2 de out. de 2018

Corte internacional nega pleito da Bolívia para obrigar Chile a negociar acesso ao mar


Por 12 votos a 3, tribunal rejeitou demanda feita por La Paz em 2013; chilenos comemoram



HAIA — A Corte Internacional de Justiça (CIJ) rejeitou nesta segunda-feira a demanda da Bolívia de forçar o Chile a negociar um acesso soberano do país ao Oceano Pacífico. A Bolívia desejava pôr fim ao que chama de “dependência e sobrecustos logísticos” para importar e exportar os seus produtos através dos portos chilenos.

Mas os juízes, por 12 votos a favor e 3 contra, julgaram que o Chile “não está obrigado a fazer isso, porque nenhum dos acordos ou tratados assinados por ambos os países ao longo dos anos assim o determina; tampouco o determinam outras resoluções internacionais”, segundo o parecer do presidente da Corte, o somaliano Abdulqawi Ahmed Yusuf.

— A República do Chile não contraiu a obrigação legal de negociar um acesso soberano ao Oceano Pacífico para o Estado Plurinacional da Bolívia — disse Yusuf.

Em 2013, a Bolívia apresentou uma demanda ao tribunal internacional para obrigar o Chile a negociar um acesso soberano ao Pacífico. Após a derrota na Guerra do Pacífico (1879-1884), o país cedeu ao Chile 400 quilômetros de costa e 120 mil quilômetros quadrados de território, num tratado de fronteira assinado em 1904.

A ação movida por Morales em 2013 procurava alcançar três declarações do CIJ: que o Chile tinha a obrigação de negociar com a Bolívia para chegar a um acordo para conceder um acesso soberano ao mar; que o Chile não tinha cumprido essa obrigação; e que tinha que cumpri-lo de boa fé, formal e prontamente, dentro de um prazo razoável e de maneira efetiva.

Ao longo destes cinco anos, Morales adotou não apenas uma estratégia legal, mas também de comunicação, diplomática e política. A Bolívia defendia que o Chile havia se comprometido ao longo dos anos a negociar o acesso soberano ao mar, por meio de acordos, práticas diplomáticas e declarações de representantes do mais alto nível.

O país mantinha uma expectativa positiva quanto ao resultado, baseada em uma vitória da equipe jurídica boliviana em um processo que já terminou, quando o Chile questionou a competência do CIJ para lidar com a questão.

Além disso, a reivindicação não se baseava no tratado territorial que anula o litoral boliviano desde 1904, que é irreversível, mas sim nas chamadas “expectativas de direito”, que a Bolívia teria adquirido, de acordo com a própria, a partir de várias ofertas feitas pelo Chile ao longo do tempo para resolver a disputa bilateral, que não se concretizaram.

O Chile, entretanto, defendia que as conversas sempre estiveram fechadas e quase sempre foram frustradas pelo próprio governo boliviano. O país entende que não há disputas de fronteira pendentes entre os dois países e que cumpriu e aprofundou todos os compromissos firmados no tratado de 1904 e seus acordos complementares, sem perder sua vontade permanente de diálogo.

De acordo com Santiago, a Bolívia cedeu o litoral definitivamente no tratado, e, em troca, o Chile efetou um pagamento em libras esterlinas, a construção de uma ferrovia entre as cidades de Arica e La Paz e a garantia de trânsito livre para os portos do Chile, o que tem sido cumprido por mais de 100 anos.

O Chile recebeu com surpresa e satisfação a decisão da CIJ, que considerou contundente. A sentença foi esperada com grande ansiedade no país. Parlamentares de todos os setores políticos assistiram juntos no Congresso ao julgamento em Haia, enquanto o presidente Sebastián Piñera e os ministros se reuniram no Palácio de la Moneda.

— Hoje é um grande dia para o Chile, e também para o direito internacional. Para o respeito aos tratados internacionais e para a saudável e pacífica convivência entre os países — disse Piñera, sorridente, poucos minutos depois de conhecer o resultado. — O presidente Evo Morales criou falsas expectativas e grandes frustrações para o seu próprio povo. Além disso, nos fez perder cinco valiosos anos nas saudáveis e necessárias relações que o Chile deve ter com os países vizinhos, inclusive a Bolívia — disse Piñera.



Havia temor de que o resultado de um litígio com o Peru de 2014 se repetisse, quando o CIJ determinou que o Chile perderia cerca de 20 mil quilômetros de presença marítima. Nas últimas décadas, várias autoridades chilenas assumiram disposição para novas negociações com a Bolívia, mas quase sempre foram frustradas pelo governo boliviano, até o rompimento unilateral das relações diplomáticas em 1978.

— Quando eles me dizem que talvez você tenha que negociar, negociar de boa fé, tudo o que eu digo é: ‘Mas por Deus, se é isso que sempre fizemos’ — disse o ex-presidente e atual senador chileno Ricardo Lagos, que em seu mandato manteve negociações com o então líder boliviano, Hugo Banzer, para facilitar a exportação de gás através dos portos chilenos, embora sem falar em soberania.

O presidente Morales, por sua vez, disse que não vai desistir do pleito.

— A Bolívia nunca renunciará — afirmou o presidente boliviano a jornalistas após a decisão. — No relatório, embora não haja a obrigação de negociar, há um chamado à continuidade do diálogo.

Segundo analistas, Morales pretendia usar uma vitória em Haia para impulsionar a própria campanha a um quarto mandato presidencial, em eleições marcadas para outubro de 2019 e cercadas por polêmica. Em fevereiro de 2016, Morales foi derrotado em um referendo que reformaria a Constituição para lhe conceder o direito a concorrer a mais um pleito. Ele então recorreu ao Tribunal Constitucional do país, que concedeu que é seu “direito humano” disputar a presidência.

Um resultado favorável à Bolívia em Haia serviria para impulsionar uma narrativa vitoriosa, de que o seu governo foi o único a lograr êxito no tema, histórico para os bolivianos. A questão adquiriu tal importância no país que a nova Carta Magna, aprovada em 2008, inclui um artigo sobre o “direito irrenunciável e imprescritível” do Bolívia sobre “o território que dá acesso ao oceano Pacífico e a seu espaço marítimo”.

O ex-chanceler boliviano Gustavo Fernandéz disse que a decisão não encerra a contenda, que deverá ser resolvida em outros âmbitos:

— Os juízes acabam de dizer: senhores, não existe obrigação jurídica, mas o problema não desapareceu, o problema persiste. — afirmou. — A Bolívia sustenta esta reivindicação há 140 anos e já demonstrou várias vezes que não renunciará, de modo algum, a este seu objetivo nacional.

Depois de desmontar os argumentos apresentados pela Bolívia sobre uma eventual obrigação jurídica do Chile, os juízes do CIJ pediram a ambas as partes que “continuem seu diálogo” num “espírito de boa vizinhança” para abordar o “enclausuramento da Bolívia”.

Com sede em Haia, a CIJ é um organismo ligado às Nações Unidas que julga disputas entre Estados.

FONTE: O Globo/Agências Internacionais

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