30 de nov. de 2014

DEPUTADOS FEDERAIS CORREM PARA TENTAR MUDAR ESTATUTO DO DESARMAMENTO


Projeto de lei que disciplina uso de armas de fogo tem primeira audiência pública

Audiência pública discute projeto de lei sobre porte de armas de fogo - Agência Câmara

POR EDUARDO BARRETTO - A menos de um mês do fim da legislatura, o projeto de lei que disciplina normas sobre o porte, a aquisição, a posse e a circulação de armas de fogo e munições – e tenta revogar o Estatuto do Desarmamento, de 2003, principalmente flexibilizando-o – teve a sua primeira audiência pública nesta quarta-feira(26). Uma comissão especial cuida do projeto, que pode ir direto para o plenário da Câmara dos Deputados em vez de passar por mais comissões. A celeridade do debate gera reclamações de que o assunto não é conduzido de forma transparente, e essa pressa da bancada da segurança tem razão de ser: no ano que vem, a comissão especial estará extinta.

Para o autor do projeto, Peninha Mendonça, a rejeição da proibição das armas em referendo de 2005 não trouxe “qualquer melhoria para a população”, como escreve na proposta que buscaria corrigir o que Peninha chama de “distorção legislativa”. De acordo com o autor, falta controle da circulação de armas, mas o principal tema debatido hoje na comissão especial foi a flexibilização do porte de arma. O debate na comissão lembrou o de nove anos atrás, quando o “sim” e o “não” à proibição enfrentaram-se. Entre todos os assuntos na proposta, esse é o mais polêmico. Cerca de 90% do público presente na audiência, que acompanhava a sessão com entusiasmo, era pró-armamento. Muitos aplausos, gritos e vaias eram ouvidos constantemente. O presidente da comissão, Marcos Montes (PSD-MG), ameaçou por várias vezes interromper ou suspender a sessão.

De um lado, há um sentimento de urgência dos que são favoráveis à proposta, já que estão com os dias contados para que ela possa chegar ao plenário sem passar por mais comissões da Câmara. Em um rito normal, o projeto poderia passar por até quatro comissões, o que tiraria qualquer expectativa de data do horizonte, e colocaria a proposta em risco de engavetamento. Do outro, há a forte crítica de que não se pode fazer mudanças tão drásticas com somente uma audiência pública. Esse segundo grupo conseguiu, para a semana que vem, que a comissão se reúna na terça-feira para decidir se, no dia seguinte – quarta-feira – faz uma nova audiência pública, a segunda, portanto, antes de ir ao plenário.

- Culpar as armas de fogo é falta de argumento. É o cidadão que aperta o gatilho, a culpa não é da arma – declarou Alberto Fraga (DEM-DF), deputado que volta à Câmara na legislatura e que lidou com o tema do desarmamento em outros mandatos. Fraga, coronel da reserva da Polícia Militar, disse que o combate ao crime não deve ser freado, e sim o crime.

O atual estatuto, de 2003, estabelece que o porte de arma por civis só pode ser concedido se for comprovada a necessidade. Já a nova proposta é mais flexível, e coloca apenas barreiras burocráticas simples no caminho: diz que, além de questões documentais, o cidadão precisa ter ficha limpa quanto a antecedentes criminais e inquéritos por qualquer forma de violência, participar de uma formação técnica e ter condições mentais atestadas.

A proposta também delimita que a arma só deverá ser portada por maiores de 21 anos, dentro de residência, propriedade rural ou local de trabalho, se o portador for o dono do estabelecimento. Além disso, o projeto proíbe o porte de arma em lugares públicos com aglomeração de pessoas, ou quando o cidadão estiver sob efeito de substâncias químicas que possam alterar suas capacidades físicas.

No grupo dos que querem discutir mais o tema, e por consequência retardar a votação para depois da dissolução da comissão especial, Alessandro Molon (PT-RJ) criticou a rapidez com que o tema é conduzido, e pediu mais uma audiência. O presidente da comissão, Marcos Montes (PSD-MG), retrucou que o próprio PT atrasou a formação da comissão, ao demorar na indicação de seus parlamentares, mas Montes concordou em reunir a comissão na semana que vem novamente.

- Um assunto tão sério somente com uma audiência pública? A comissão não vai cometer esse erro. Não faz sentido. Isso vai ficar muito feio para esta Casa – disse Molon, que, na esteira do desarmamento propriamente dito, disse que para cada caso de necessidade de um cidadão portar arma em casa, há “vários casos trágicos”.

- A população brasileira não tem segurança pública, não tem a quem recorrer. Ninguém quer o porte de arma, mas tem que ter controle. Eu sou gaúcho, estado que marcou fronteira na pata do cavalo e ponta de lança – bradou o ex-deputado estadual Sérgio Ilha Moreira, que, assim como Jair Bolsonaro (PP-RJ), afirmou que mesmo se for proibido, ele terá uma arma para defender sua família.

Fora do Congresso, a tentativa de alteração do estatuto também levantou discussões. Várias entidades, principalmente organizações não governamentais (ONGs) enviaram ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PDMB-RN), uma carta pedindo a rejeição da nova proposta.

- O Estatuto não é uma lei perfeita, mas é uma lei. A grande falha é na aplicação. Tem que enfrentar fronteiras, mercado informal, muitos aspectos – declarou Rubem César Fernandes, diretor da ONG Viva Rio, que qualificou de golpe o projeto: - Sem debate nenhum, o país todo voltado para temas mais importantes, como a economia e a corrupção. É uma comissão muito especial. Tão especial que eles dominaram. O ambiente é secreto, sem debate. É um golpe, são golpistas.

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