Leonardo Goy e Luciano Costa e Rodrigo Viga Gaier - A desestatização da Eletrobras, que deve estar concluída até junho de 2018, ainda não tem um modelo, mas já despertou interesse de investidores e fez ações ordinárias da estatal dispararem quase 50 por cento nesta terça-feira.
Com isso, o valor de mercado da estatal de energia elétrica subiu 9,14 bilhões de reais.
A disparada das ações mostra que mercado entendeu que a elétrica tem potencial e pode se livrar de amarras típicas de empresas controladas pelo governo, disse à Reuters o presidente-executivo da Eletrobras Wilson Ferreira Jr..
"Agora a empresa vale 30 bilhões de reais, mas o patrimônio líquido nosso é de 50 bilhões. A gente ainda não vale o nosso patrimônio porque quando se é estatal o mercado coloca uma série de descontos", disse ele, citando fatores estatais que atrasam os processos, como obrigações relacionadas à Lei de Licitações e limitações para se contratar bons profissionais.
A ação ordinária da estatal avançou 49,3 por cento, a 21,20 reais, enquanto a preferencial subiu 32,08 por cento, a 23,55 reais, na esteira do anúncio dos planos de privatizar a empresa. Ainda há espaço para mais valorização das ações, disse ele.
A União também deve ter ganhos neste processo, que poderiam ajudar no fechamento das contas públicas e que dependeriam da posterior venda de hidrelétricas da Eletrobras que hoje operam no regime de cotas, gerando energia a preços baixos.
Em troca da descotização, que permitiria a venda de energia a preço de mercado, o governo poderia fixar um bônus de outorga que seria pago pela companhia com o valor obtido com uma emissão de ações da Eletrobras, reduzindo a fatia da União na estatal.
O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, disse que a decisão sobre descotizar ou não as usinas será da estatal.
"Não haverá decisão mandatória sobre descotização. É decisão empresarial da Eletrobras", disse ele a jornalistas.
A proposta de privatização, anunciada na véspera, será apresentada ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) na quarta-feira, movimento que deve disparar estudos para detalhar os caminhos a serem perseguidos no processo, disse o ministro.
COMO SERIA
Pelas regras atuais, a desestatização da elétrica poderia ser por venda direta de controle ou por emissão de ações e consequente diluição da participação do governo na empresa, comentou o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia, durante coletiva de imprensa.
Segundo ele, "não há qualquer previsão de valor sobre a operação" e nem definição sobre modelagem a ser adotada ou a participação final da União na empresa.
Mais cedo, o ministro de Minas e Energia disse à Reuters que o governo poderia obter 20 bilhões de reais no processo.
"Vai ser em torno disso (20 bilhões de reais), mas quem determina é o mercado", frisou ele.
AJUDA AO TESOURO
De acordo com o secretário da Fazenda, a desestatização da Eletrobras não configura receita primária para o governo.
Falando em tese, Guardia explicou que um caminho para que os recursos entrem nas contas do governo como receita primária, ajudando no resultado fiscal, seria por meio do pagamento de bônus no processo de descotização de 14 usinas do grupo.
"Aí sim, será receita primária", explicou o secretário. "(A privatização) não está sendo feita para gerar receita primária".
Hoje, parte das usinas de geração da Eletrobras fazem parte do regime de cotas criado durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff e que prevê tarifas com preços abaixo dos praticados pelo mercado, que remuneram apenas os custos.
O governo Michel Temer está propondo mudanças no setor elétrico -ainda não enviadas ao Congresso- que preveem reversão do sistema de cotas, mediante pagamento de bônus à União.
ITAIPU E ANGRA
O secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa, explicou que a usina binacional de Itaipu e a Eletronuclear, que controla as centrais nucleares de Angra dos Reis (RJ), devem ser separadas para ficar fora da privatização.
No caso da Eletronuclear, a empresa deve continuar estatal porque a legislação proíbe que empresas privadas gerem energia nuclear no Brasil.
No caso de Itaipu, há dificuldades em entrar no processo, uma vez que a usina é dividida entre Brasil e Paraguai e regida por um acordo internacional entre os dois países.
Ferreira Júnior disse também que a desestatização não interfere em outras ações em andamento, como as vendas de participações em Sociedades de Propósito Específicas (SPEs) e distribuidoras, além dos programas de redução de custos.
INTERESSADOS
Em São Paulo, o presidente da EDP Brasil, Miguel Setas, disse que a empresa mantém interesse em comprar fatias da Eletrobras em hidrelétricas em que as empresas são sócias, e que a privatização da companhia federal deverá também ser avaliada.
"Já fomos muito explícitos sobre nosso interesse nesses três ativos em que somos parceiros da Eletrobras... sobre o processo atual (de privatização), acho que ainda é cedo para nos pronunciarmos, mas obviamente nossa obrigação é fazer uma análise de todas oportunidades que possam aparecer no mercado", afirmou ele a jornalistas.
A EDP Energias de Portugal, controladora da EDP Brasil, era estatal e passou por um processo de privatização. No fim de 2011, a última fatia do governo português foi vendida à chinesa China Three Gorges, hoje a maior acionista da empresa.
Na época, brasileiras como a própria Eletrobras e a Cemig chegaram a disputar o negócio.
Já o presidente-executivo da Engie Brasil Energia, Eduardo Sattamini, disse que o modelo de venda do controle da estatal deve atrair principalmente investidores financeiros. Ele citou o exemplo do Bradesco na época da privatização da mineradora Vale.
Ele acrescentou que a Engie mantém interesse nas hidrelétricas da estatal, caso esta siga com os planos já anunciados para a venda de ativos.
Para o diretor da consultoria Excelência Energética, Erik Rego, a Eletrobras pode "cair no colo" de alguma gigante chinesa, como a Three Gorges, se a venda visar um único comprador.
Ele sugeriu, no entanto, que um eventual fatiamento da estatal em "blocos de ativos" poderia atrair mais interessados e gerar competição, o que favoreceria os consumidores.
Mas Ferreira Jr. descartou a venda de subsidiárias como Chesf e Furnas.
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