10 de mai. de 2013

ALEMANHA: O FIM DOS ATERROS SANITÁRIOS


Sirkis relata o que viu durante visita à Alemanha, país que mostra não apenas como fazer de modo racional a coleta seletiva do lixo, mas também como transformá-lo em fonte de energia

POR ALFREDO SIRKIS  - Estamos pouco a pouco eliminando os lixões no Brasil. No estado do Rio,  eliminamos o lixão de Gramacho, no final dos anos 90,  e mais recentemente o aterro controlado no local. Depois de anos de imbróglio político, foi possível instalar o aterro sanitário (chamado de central de resíduos) de Seropédica, o que trouxe grande alívio, pois a situação em Gramacho era dramática – com  risco de afundamento e de desastre ambiental na baía da Guanabara.

A solução em si não foi a melhor. Como aterro sanitário, faria mais sentido a proposta anterior, fulminada por motivos eminentemente políticos. Assim, o aterro se situaria dentro do município, muito mais perto, portanto com transporte muito mais barato e com um impacto ambiental menor. Paciência.

Mas, se em vez de discutir onde é melhor ou pior para colocar um aterro sanitário a questão fosse: como pura e simplesmente abolir o aterro sanitário em larga escala? Fora da realidade, dirão. Mas acabo justamente de visitar essa solução “fora da realidade” na Alemanha, que  praticamente já eliminou todos os seus aterros sanitários, a não ser para deposição de cinzas.


É o caso de Colônia, por exemplo,  cujo complexo de tratamento de lixo e reciclagem visitei. Há uma diretiva europeia que a Alemanha e alguns de seus landers (“regiões” ou “estados”, em português) seguem de forma ainda mais estrita. Ela acaba com os aterros sanitários e determina a reciclagem e reaproveitamento energético do lixo. Colônia produz 2,5 mil toneladas de lixo por dia, mais ou menos um quarto daquilo que geramos no Rio.

Há uma rotina de separação do lixo em recipientes de cores diferentes: azul, papel e papelão; marrom, lixo orgânico (comida e jardinagem); amarelo, metais diversos; cinza, lixo misturado para combustão. Há ainda uma coleta específica que precisa ser acionada individualmente para recolher resíduos perigosos, material eletrônico e grandes volumes (móveis eletrodomésticos),  que funciona combinada com uma logística reversa, em que o varejo é obrigado a receber de volta eletrônicos, baterias, pilhas etc.

Há um sistema de entrega de vidros e, em particular, um sistema de recompra obrigatória de garrafas PET a um preço de 0,08 centavos de euro a garrafa ou 300 euros a tonelada. Grosso modo, 40% dos resíduos são reciclados, o que é inferior à média alemã.

Os 60% restantes de lixo que sobram, misturados nos contêineres cinzentos,  vão para o incinerador da AVG na periferia da cidade. A AVG é uma empresa de economia mista, com 49,9% de capital privado (empresa Remondis) e 50,1% do governo de Colônia. O incinerador é uma instalação industrial gigantesca, boa parte da qual ocupada por um sistema de filtragem de ar que sai mais puro que o ar ambiente. Pertencem ao passado aqueles incineradores dos anos 70 que despejavam dioxinas cancerígenas, para revolta dos ambientalistas.

A atual geração de incineradores é segura, mas isso tem um custo econômico. A unidade em questão processa cerca de 700 mil toneladas/ano para gerar 350 MW de eletricidade e vapor para o parque industrial vizinho, onde há grandes fábricas (como a Ford e a Bayer), e atende a um quarto da demanda elétrica da cidade de Colônia. Ela custou 500 milhões de euros. O incinerador recebe lixo de fora da região e, inclusive, de fora da Alemanha. Outros incineradores, situados mais ao Sul, acabaram sendo a providencial solução para cidades italianas como Nápoles, que passaram a exportar seu lixo.

Agora há uma situação curiosa: o avanço da reciclagem nas cidades alemãs cria escassez de lixo combustível para produção elétrica, que precisa ser suprido com importação, o que evidentemente dá margem a mais uma polêmica em torno do lixo…

A unidade da AVG tem aproximadamente 150 funcionários, altamente qualificados e uma grande parte de meia idade. A construção tem um pátio de manobra de caminhões e uma estação ferroviária.

O lixo chega, passa por esteiras e tubulações de prévia separação de metais, poeira e outros elementos e dali segue para um silo de secagem antes de ir para a incineração a uma temperatura de 1.200 graus, a partir da qual são  produzidos vapor e energia elétrica. Finalmente, temos um gigantesco sistema de filtragem do ar.

Ao lado do prédio do incinerador, temos uma impressionante central de compostagem que processa lixo orgânico e, sobretudo, resíduos de jardinagem. O composto vai para a agricultura e para jardinagem. No telhado, há 500 painéis fotovoltaicos produzindo uma energia distribuída de 368 KW.

A alguns quilômetros dali há outras centrais de reciclagem tratando embalagens de papelão, móveis e galhos de maior dimensão e material de demolição.

Claramente, a reciclagem na Alemanha é uma indústria que opera numa escala gigantesca. Os números do lixo são eloquentes: 66% já são reciclados, 34% incinerados. Lixo – excetuadas as cinzas – que vai para aterro: zero por cento!

Esse tipo de solução aplica-se para o Brasil? Na parte de reciclagem, é uma simples questão de vontade política e criação de uma cultura de reciclagem. Economicamente, vale a pena examinar: um incinerador daquele tipo hoje ficaria no patamar de R$ 1 bilhão. Poderia, no entanto, assegurar um quarto do abastecimento elétrico da cidade e alimentar um parque industrial.

Se projetarmos retorno econômico disso num horizonte de 30 anos e no contexto das alternativas caras de geração termoelétrica que temos para suprir a escassez dos reservatórios das hidroelétricas, a equação econômica torna-se perfeitamente factível, na perspectiva de um financiamento de longo prazo. É algo que faz muito mais sentido que uma usina nuclear, por exemplo. Mais cara, ela nos deixa com lixo radioativo, enquanto essa outra alternativa elimina grande parte do lixo produzido por uma grande cidade. Quanto tempo tardaremos no Brasil para ingressar numa era pós-aterros sanitários?

Congresso em Foco

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