20 de set. de 2024

Cientistas militares chineses estudam a aplicação do fungo cordyceps na Amazônia Venezuelana



Felipe Gonzales Saraiva da Rocha

Graduado em Relações Internacionais, especialista em subversão, defesa e segurança


A China estabeleceu fortes laços com a Venezuela nas últimas duas décadas, especialmente sob os governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, principalmente por meio de parcerias econômicas, militares e estratégicas.

A China se tornou o maior fornecedor militar da Venezuela desde meados dos anos 2000, superando a Rússia, e tem apoiado o regime de Maduro tanto diplomaticamente quanto militarmente, garantindo a manutenção de seu poder diante de opositores internos e externos. Esses laços incluem transferências significativas de tecnologia e armas, além de outras formas de colaboração, que se estenderam para áreas como a bioprospecção de recursos biológicos e farmacêuticos, incluindo espécies de fungos como o Cordyceps, que tem atraído atenção na biotecnologia e armas biológicas.

A bioprospecção, que envolve a exploração de recursos biológicos para fins comerciais ou científicos, é outro aspecto relevante da cooperação China-Venezuela. O governo chinês tem interesse estratégico em explorar as vastas reservas de biodiversidade da América do Sul, particularmente na região amazônica. Esses esforços incluem a coleta de recursos para a indústria farmacêutica e biotecnológica, além de aplicações militares.

Ministro Wang Zhigang se reúne com a ministra venezuelana da Ciência e Tecnologia, Gabriela Jiménez, em 14 de setembro de 2023

O caso do fungo Cordyceps é um exemplo interessante. Este gênero de fungos, amplamente conhecido por suas propriedades parasitárias em insetos, tem sido objeto de intenso estudo por cientistas chineses, especialmente pelo seu uso potencial na medicina tradicional chinesa e no desenvolvimento de novos biofármacos. Em termos de biotecnologia militar, o interesse chinês em recursos naturais como o Cordyceps pode estar relacionado à pesquisa em novas formas de armas biológicas, já que esses fungos possuem propriedades imunomoduladoras e podem influenciar sistemas biológicos de maneira profunda.

A ideia de usar fungos para fins militares, incluindo o desenvolvimento de armas biológicas, não é nova, e a China tem investido fortemente em biotecnologia militar. Existem estudos avançados de que organismos como o Cordyceps podem ser adaptados para criar compostos que afetam organismos-alvo de maneira letal ou incapacitante. Embora essa linha de pesquisa ainda não tenha comprovação definitiva em termos de aplicação militar direta, a bioprospecção em regiões biodiversas, como a Amazônia venezuelana, coloca esses fungos no radar de potenciais recursos estratégicos.

Além disso, o interesse chinês na biotecnologia tem levado o país a investir em pesquisas de vanguarda no campo de armas biológicas e farmacêuticas, o que inclui o uso de organismos exóticos como os fungos. O uso desses recursos para aplicações militares é uma possibilidade que não pode ser descartada, especialmente diante do crescente papel da biotecnologia nas estratégias de guerra do futuro.

A expansão da influência chinesa na Venezuela também se manifesta por meio de comissões técnicas e científicas que visitam o país com regularidade, visando estabelecer parcerias para exploração de recursos naturais e biológicos. Em 2018, uma comissão chinesa formada por cientistas e representantes do governo visitou a Venezuela para expandir a cooperação em áreas estratégicas, como o desenvolvimento de infraestrutura, energia, defesa e biotecnologia. Esse tipo de missão abre caminho para acordos mais profundos no que diz respeito à exploração da biodiversidade amazônica, algo que interessa diretamente ao governo chinês, especialmente pela busca de novos recursos naturais que possam ser utilizados em diferentes indústrias, inclusive a militar.

O Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi (D), também membro do Bureau Político do Comitê Central do PCC, se reúne com o Ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yvan Gil Pinto, em Pequim, China, em 5 de junho de 2024. /Ministério das Relações Exteriores da China


Um exemplo dessa parceria estratégica é o acordo de cooperação assinado em 2019 entre a China e a Venezuela para o desenvolvimento de um centro de biotecnologia em Caracas. Esse centro foi projetado para estudar, entre outras coisas, a aplicação de fungos e outros organismos para usos médicos e industriais. Embora o foco declarado seja o desenvolvimento farmacêutico, como medicamentos para o tratamento de doenças infecciosas e autoimunes, as capacidades dessas pesquisas podem facilmente se expandir para aplicações mais sensíveis, como a biotecnologia militar. A presença dessas comissões chinesas também fortalece a tese de que a Venezuela é vista como um ponto estratégico não apenas do ponto de vista econômico, mas também militar, especialmente em função da vasta biodiversidade da região amazônica.

A China vem investindo fortemente em biotecnologia como parte de sua estratégia de modernização militar, conhecida como a Estratégia de Fusão Militar-Civil (Military-Civil Fusion Strategy), que busca integrar avanços científicos civis em áreas como biotecnologia, inteligência artificial e robótica ao aparato militar. Esse contexto de fusão entre as esferas civil e militar torna plausível o interesse chinês em explorar a biodiversidade amazônica, e a Venezuela, com suas parcerias estratégicas com a China, é um ponto natural para esse tipo de pesquisa.

Os fungos do gênero Cordyceps têm atraído crescente interesse científico devido às suas propriedades únicas e aplicações potenciais na medicina e na biotecnologia. Conhecidos principalmente por parasitarem insetos, esses organismos produzem compostos bioativos capazes de alterar significativamente a fisiologia de seus hospedeiros. Entre esses compostos, destacam-se a cordicépica e a cordicepina, que demonstram propriedades imunomoduladoras e podem influenciar a resposta imunológica. Além disso, os Cordyceps sintetizam metabólitos secundários com propriedades antibióticas e antivirais, ampliando suas possíveis aplicações.

O conceito de adaptar esses fungos para usos militares, incluindo o desenvolvimento de armas biológicas, é uma área que, embora controversa, merece atenção. Seu comportamento natural, que envolve a capacidade de controlar e eventualmente eliminar seus hospedeiros, revela uma habilidade notável de modificar funções biológicas de maneira profunda. A ideia de modificar geneticamente esses organismos para que possam infectar humanos ou animais e causar doenças graves ou debilitação é baseada nessa capacidade intrínseca de parasitar e destruir.

Além das suas propriedades parasitárias, há o potencial de modificar esses fungos para produzir toxinas com efeitos adversos significativos. Alguns tipos desse grupo de fungos são conhecidos por sintetizar toxinas letais ou altamente prejudiciais quando introduzidos em organismos-alvo. A manipulação desses fungos para gerar tais toxinas poderia resultar no desenvolvimento de agentes patológicos com impactos devastadores. A habilidade desses organismos de alterar a resposta imunológica também pode ser explorada para criar agentes que interfiram na capacidade do sistema imune de combater infecções, tornando os organismos-alvo mais suscetíveis a doenças.

No entanto, a aplicação desses conceitos enfrenta desafios e riscos consideráveis. O desenvolvimento de armas biológicas baseadas nesses fungos requereria um controle rigoroso para evitar a disseminação não intencional e proteger ecossistemas e populações. A pesquisa nesse campo é altamente regulada por tratados internacionais, como a Convenção sobre Armas Biológicas (BWC), que proíbe a produção e o uso de tais armas.

Apesar do potencial teórico, a utilização desses fungos em biotecnologia militar continua sendo um tema controverso e restrito. A maior parte da pesquisa ainda se concentra em suas aplicações medicinais e farmacológicas. Embora a pesquisa avance em penumbra entre a China e Venezuela, a aplicação prática desses organismos para fins militares permanece incerta e sujeita a controle e regulamentação rigorosos.

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