espada foi consagrada. Que eu possa, então, ser um digno guerreiro de uma causa digna. Sabendo, porém, que sou pedra bruta lançada à beira da estrada, mas vale toda uma luta para vê-la desbastada.
Disse-lhes que em minha vida não havia outra bandeira senão da Educação? Não!
Agora tenho.
Entrei para a Maçonaria e fiquei tão fascinado pela sua beleza que decidi dedicar-lhe todo meu tempo, minha vida. Hoje eu não olho para trás com saudade, nem para frente com medo, eu olho ao redor com satisfação, estou entre amigos dedicados e leais;
verdadeiros Irmãos, prontos a auxiliar-me nos transes mais difíceis de minha vida, desde que observe escrupulosamente, as nossas leis.
O que eu posso dar de presente de mim para vocês? Nada ou quase nada. Se escrevendo realizo algo que agrade e vocês recebam como meu presente, estarei convidando a vocês entrarem no meu sonho, o divido com vocês.
Os 73 anos criei o Boletim IOD. De início denominava-se “Boletim Ponto no Espaço”.
Pois foi criado com o intuito de incentivar os Irmãos da Loja a escreverem, a colocar no papel seus conhecimentos para maior divulgação dos ensinamentos da Arte Real. Em seu editorial nº 1, para que saibam quais eram nossas intenções iniciais, afirmamos: “A
Maçonaria é, sem dúvida, uma verdadeira universidade e, cada Loja, uma faculdade onde se estuda um maravilhoso conjunto filosófico, através do qual o maçom procura crescer intelectual, moral e espiritualmente. Pensando assim, resolvemos criar este Boletim cujo
intuito primeiro, ao lado do congraçamento entre os irmãos, é publicar trabalhos que possam auxiliar-nos no aprimoramento intelectual.
Pretendemos reservar uma página para nossos poetas e trovadores e desejamos publicar trabalhos de nossas cunhadas, sobrinhos e sobrinhas. Como este é um boletim para distribuição interna, trataremos apenas de assuntos de nossa Loja e os artigos serão sempre de caráter filosófico-maçônico.
E o IOD cresceu de tal maneira que, hoje, é distribuído gratuitamente pelo Brasil inteiro, graças ao Ir Luiz R. Campanhã, e o apoio inestimável do Irmão e Comendador
Hermes Elias de Moura.
Uma coisa é certa: enquanto Deus nos der vida e saúde continuaremos com nosso trabalho em prol da Maçonaria. Contudo, o IOD não terá mais razão de existir quando a minha vida se findar.
Aos 90 anos penso em tudo o que aconteceu e no amor que conheci. Agora, sobre mim nuvens escuras aparecem, minha saúde definha e quando olho meu futuro me arrepio todo de terror. Que cruel natureza. O corpo murcha, se enruga; os atrativos e a força desaparecem, o coração está cansado. A velhice é uma piada que transforma um ser humano. Sinto-me triste, cheio de saudades, de amarguras, de arrependimentos... O coração já bate diferente. De vez em quando, dá uma paradinha, Meu coração velho de
guerra está cansado, tão cansado, A vida se esvai mansamente, lentamente, penosamente...
Estou ouvindo o toque do silêncio. O silêncio embala a madrugada e escorre dentro do meu quarto, sobe pelas paredes, pendura-se no teto, joga-se sobre mim. O silêncio escorre na minha alma. O silêncio da minha alma é o silêncio dos anos que me pesam sobre os ombros... Silêncio da madrugada, silêncio que esmaga a minha solidão. Pobre do meu corpo tão próximo do eterno silêncio. Meu corpo tem 90 anos, mas não o cérebro que mercê de Deus, não conhece a senilidade.
Em momentos de muita dor, iludo o meu interior, me agarro ao Grande Arquiteto do Universo. No entanto, nestas ruínas, ao pensar no meu destino, com tristeza ou alegria, que saudades do menino de 7 anos que fui um dia e ainda está vivo no meu coração cansado. Rememorando aquele tempo, agora, fico pensando no viver de outrora, no vai- e-vem sem fim do meu destino...
Meu Deus! Que coisa boa seria se por milagre do Onipotente ou por qualquer magia, eu pudesse voltar a ser menino? Na minha mente a lembrança dos tempos da mocidade recorda os dias felizes e tristes; em meus pensamentos volto a amar e a viver o meu passado. Nestas ruínas de agora, o rapaz ainda está vivo e o coração ainda está repleto de sentimentos vivos e conhecidos. Hoje, se a velhice se compraz em mudar minha feição, ela não será capaz de mudar meu coração. Avistando já perto, as sombras no horizonte, levanto com altivez a minha fronte, indagando a mim mesmo – o que restou? – restou-me apenas a realidade de que tudo se resume em saudade de quem viveu, lutou, sofreu, amou...
Homenagem póstuma ao irmão Raimundo Acreano Rodrigues de Albuquerque (26/10/1919 à 03/10/2010), membro da loja Pelicano, 233 e do Conselho Editorial da revista A Verdade.
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