10 de jun. de 2022

Guerra na Ucrânia opõe Henry Kissinger e George Soros

Dois nonagenários que influenciaram geopolítica norte-americana ficaram em lados opostos no Fórum Econômico Mundial

Ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger vê erro em tentativa de marginalizar a Rússia | Foto: Reprodução

Dois imigrantes estabelecidos nos EUA, ambos sobreviventes da vida sob o domínio nazista, que ainda conseguem ser influentes na casa dos noventa anos, definiram os termos do debate no Fórum Econômico Mundial, realizado no final de maio, em Davos, na Suíça.

Henry Kissinger, que recentemente comemorou seu 99º aniversário, fez uma aparição virtual no evento. O ex-secretário de Estado norte-americano criticou as tentativas de marginalizar a Rússia, pedindo à Ucrânia que aceite as perdas territoriais de 2014 para acabar definitivamente com a guerra.

Poucas horas depois, o megainvestidor George Soros esteve pessoalmente no fórum, aos 91 anos, alertando que a vitória na guerra contra a Rússia de Vladimir Putin é necessária para ‘salvar a civilização’ e clamando para o Ocidente a fornecer à Ucrânia tudo o que o país precisa para prevalecer.

Assim, o Fórum Econômico Mundial viu dois nonagenários que definiram geopolíticas norte-americanas em lados opostos, conforme detalhou editorial do Wall Street Journal.

Kissinger, homem que teve papel crucial no cessar-fogo da Guerra do Vietnã, entre outros episódios de diplomacia internacional, contra Soros, investidor de raro sucesso, que há anos vem sendo o principal financiador de causas progressistas pelo mundo, por meio de sua fundação Open Society. Um alemão de nascimento, contra um húngaro, ambos acolhidos pelos EUA antes de influenciarem o jogo global, na política e na economia.

Valores norte-americanos para um mundo desalinhado

As prescrições dos dois veteranos são radicalmente diferentes, mas suas percepções têm algo em comum. Ambos acreditam que os valores e interesses norte-americanos fazem da defesa da paz na Europa o objetivo primordial da política externa do país.

Kissinger e Soros também se veem como defensores do que há de melhor na civilização ocidental. Ambos enxergam a guerra como um grande choque para o sistema mundial e temem as consequências de uma longa luta militar.

Por fim, tanto o veterano das relações internacionais como o guru dos investimentos acreditam que a Rússia é um problema secundário para a política norte-americana, concordando que o futuro das relações EUA-China é muito mais significativo no longo prazo.

Soros, assim como o governo Joe Biden, vê a luta dominante na política mundial entre democracia e totalitarismo. As democracias são obrigadas por lei a respeitar os direitos de seus cidadãos em casa e devem se comportar sob as restrições do direito internacional no exterior.

Já os governantes totalitários rejeitam tais limites em casa e no exterior, e a invasão da Ucrânia por Putin é tão ilegal quanto seu tratamento aos dissidentes em casa. O ataque russo à Ucrânia é uma ofensa aos princípios fundamentais da ordem internacional e, se for bem-sucedido, a política internacional retornará à lei da selva.

A posição de Kissinger é menos ideológica. Sempre houve e sempre haverá muitos tipos de governo no mundo, entende o ex-membro das administrações Richard Nixon e Gerald Ford na Casa Branca. O trabalho dos EUA é criar e defender um equilíbrio de poder que proteja a liberdade do país e de seus aliados, com o menor risco e custo possíveis.

Não existe a missão de converter russos e chineses ao evangelho da democracia, prega a linha de Kissinger. A Rússia, como o ex-secretário de Estado disse na sessão de Davos, é e continuará sendo um elemento importante na configuração política europeia.

Dilema sobre até quando intervir na Ucrânia

Olhando para a história, a única coisa que parece clara é que nenhuma das abordagens fornece um guia infalível para o sucesso. Os líderes franceses e britânicos que tentaram apaziguar Hitler na década de 1930 tiveram argumentos kissingerianos sobre a necessidade de respeitar os interesses nacionais alemães. Já os neoconservadores que pressionavam George W. Bush para invadir o Iraque externaram argumentos sorosianos sobre a natureza totalitária do regime de Saddam Hussein.

A nova tática da Rússia de ameaçar o abastecimento mundial de alimentos, bloqueando os portos ucranianos, lembra a todos que Putin ainda tem algumas cartas na manga, e muitos europeus parecem temer um embargo de gás russo mais do que os russos temem um boicote europeu.

A Ucrânia não pode travar uma longa guerra sem uma ajuda significativa do Ocidente, tanto econômica quanto militar. Quantos pacotes polpudos de ajuda o Congresso norte-americano está preparado para aprovar? Quantas rodadas de assistência econômica a União Europeia está disposta a fornecer em um momento em que muitas economias do bloco sofrem com inflação e altos preços dos combustíveis?

Se a guerra causar escassez de alimentos e fome em todo o mundo, espalhando instabilidade política, o Ocidente será capaz de coordenar uma resposta global mesmo enquanto continua a ajudar a Ucrânia?

Henry Kissinger e George Soros podem ter dominado os debates de Davos, mas o mundo ocidental ainda parece distante de um consenso sobre o futuro imediato.

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