9 de mai. de 2018

Tribunal da ONU não pediu libertação de Lula por ele ser ‘preso político’


Notícia falsa compartilhada no Facebook distorce função da Corte de Haia, na Holanda, que julga apenas litígios entre países e questões de Estado

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba desde o dia 7 de abril (Heuler Andrey/AFP)



João Pedroso de Campos  - Consumada há 24 dias, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava Jato segue gerando notícias falsas nas redes sociais. A mais recente lorota alardeia que a Corte Internacional de Justiça, órgão judiciário da Organização das Nações Unidas (ONU) sediado em Haia, na Holanda, reconheceu Lula como um “preso político” e vai exigir do Brasil a “imediata libertação” dele.


O boato, que ecoa a cantilena petista de que o ex-presidente é perseguido politicamente pela Justiça brasileira, viralizou no Facebook, tanto entre adoradores quanto entre detratores de Lula. Feitas por dois internautas diferentes no último sábado (28), as duas postagens na rede social que inauguraram a notícia falsa foram compartilhadas cerca de 8.100 vezes e geraram em torno de 2.500 reações até esta segunda-feira (30) – sem contar sua proliferação no WhatsApp.

Uma das publicações está em francês e a outra, em português (veja abaixo). Baseadas em “relatos recebidos de entidades brasileiras e de direitos humanos internacionais da ONU”, as duas postagens afirmam que a Corte de Haia entendeu que Lula “é detido sem provas” e “julgado por um tribunal que é parte integrante do adversário do acusado”. Abaixo dos dois textos há o link “www.Lemond/Mund.Vers.Holand”, uma tentativa de induzir o leitor a crer que a informação veio do jornal francês Le Monde.

Como toda notícia falsa que se preze, a informação sobre a tal decisão da Corte de Haia não tem apenas um, mas vários conflitos com a realidade.

O principal deles é o de que o tribunal internacional teria como função analisar casos de pessoas, incluindo supostos abusos judiciais. Na verdade, a Corte Internacional de Justiça, principal órgão judicial da ONU, dedica-se a julgar disputas e litígios entre países, ou seja, apenas questões de Estado.

Desde que começou a funcionar, em abril de 1946, a propósito, o tribunal teve apenas um caso envolvendo o Brasil (veja a lista completa aqui). Em 2009, Honduras acionou a Corte de Haia contra o que alegava ser uma indevida ingerência brasileira em seus assuntos internos. A violação teria se dado porque, em outubro daquele ano, o ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya, deposto por um golpe militar, fez pronunciamentos políticos dentro da embaixada brasileira em Tegucigalpa, capital de Honduras. O país retirou a ação em 2010.

Como se vê, o tipo de caso que chega à Corte Internacional de Justiça não tem nada a ver com supostas perseguições políticas, como a alegada pela defesa de Lula. O foro adequado para buscar a ONU nestas questões é o Comitê de Direitos Humanos da organização, sediado em Genebra, na Suíça. E assim fez a defesa do ex-presidente, por meio do advogado australiano Geoffrey Robertson, que pediu ao comitê a liberdade do petista até que o processo sobre o tríplex do Guarujá seja concluído em todas as instâncias da Justiça brasileira.

A organização analisa o caso de Lula desde o início de abril. Uma possível decisão favorável ao ex-presidente, contudo, não teria poder para alterar as decisões que determinaram a prisão dele.

Outro ponto falho do boato divulgado no Facebook é o link abaixo do texto. Além de não levar a página alguma, o falso endereço errou a grafia do nome do jornal francês. O correto é Le Monde, e não “Le Mond”.

Conforme o Me Engana que Eu Posto frequentemente alerta, outro aspecto da fake news envolvendo a Corte de Haia e Lula é a falta da notícia em veículos da imprensa profissional. Em uma breve pesquisa na internet, o leitor concluirá que não há nenhuma reportagem confiável publicada sobre o assunto – o contrário do que ocorreria se fosse verdade.

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