5 de nov. de 2017

Parlamentarismo é o caminho, avalia Orleans e Bragança


Bragança: "Existe risco de instabilidade política maior ainda com a próxima eleição presidencial" MARCO QUINTANA/JC 
Carlos Villela, especial para o JC -  Entre os setores da sociedade que se posicionam de forma crítica à política brasileira atual, os descendentes da família imperial brasileira são voz ativa, especialmente desde os protestos contra a então presidente Dilma Roussef (PT). Em uma passagem por Porto Alegre para divulgar o livro Por que o Brasil é um país atrasado? - O que fazer para entrarmos de vez no século XXI, o cientista político e administrador de empresas Luiz Philippe de Orleans e Bragança acredita que o sistema político nacional é capitaneado por oligarquias e que a economia é excessivamente regulamentada.

O descendente da família real brasileira defende a adoção do parlamentarismo no Brasil. "É o caminho para o País se estabilizar, mesmo que não descentralize o poder", sustenta Orleans e Bragança. Trineto da Princesa Isabel e tetraneto de Dom Pedro II, ele acredita que o principal papel da família imperial hoje é de incentivo à estabilidade social, o que pode ou não se refletir no meio político. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Orleans e Bragança revela ainda suas opiniões sobre os pré-candidatos às eleições de 2018 e qual seria a reforma política ideal, além de responder a pergunta título do seu livro.

Jornal do Comércio - Com base em seu livro, Por que o Brasil é um país atrasado? O que deu errado no País?

Luiz Philippe de Orleans e Bragança - O que deu errado no País é o modo como nos organizamos politicamente e as opções de modelos econômicos dos últimos 100 anos. Na política, nós criamos um sistema dominado por oligarquias políticas, e oligarquias econômicas no comando da política. Além disso, na parte econômica, temos um modelo de alta interferência de Estado regulamentando a livre iniciativa. Então essas são as premissas básicas do que deu errado. No livro, eu pontuo que um arranjo como esse que nós temos gera instabilidade política, e instabilidade política não gera poupança. A alta interferência não permite que a sociedade ascenda por si própria, cria-se dependência, cria-se limitação de iniciativa em prol do bem comum que seria espontâneo, mas que, na atual conjuntura, é regulamentada também. Não só a iniciativa econômica, mas a iniciativa de resolver problemas políticos também é condicionada. Todos os poderes têm limitações impostas do centro para fora, e a sociedade está removida desse processo de contribuição e realização política.

JC - Há algum país que seja um modelo de gestão socioeconômica nesse aspecto?

Orleans e Bragança - Sim. Veja: dos mais de 200 países do mundo, aproximadamente 25 são desenvolvidos. Esses 25 países têm um Estado de Direito com separação de poderes, fragmentação do poder, livre iniciativa, direito à propriedade; e boa parte deles tem separação do Executivo em chefia de Estado e chefia de governo. Entre esses países estão os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão e boa parte dos países europeus. Esses são países que o Brasil deveria ter referência para se organizar, e nenhum deles é organizado como o Brasil. Nós somos organizados como todos os países pobres ou emergentes, de forma semelhante ao presidencialismo mexicano ou argentino, com muita centralização de poder. Enquanto não adotarmos modelos semelhantes ao europeu ou norte-americano, vamos estar travados no que estamos vivendo. Não é que nossas políticas não tentaram melhorar nosso Índice de Desenvolvimento Humano, pois tentaram, mas o conjunto do Estado e da entrega de benefício não é capaz. Não existe um Estado eficiente, uma burocracia eficiente, porque a burocracia já denota a falência da sociedade ao ter criado produtos e serviços que mitigam necessidades sociais.

JC - A maioria dos países europeus é parlamentarista. Seria esse, portanto, o melhor modelo para o Brasil?

Orleans e Bragança - É o caminho para o País se estabilizar, mesmo que não descentralize o poder. Se mantiver o poder centralizado em Brasília, é condição sine qua non a adoção do parlamentarismo. Em um segundo momento, ou em paralelo, que haja uma transferência de competências do centro para os estados e municípios. Assim, seria um sistema parlamentarista, mas também uma federação plena.

JC - O Congresso Nacional é alvo constante de críticas pela população. De que forma a sociedade pode ter confiança em um sistema parlamentarista se a aprovação do Congresso é tão baixa?

Orleans e Bragança - Com esse Congresso atual, de fato, não há como propor nenhum resgate de legitimidade. O Congresso está além de qualquer tentativa. Quando a Dilma foi cassada, deveria ter havido uma eleição geral, se fosse um momento parlamentarista. Não houve. A cada dia decorrente, você vê a queda de popularidade, não sobrou muito. Como fazer então? Precisamos de novas eleições, renovação, e a criação de mecanismos que deem legitimidade, que tornem mais difícil um congressista sair ileso (em caso de escândalo), como o recall de mandato. Temos que ter isso em um novo sistema eleitoral. Se você não tem o voto distrital puro, não consegue implantar a renovação de mandato no Poder Legislativo. Ninguém fala do voto distrital puro, todo mundo fala do voto distrital misto ou do distritão. É porque esse modelo daria a capacidade de se remover um representante do Legislativo muito rapidamente, em 90 dias se chama uma nova eleição distrital, remove, custo muito baixo, e se tem uma válvula de escape natural. É o modelo nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, os países federativos grandes, no qual o centro não consegue mandar em tudo e delega os poderes. Um deputado distrital tem muito poder, tanto orçamentário quanto jurídico, mas o povo também. O povo dá o poder, mas também o tem. Aí que está o contrapeso. Esse mecanismo precisa ser implementado, caso contrário está sempre se alocando e se delegando poderes ao representante eleito, e isso não é bom. Ou seja, basicamente, fazendo isso, você fala que a sociedade não tem virtude, o representante de Estado tem, e eu não vou exercer poder nenhum, porque eu não tenho virtude. Precisamos corrigir esse erro no nosso sistema.

JC - Para as eleições do ano que vem, há a incerteza sobre a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o PSDB está dividido sobre quem lançar. A eleição pode causar uma polarização política maior do que a que já ocorre hoje?

Orleans e Bragança - Existe risco de instabilidade política maior ainda com a próxima eleição presidencial. Você tem alguns que são aliciados por interesses externos, por agentes políticos externos; e tem outros que são nacionalistas com agendas de protecionismo extremo. Você tem aí dois polos muito perigosos na sua essência, e essas essências precisam ser limitadas. Influências de interesses da Organização das Nações Unidas (ONU) e do grande capital externo precisam ser limitadas. Isso influencia (João) Doria (PSDB), (Geraldo) Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), Alvaro Dias (Pode) e Ciro Gomes (PDT) diretamente, até escancarado nos jornais. Ciro Gomes enaltecendo a China, Alvaro Dias falando de como George Soros (bilionário e filantropo húngaro), a ONU e da (Rede) Globo vão ajudá-lo na campanha dele. Eles estão desse lado. E do outro lado tem (Jair) Bolsonaro (PSC), que tem uma visão oposta a essa globalista, mas tem um lado mais classista, defendendo interesses de classe particulares. São dois polos. Qual que é o candidato que vai ser o contemporizador? Ele ainda não se apresentou. Pode ser até o próprio Bolsonaro, adotando um discurso mais liberal, mais contemporâneo, menos classista e que proteja a soberania e a cidadania brasileira, mas ao mesmo tempo liberalizando o sistema econômico, pode ser. Pode ser talvez um candidato não tão visível, como o Alckmin ou Alvaro Dias, que abandone essa questão globalista e de interesses externos e de grandes oligarquias, e resolva liberalizar de fato e dar soberania popular. O candidato ideal não se apresentou, porque ele não existe. Pode ser que, ao longo do processo eleitoral, ele se materialize, mas é muito cedo para dizer.

JC - O seu tetravô Dom Pedro II é lembrado por ter sido uma figura erudita, que tinha amigos como o cientista Louis Pasteur e o compositor Richard Wagner. A proximidade de Pedro II com temas de produção de conhecimento, de alguma forma, define o papel da família real hoje no Brasil?

Orleans e Bragança - Sim, a família real é um papel cívico e social. Isso, às vezes, se traduz em alguma coisa política; às vezes, em posicionamentos sociais, o que seria o bem para a sociedade e sua sobrevivência. Existe essa função, não institucionalizada, e sim puramente sociológica. É ação social, sem passar pelos poderes públicos, mas acho importante pontuar posicionamentos para dar um viés de estabilização do sistema político. Sem isso, o Brasil corre muitos riscos. Esse é o grande perigo: a instabilidade política pode gerar problemas que precisam de gerações para se consertar. Se temos a oportunidade de fazer o certo, vamos fazer o certo. Vamos apontar o que achamos, e cabe ao nosso poder de convencimento e talvez de levar a conclusões.

JC - Recentemente, no Reino Unido, o príncipe Harry aceitou um prêmio dado à memória da princesa Diana homenageando o ativismo dela no combate à Aids e ao estigma da doença, em uma época em que o vírus era associado à comunidade LGBT. O príncipe e futuro monarca William também se posicionou contra a homofobia. No Brasil, um país com muitos casos de crimes por preconceito, que noções a família real brasileira pode transmitir como legado?

Orleans e Bragança - Essas questões sociais hoje têm um grande inimigo, e o inimigo se chama Brasília. Quando se tem a moralidade sendo controlada por um governo central e planejada por um governo central, vira questão de vida ou morte. Não existe o convívio com respeito. Qual é a proposta? Subsidiariedade. As diferentes comunidades convivem em seus enclaves, criam os seus polos de controle e ali controlam sua moralidade. Ali impõem o que acham certo para si mesmos. Não cabe à União passar a moral para todo o País. Cabe, sim, ao chefe de Estado o papel de harmonizar e de garantir que haja respeito mútuo. Mas de passar moralidade, de jeito nenhum. Isso que gera instabilidade, o Estado passando moralidade em questão de aborto, e você vê facções dizendo não, ou vice-versa. Não permitindo o casamento gay, você gera problema. O princípio da subsidiariedade, que é carnal da família imperial e da igreja católica, permite que cada um exista e crie seu meio ambiente político e econômico, sobreviva, cresça e atinja sua plenitude sem interferência de uma moral externa que vá desrespeitar. Essa ideia é que precisa ser mais bem ventilada, sobretudo em relação a minorias. A estrutura de Estado defendida por eles não é a estrutura que vai resolver o problema. Centralmente, não vai. Os LGBTs nunca vão ganhar essa questão em plenitude sem causar uma tremenda celeuma com os conservadores, e os conservadores precisam entender que nunca vão ganhar essa questão sem criar uma tremenda "defensoria" das próprias vidas, e os dois saem perdendo. Não é para a União defender isso. Mesma coisa com o armamento, é uma questão local, não central. Ou a vaquejada e a farra do boi por exemplo, o STF legislando, porque tem um viés de 11 pessoas que pensam de tal maneira e determinam o que é certo para o país inteiro.

JC - O modelo ideal seria o de constituições estaduais, como ocorre nos Estados Unidos?

Orleans e Bragança - É o modelo essencial, porque, sem isso, não se cria estabilidade política. O objetivo final não é representatividade, isso é secundário. O principal é estabilidade com validação democrática. Tendo isso, você já conquistou um grande avanço no sistema político. Aí a questão da representatividade é totalmente secundária, e é onde criam-se argumentos, criam-se grupos de mobilização dizendo "você não é representativo de nós"; se esses pleitos se tornarem locais, ok. Mas o problema é, quando tu centralizas, os pleitos desestabilizadores afetam o todo, o centro, afetam tudo. Aí não tem escapatória. O Brasil não dá opção aos brasileiros, e a população precisa de opções. Nos Estados Unidos, há comunidades, como a dos amish, que não querem nem ter telégrafo ou energia elétrica. Em Utah há uma comunidade mórmon enorme, alguns polígamos. Há cidades LGBT, como é o caso de San Francisco e Key West. A função da União é preservar harmonia e estabelecer um convívio respeitoso, e é preciso desbancar o mito de que isso seria uma proposta moralista, porque não é. 

Perfil Luiz Philippe Maria José Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança tem 48 anos e nasceu no Rio de Janeiro. Cursou Administração pela Fundação Armando Alvares Penteado e tem mestrado em Ciência Política pela Universidade de Stanford (Estados Unidos), em 1993, e MBA no Insead Business School, na França. Com carreira no mercado financeiro e na área de mídia, trabalhou no banco de investimentos JP Morgan, e também foi diretor de negócios na América Latina da AOL. Em 2005, abriu uma empresa de distribuição de motopeças e, em 2012, iniciou uma incubadora de tecnologia. Tetraneto de Dom Pedro II, Luiz Philippe não faz parte da linha sucessória do trono brasileiro, porque seu pai, Eudes, renunciou em 1966 aos direitos dinásticos, abrindo mão da linha de sucessão para si e para os filhos. É cofundador do movimento Acorda Brasil, um dos que lideraram a mobilização pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT). 

Luiz Philippe mora em São Paulo com a esposa, a dentista Fernanda Miguita, com quem tem um filho, Maximilian. - Jornal do Comércio

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