“A escala e o alcance do ataque russo é notável. Eles capturaram em três semanas um território que é maior do que a massa terrestre do Reino Unido”, avaliou Larry C Johnson. “Os russos estão consolidando o controle de Mariupol e asseguraram todas as abordagens no Mar Negro”, acrescentou o analista dos EUA
Hora do Povo - Publicamos a seguir uma entrevista sobre a situação da guerra na Ucrânia com o especialista americano Larry C Johnson, veterano da CIA e do Escritório de Combate ao Terrorismo do Departamento de Estado. A entrevista foi feita pelo repórter australiano Mike Witney e publicada no portal Unz Review, na segunda-feira, 21 de março.
Larry Johnson, que treinou a comunidade de Operações Especiais das Forças Armadas dos EUA por 24 anos, avalia que as Forças Armadas da Ucrânia já foram abatidas. E a derrota final é só uma questão de tempo. “Nas primeiras 24 horas da operação militar russa na Ucrânia, toda a capacidades de Intercepção de Radar Terrestre Ucraniano foi dizimada”, disse ele.
Mike Witney: Você pode explicar porque acha que a Rússia está vencendo a guerra na Ucrânia?
Larry C. Johnson |
Larry C. Johnson: Nas primeiras 24 horas da operação militar russa na Ucrânia, toda a capacidades de Intercepção de Radar Terrestre Ucraniano foi dizimada. Sem esses radares, a Força Aérea Ucraniana perdeu a sua capacidade de intercepção ar-ar. Nas três semanas seguintes, a Rússia estabeleceu de fato uma zona de exclusão aérea (No Fly Zone) sobre a Ucrânia. Embora ainda vulnerável a mísseis portáteis terra-ar fornecidos aos ucranianos pelos EUA e pela OTAN, não há provas de que a Rússia tenha precisado reduzir as Operações Aéreas de Combate.
A chegada da Rússia a Kiev no prazo de três dias após o início da operação também chamou a minha atenção. Recordei que os nazis na Operação Barbarossa levaram sete semanas para chegar a Kiev e precisaram mais sete semanas para subjugar a cidade. Os nazis tinham a vantagem de não se incomodarem em evitar vítimas civis e estavam ansiosos por destruir infraestruturas críticas.
“A chegada da Rússia a Kiev no prazo de três dias após o início da operação também chamou a minha atenção”
No entanto, muitos dos chamados peritos militares americanos afirmaram que a Rússia estava atolada.
Quando uma coluna a 39 km (ou 64 km, conforme a fonte de notícias) foi posicionada ao norte de Kiev durante mais de uma semana, ficou claro que a capacidade da Ucrânia para lançar operações militares significativas fora eliminada. Se a sua artilharia estivesse intacta, então aquela coluna seria um alvo fácil para uma destruição maciça. Isso não aconteceu. Por outro lado, se os ucranianos tivessem meios de asa fixa ou rotativa viáveis, deveriam ter destruído aquela coluna a partir do ar.
Isso não aconteceu. Ou, se tivessem uma capacidade viável de mísseis de cruzeiro, teria chovido um inferno sobre a suposta coluna russa estagnada. Isso não aconteceu. Os ucranianos nem sequer montaram uma significativa emboscada de infantaria à coluna com os seus Javelins recém-fornecidos pelos EUA.
A escala e o alcance do ataque russo é notável. Eles capturaram em três semanas um território que é maior do que a massa terrestre do Reino Unido. Em seguida, procederam a ataques direcionados a cidades e instalações militares importantes. Não vimos um único exemplo de um regimento ou unidade com a dimensão de brigada ucraniana atacar e derrotar uma unidade russa comparável. Em vez disso, os russos dividiram o exército ucraniano em fragmentos e cortaram as suas linhas de comunicação. Os russos estão a consolidar o seu controle de Mariupol e asseguraram todas as abordagens no Mar Negro. A Ucrânia está agora cortada no Sul e no Norte.
Gostaria de notar que os EUA tiveram mais dificuldades em capturar este território no Iraque em 2003, enquanto lutavam contra uma força militar muito inferior e menos capaz. Esta operação russa deveria assustar os líderes militares e políticos dos EUA.
“Gostaria de notar que os EUA tiveram mais dificuldades em capturar este território no Iraque em 2003, enquanto lutavam contra uma força militar muito inferior e menos capaz. Esta operação russa deveria assustar os líderes militares e políticos dos EUA”
A grande notícia realmente chegou esta semana com os ataques de mísseis russos contra as bases de fato da OTAN em Yavoriv e Zhytomyr. A OTAN realizou um treino de cibersegurança em Zhytomyr em Setembro de 2018 e descreveu a Ucrânia como um “parceiro da OTAN”. Zhytomyr foi destruída com mísseis hipersônicos no sábado. Yavoriv sofreu um destino semelhante no domingo passado. Era o principal centro de treino e logística que a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a EUCOM (Comando Europeu dos Estados Unidos) utilizaram para fornecer combatentes e armas à Ucrânia. Um grande número do pessoal militar e civil daquela base sofreu baixas.
Não só a Rússia ataca e destrói bases utilizadas regularmente pela OTAN desde 2015, como também não houve nenhum aviso de ataque aéreo e não houve nenhuma interceptação dos mísseis de ataque.
Mike Witney: Por que é que a mídia está tentando convencer o povo ucraniano de que pode vencer a guerra contra a Rússia? Se o que diz está correto, então todos os civis que estão sendo enviados para combater o exército russo, vão morrer numa guerra que não podem vencer. Não compreendo por que é que os meios de comunicação social desejariam enganar as pessoas sobre algo tão sério. Quais são as suas ideias sobre o assunto?
Larry C. Johnson: Trata-se de uma combinação de ignorância e preguiça. Ao invés de fazerem reportagens reais, a vasta maioria dos meios de comunicação social (impressos e eletrônicos) bem como a Big Tech estão apoiando uma campanha de propaganda maciça.
“Ao invés de fazerem reportagens reais, a vasta maioria dos meios de comunicação social (impressos e electrónicos) bem como a Big Tech estão apoiando uma campanha de propaganda maciça”
Lembro-me de quando George W. Bush era Hitler. Lembro-me de quando Donald Trump era Hitler. E agora temos um novo Hitler, Vladimir Putin. É um cartilha cansada e falha. Qualquer pessoa que ouse levantar questões legítimas é imediatamente taxado como um fantoche de Putin ou um fantoche russo. Quando não se pode argumentar sobre fatos, o único recurso é adjetivar e agredir.
Mike Witney : Na semana passada, o Coronel Douglas MacGregor foi um convidado do Tucker Carlson Show. Os seus pontos de vista sobre a guerra são impressionantemente semelhantes aos seus. Eis o que ele disse na entrevista:
“A guerra realmente está acabada para os ucranianos. Eles foram feitos em bocados, não há dúvida sobre isso, apesar do que ouvimos dos nossos principais meios de comunicação. Portanto, a verdadeira questão para nós nesta fase é, Tucker, vamos viver com o povo russo e o seu governo ou vamos continuar a perseguir este tipo de mudança de regime travestida como uma guerra ucraniana? Será que vamos deixar de usar a Ucrânia como um aríete contra Moscou, que é efetivamente o que temos feito”. (Entrevista Tucker Carlson – MacGregor)
Concorda com MacGregor que o verdadeiro objetivo de incitar a Rússia a uma guerra na Ucrânia era “uma mudança de regime”?
Segundo, concorda que a Ucrânia está sendo utilizada como palco para os EUA levarem a cabo uma guerra por procuração contra a Rússia?
Larry C. Johnson: Doug é um grande analista, mas discordo dele – não creio que haja alguém na Administração Biden que seja suficientemente inteligente para pensar e planejar nesses termos estratégicos. Na minha opinião, os últimos sete anos têm sido a inércia do status quo da OTAN. O que quero dizer com isso é que a OTAN e Washington, acreditavam que poderiam continuar a avançar para leste nas fronteiras da Rússia sem provocar uma reação.
A OTAN e a EUCOM realizavam regularmente exercícios – incluindo o fornecimento de equipamento “ofensivo” de treino. Acredito que os relatos nos Estados Unidos de que a CIA estava fornecendo formação paramilitar às unidades ucranianas que operam no Donbass são críveis. Mas tenho dificuldade em acreditar que, após as nossas derrocadas no Iraque e no Afeganistão, tenhamos de repente estrategistas de nível Sun Tzu a influenciar decisões em Washington.
Há um ar de desespero em Washington. Além de tentar proibir todas as coisas russas, a Administração Biden está tentando intimidar a China, a Índia e a Arábia Saudita. Não vejo nenhum desses países se submetendo. Creio que a tripulação de Biden cometeu um erro fatal ao tentar demonizar todas as coisas e todas as pessoas russas. Se quer dizer alguma coisa, é que ele está unindo o povo russo em torno de Putin e eles estão prontos a entrincheirar-se para uma longa luta.
“Há um ar de desespero em Washington. Além de tentar proibir todas as coisas russas, a Administração Biden está tentando intimidar a China, a Índia e a Arábia Saudita”
Estou chocado com o erro de cálculo de pensar que sanções econômicas contra a Rússia os levariam a cair de joelhos. O oposto é a verdade. A Rússia é autossuficiente e não depende de importações. As suas exportações são críticas para o bem-estar econômico do Ocidente. Se retiverem trigo, potássio, gás, petróleo, paládio, níquel acabado e outros minerais chave do Ocidente, as economias europeia e norte-americana serão devastadas. E esta tentativa de coagir a Rússia com sanções tornou agora muito provável que o papel do dólar americano como moeda de reserva internacional venha a aparecer na lata de lixo da história.
Mike Witney: Desde que proferiu o seu famoso discurso em Munique em 2007, Putin tem-se queixado da “arquitetura da segurança global”. Na Ucrânia podemos ver como estas incômodas questões de segurança podem evoluir para uma guerra. Como sabem, em Dezembro Putin fez uma série de exigências relacionadas com a segurança russa, mas a administração Biden encolheu os ombros e nunca respondeu. Putin queria garantias escritas de que a expansão da OTAN não incluiria a Ucrânia (adesão) e de que sistemas de mísseis nucleares não seriam instalados na Romênia ou na Polônia. Pensa que as exigências de Putin não são razoáveis?
Larry C. Johnson: Penso que as exigências de Putin são bastante razoáveis. O problema é que 99% dos americanos não fazem ideia do tipo de provocação militar que a OTAN e os Estados Unidos levaram a cabo nos últimos sete anos. O público foi sempre informado de que os exercícios militares eram “defensivos”.
Isso simplesmente não é verdade. Agora temos notícias de que a DTRA (Defense Threat Reduction Agency – da sigla em inglês) estava financiando laboratórios biológicos na Ucrânia. Acho que Putin poderia concordar em permitir sistemas de mísseis nucleares dos EUA na Polônia e Romênia se Biden concordasse em permitir que sistemas russos comparáveis fossem implantados em Cuba, Venezuela e México. Quando olhamos para isto nestes termos, podemos começar a compreender que as exigências de Putin não são loucas nem sem razão.
Mike Witney: A mídia russa informa que mísseis russos “de alta precisão, lançados do ar” atingiram uma instalação na Ucrânia Ocidental “matando mais de 100 militares locais e mercenários estrangeiros”. Aparentemente, o centro de treino de Operações Especiais estava localizado perto da cidade de Ovruch, que fica apenas a 24 km da fronteira polaca. O que você tem a nos dizer sobre este incidente? A Rússia estava tentando enviar uma mensagem à OTAN?
Larry C. Johnson: Resposta curta: SIM! Os ataques militares russos na Ucrânia Ocidental durante a última semana chocaram e alarmaram os responsáveis da OTAN. O primeiro golpe ocorreu no domingo, 13 de Março, em Yavoriv, Ucrânia. A Rússia atingiu a base com vários mísseis, alguns alegadamente hipersônicos. Mais de 200 pessoas foram mortas, incluindo militares americanos e britânicos e pessoal de inteligência, e centenas de outros feridos. Muitos sofreram ferimentos catastróficos, tais como amputações, e estão no hospital. No entanto, a OTAN e os meios de comunicação social ocidentais têm demonstrado pouco interesse em informar sobre este desastre.
“A Rússia atingiu a base com vários mísseis, alguns alegadamente hipersônicos. Mais de 200 pessoas foram mortas, incluindo militares americanos e britânicos e pessoal de inteligência, e centenas de outros feridos”
Yavoriv era uma base avançada importante para a OTAN. Até Fevereiro (antes da operação russa na Ucrânia), o 7º Comando de Treino do Exército dos EUA estava operando a partir de Yavoriv, já em meados de Fevereiro. A Rússia não parou aí. Notícias da ASB Military informam que a Rússia atingiu outro local, Delyatyn, que fica a 97 km a sudeste de Yavoriv (na quinta-feira, creio). No dia 23, a Rússia atingiu Zytomyr, outro local onde a OTAN anteriormente tinha uma presença. Putin enviou uma mensagem muito clara – as forças da OTAN na Ucrânia serão vistas e tratadas como combatentes. Ponto final.
Mike Witney: O Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi badalado nos meios de comunicação ocidentais como um “líder em tempo de guerra” e um “Winston Churchill” dos tempos modernos. O que a mídia não consegue dizer aos seus leitores é que Zelensky tomou uma série de medidas para reforçar o seu domínio sobre o poder, prejudicando ao mesmo tempo as frágeis instituições democráticas na Ucrânia.
Por exemplo, Zelensky “proibiu onze organizações noticiosas da oposição” e tentou impedir o chefe do maior partido de oposição da Ucrânia, Viktor Medvedchuk, de concorrer a um cargo com uma acusação falsa de “financiamento do terrorismo”. Isto não é o comportamento de um líder que esteja seriamente empenhado na democracia.
Qual é a sua opinião sobre Zelensky? Será ele realmente o “líder patriótico” que a mídia o descreve?
Larry C. Johnson: Zelensky é um comediante e um ator. Não é muito bom nisso, a meu ver. O Ocidente está usando cinicamente o fato de ele ser judeu como um diversionismo do considerável contingente de neonazis (e refiro-me aos nazis genuínos que ainda celebram os feitos da unidade ucraniana Waffen SS enquanto lutavam ao lado dos nazis na II Guerra Mundial). Os fatos são claros – ele está proibindo os partidos políticos da oposição e fechando a mídia de oposição. Imagino que esta seja a nova definição de “democracia”.
“Zelensky é um comediante e um ator. Não é muito bom nisso, a meu ver. O Ocidente está usando cinicamente o fato de ele ser judeu como um diversionismo do considerável contingente de neonazis”
Mike Witney: Como é que isto acabará? Há um excelente post no site Moon of Alabama intitulado “What Will Be The Geographic End State Of The War In Ukraine”. O autor do post, Bernhard, parece pensar que a Ucrânia acabará por ser particionada ao longo do rio Dnieper “e a sul ao longo da costa que alberga uma população maioritariamente de etnia russa”. Ele também diz isto:
“Isto eliminaria o acesso ucraniano ao Mar Negro e criaria uma ponte terrestre em direção à Transnístria separatista moldava, que se encontra sob proteção russa. O resto da Ucrânia seria uma terra confinada, na sua maioria um estado agrícola, desarmada e demasiado pobre para ser construída como uma nova ameaça à Rússia num período breve. Politicamente, seria dominada pelos fascistas da Galiza, o que se tornaria então um grande problema para a União Europeia”.
O que é que pensa? Irá Putin impor a sua própria solução territorial à Ucrânia, a fim de reforçar a segurança russa e pôr fim às hostilidades, ou será mais provável um cenário diferente?
Larry C. Johnson: Concordo com Moon. O principal objetivo de Putin é proteger a Rússia das ameaças estrangeiras e efetuar um divórcio com o Ocidente. A Rússia tem os recursos físicos para ser um [país] soberano independente e está em vias de tornar realidade essa visão.
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