6 de fev. de 2021

“DOM LUIZ NA GRANDE GUERRA: ENTREVISTA COM O AUTOR”

No dia 26 de março de 1920, faleceu no exílio o Príncipe D. Luiz de Orleans e Bragança, que passou para a História como “o Príncipe Perfeito”. No centenário desse falecimento, o Prof. Armando Alexandre dos Santos, já bem conhecido do público pelas numerosas obras monárquicas que publicou nos últimos 30 anos, acaba de lançar o livro “Dom Luiz na Grande Guerra”, com o subtítulo “Aventuras, desventuras e conjecturas de um Príncipe brasileiro” e prefácio do Príncipe D. Rafael de Orleans e Bragança. Em entrevista transmitida por telefone, o Prof. Armando fala aos leitores de Herdeiros do Porvir sobre esse lançamento.*

HP: No que consiste exatamente seu livro, Professor? Trata-se de uma nova biografia do Príncipe Perfeito?

AAS: Não se trata de uma biografia propriamente dita, mas de uma apresentação de sua vida enfocada no episódio principal e mais trágico dela: a participação de D. Luiz na Grande Guerra de 1914-1918. D. Luiz previu a Guerra, dela participou ativamente e a analisou enquanto combatente e, depois de retirado, como analista militar e político. Sua alta envergadura intelectual, e, sobretudo, moral, se patenteia no exame de uma documentação primária muito abundante. Além do Diário de Guerra ainda inédito de D. Luiz, foram lidas e analisadas mais de 800 cartas suas, sem falar em entrevistas, manifestos e livros.

HP: O Sr. poderia recordar em breves palavras o que foi a vida de D. Luiz?

AAS: D. Luiz, filho da Princesa Isabel e do Conde d´Eu, é avô do atual Chefe da Casa Imperial do Brasil. Nasceu em Petrópolis, em 1878, e partiu para o exílio em 1889, com 11 anos de idade. Militar de formação, intelectual brilhante e autor de livros premiados, D. Luiz foi considerado “o mais ilustre dos netos de D. Pedro II”. Em 1908, seu irmão mais velho, D. Pedro de Alcântara, renunciou por si e por sua futura descendência aos direitos dinásticos à Coroa do Brasil, sendo D. Luiz alçado à condição de herdeiro presuntivo dos direitos dinásticos da Princesa Isabel, e deu então início a uma ampla campanha de propaganda monárquica pelo Brasil inteiro. Não podia vir ao Brasil, por causa da lei do banimento, mas à distância estabeleceu uma extensa rede de amizades e apoios que inquietaram profundamente as autoridades republicanas. Estava no auge dessa campanha quando rebentou a Primeira Guerra Mundial. Apesar de já ter 36 anos de idade, ser casado e com três filhos pequenos, e não gozar de boa saúde, D. Luiz se alistou como voluntário e combateu no Exército inglês durante cerca de um ano. Precisou ser afastado da ativa, devido a um reumatismo ósseo contraído nos campos de batalha gelados do inverno de 1914/1915. Reduzido a uma semiparalisia, passou 5 anos lutando contra a doença, mas faleceu no dia 26 de março de 1920 com apenas 42 anos de idade. Mesmo doente, continuou a escrever cartas e publicar artigos em jornais de vários países, comentando a Guerra e tecendo prognósticos políticos sobre o que seria o futuro do mundo após o término do conflito.

HP: Por que D. Luiz é considerado o Príncipe Perfeito?

AAS: D. Luiz era brilhante de fato, ele não foi mera “construção” da propaganda monarquista. Seus livros – dentre os quais destaco especialmente “Sob o Cruzeiro do Sul”, em que narra a frustrada tentativa de desembarcar no Rio de Janeiro, em 1907 – são admiráveis e alguns deles lhe valeram prêmios de altas instituições científicas e literárias. Além de escritor e militar, era diplomata, homem de salão, conversador admirável. Todas as pessoas que tomavam contato com ele, inclusive republicanos convictos como Rui Barbosa e Euclides da Cunha, ficavam literalmente fascinados com seu brilho intelectual e com o charme muito especial que possuía. O Rei Alberto, da Bélgica, que admirava muito seu primo brasileiro, aplicou a ele as bem conhecidas palavras “homem como poucos e príncipe como nenhum”. Martim Francisco de Andrada, sobrinho-neto de José Bonifácio, passou a designar D. Luiz como “Príncipe Perfeito” ou “Príncipe Perfeitíssimo”. O cognome “pegou” porque havia base real para isso. O crítico Alexandre Eulálio foi quem considerou D. Luiz “sem dúvida o mais ilustre dos netos do Imperador”. O Conde Afonso Celso foi ainda mais enfático no necrológio de D. Luiz, publicado no “Jornal do Brasil” de 31/3/1920, sob o título “Príncipe Perfeito”: “Era atualmente o mais ilustre, o mais auspicioso e encantador dos Braganças do Brasil e de Portugal, dos Orleans, das muitas famílias régias, de cuja linhagem participava”.

HP: A campanha monarquista chefiada por D. Luiz chegou a ameaçar efetivamente a República?

AAS: Embora doente e praticamente inválido, enquanto viveu sempre foi visto com inquietação pelas autoridades republicanas brasileiras. Em 1914, pouco antes da Guerra, candidatou-se à Academia Brasileira de Letras, para ocupar a vaga deixada pelo Almirante Barão de Jaceguai. Recebeu expressivo número de sufrágios, inclusive o voto do então presidente da ABL, Rui Barbosa, mas não alcançou o número de votos necessário para ser eleito, porque lideranças republicanas se alarmaram com a candidatura e se empenharam para impedi-la. Foi insuspeito o voto de Rui Barbosa, porque o mesmo Rui dera, em 1907, parecer jurídico contrário ao desembarque de D. Luiz em território brasileiro. As pressões para que o príncipe não fosse eleito para a Academia foram pessoalmente articuladas pelo influentíssimo Senador Pinheiro Machado, que era então considerado verdadeira eminência parda da República brasileira. Assim o testemunhou o jornalista João do Rio: “Quando resolvi votar em Dom Luiz para a Academia Brasileira, Pinheiro Machado mandou chamar-me, furioso; dois ministros, aliás inteligentes, tiveram agudos interrogatórios a propósito da minha inconveniência, e houve positivamente uma nova propaganda republicana para não se fazer membro da Academia Brasileira um príncipe brasileiro, um homem ilustre brasileiro, um alto escritor brasileiro, um devotado, ardente, generoso patriota brasileiro. E Dom Luiz não foi da Academia” (“Leitura para todos”, série II, n. 20, maio de 1920). Poucos dias após o falecimento de D. Luiz, o Presidente Epitácio Pessoa dirigiu-se ao Congresso Nacional, falando da necessidade de se fazer justiça histórica à memória de D. Pedro II e recomendando o imediato repatriamento de seus restos mortais. Foi essa iniciativa de Epitácio que teve como consequência a revogação, alguns meses depois, da Lei do Banimento. Em outras palavras, morto D. Luiz, a República sentia-se mais segura. Na realidade, já havia anos se arrastavam, no âmbito do Congresso brasileiro, projetos e contra-projetos referentes ao assunto, quase todos sendo recusados pela Família Imperial porque condicionavam a revogação da Lei do Banimento a uma renúncia formal a quaisquer direitos dinásticos no Brasil. Mas somente após o falecimento de D. Luiz foi apresentado, e com grande celeridade recebeu aprovação, um projeto de revogação da Lei do Banimento sem qualquer referência a renúncia a direitos dinásticos.

HP: Por que o Sr. optou por focalizar a vida de D. Luiz na sua participação na Primeira Guerra Mundial?

AAS: Porque a documentação a esse respeito era abundante e muito conclusiva, permitindo expor e analisar a personalidade e o caráter de D. Luiz. E também porque a decisão de se alistar como voluntário teve consequências marcantes para a vida de D. Luiz e para toda a história do movimento monárquico no Brasil.

HP: Podia se explicar um pouco melhor?

AAS: A vida de D. Luiz foi abreviada, sem a menor sombra de dúvida, por sua participação na Guerra. As numerosas condecorações que recebeu, dos governos da França, da Inglaterra e da Bélgica foram unânimes em reconhecê-lo como vitimado pela Guerra, pois foi em consequência dela que contraiu a doença que o matou, depois de cinco anos de penosos sofrimentos. Participando do conflito como voluntário desde o seu início, D. Luiz precisou interromper a intensa campanha monarquista que estava desenvolvendo no Brasil, e sua morte prematura, deixando seu filho e herdeiro D. Pedro Henrique com apenas 11 anos de idade, representou de certo modo uma pausa no crescimento do monarquismo no Brasil.

HP: O Sr. concorda, então, com os comentaristas que criticam o envolvimento de D. Luiz na Guerra, como tendo sido um grave erro que cometeu?

AAS: Absolutamente não concordo com esses críticos. Numa longa carta que escreveu a Amador da Cunha Bueno, destinada não apenas ao destinatário, mas também a ser divulgada em todo o Brasil, D. Luiz explicou os motivos que o levaram a tomar a atitude que tomou. Mostrou que não apenas se tratava de uma obrigação moral, mas também correspondia aos interesses da nação brasileira, que embora neutra no conflito (pois somente em 1917, três anos depois, o Brasil se viu forçado pelas circunstâncias a se declarar oficialmente em estado de guerra) na verdade tinha seus interesses gravemente comprometidos na questão em causa no conflito. Essa importante carta é transcrita na íntegra e comentada em meu livro. D. Luiz e também seu irmão D. Antônio se alistaram por iniciativa própria e sem consultar os Pais, mas tanto o Conde d´Eu como a Princesa Isabel apoiaram inteiramente a decisão dos dois filhos que, ambos, perderiam a vida devido à Guerra. Em nenhum momento, mesmo durante os cinco anos de sofrimentos na frustrada tentativa de recuperar a saúde, D. Luiz proferiu a menor lamentação ou manifestou qualquer sinal de que se arrependia do engajamento assumido em agosto de 1914. Ele apenas havia cumprido seu dever, nada mais. Igualmente o Conde d´Eu e a Princesa, em suas cartas, jamais lamentaram a decisão dos filhos. Príncipes eram formados, acima de tudo, no culto do dever.

HP: D. Luiz deixou como legado, então, uma espécie de lição moral para seus descendentes?

AAS: Deixou, claro, e não só para seus descendentes, mas para todos os brasileiros. Esse foi seu maior legado e é isso que, penso, torna atual e útil rememorar a figura de D. Luiz no centenário de sua morte. A vida e o exemplo de D. Luiz são um modelo a ser considerado pela juventude brasileira de nossos dias, tão carente de bons modelos a serem seguidos. Esse aspecto, aliás, foi o que mais chamou a atenção do jovem Príncipe D. Rafael, como ele destaca no prefácio com que houve por bem honrar meu livro. O atual Chefe da Casa Imperial, neto e homônimo do Príncipe Perfeito, tem em seu escritório, num mostruário especial, as condecorações recebidas por seu avô, e conserva com zelo e veneração a espada que ele portou na Guerra.

* Artigo publicado originalmente na edição especial de nº 62 e 63 de nosso Boletim, “Herdeiros do Porvir”, referente aos meses de julho a dezembro de 2020.

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