Para Maria de Menezes, justiça 'não foi cumprida'
Quinze anos atrás, o brasileiro Jean Charles de Menezes foi morto a tiros em uma estação de metrô de Londres pela polícia, que o confundira com um suspeito de terrorismo. Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, sua mãe, Maria de Menezes, diz que sua dor "ainda não acabou".
"Minha dor ainda não acabou. Ainda estou sofrendo. Desde então, minha saúde se deteriorou."
"Me lembro daquele dia em que recebi a ligação dizendo que ele havia sido morto. Essa memória nunca me deixou. Sou mãe e nunca esquecerei meu filho. Sinto muita falta dele ".
Jean Charles foi seguido até a estação de metrô de Stockwell, imobilizado e baleado sete vezes na cabeça e no ombro, em 22 de julho de 2005.
Jean Charles, dez anos depois: cinco relatos
Os policiais responsáveis pela operação pensaram se tratar de Hussain Osman, suspeito dos ataques a bomba fracassados do dia anterior no transporte público de Londres.
O apartamento em que Jean Charles vivia com dois primos compartilhava uma entrada comum com uma propriedade ligada a Osman.
O incidente ocorreu em meio ao clima de pânico e de medo que se instaurou na capital britânica duas semanas após os atentados de 7 de julho em Londres — nos quais quatro homens-bomba mataram 52 pessoas.
"Eu tenho outro filho, mas ele não substitui o que eu perdi. Depois de tanto tempo, meu coração ainda está muito vazio", diz Maria à BBC News Brasil.
Jean Charles trabalhava como eletricista em Londres, onde chegou em 2002 com um visto de estudante.
O Crown Prosecution Service (CPS, ou o Ministério Público britânico) decidiu que nenhum policial deveria ser processado pelo assassinato do brasileiro.
Embora tenha dito que a morte poderia ter sido evitada, o CPS disse que não havia evidências suficientes para uma chance de condenação superior a 50%.
Por isso, nenhuma pessoa foi condenada individualmente pela morte.
A Polícia Metropolitana foi multada em £ 175 mil libras por violar as leis de saúde e segurança.
O júri de um inquérito subsequente rejeitou a versão da polícia de que Jean Charles foi morto legalmente por dois policiais e emitiu um veredito "aberto" ou inacabado no caso.
Ou seja, os jurados não estavam certos sobre as circunstâncias da morte de Jean Charles.
Túmulo de Jean Charles de Menezes em Gonzaga, no interior de Minas Gerais
Em 2016, a família de Jean Charles levou o caso ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, na tentativa de ver alguém ser processado. A ação foi vista como a última oportunidade de responsabilizar o Estado britânico e processar os policiais envolvidos.
Mas a decisão de que não havia provas suficientes para processar alguém não violou as leis de direitos humanos, disseram os juízes.
Os advogados da família de Menezes alegaram que o limiar de evidência era muito alto e, portanto, incompatível com o artigo 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos — que cobre o direito à vida.
No entanto, os juízes decidiram contra eles, por 13 votos a quatro.
O tribunal europeu disse ter acatado a conclusão da longa investigação das autoridades britânicas, de que não havia provas suficientes para uma chance realista de condenação de qualquer oficial por causa do tiroteio.
A família também argumentou que os policiais não deveriam ter sido autorizados a dizer que agiram em legítima defesa.
No entanto, o tribunal, em Estrasburgo (França), apoiou a definição legal de autodefesa na Inglaterra e no País de Gales — o que diz que deve haver uma crença honesta de que o uso da força era absolutamente necessário.
A corte disse que o caso era "indubitavelmente trágico" e que a frustração da família de Menezes pela ausência de processos individuais era compreensível.
No entanto, a decisão de não processar nenhum policial individualmente não se deveu a falhas na investigação "ou à tolerância ou conluio do Estado em atos ilegais", afirmou o tribunal.
Jean Charles de Menezes tinha 27 anos e trabalhava como eletricista
"Em vez disso, foi devido ao fato de que, após uma investigação aprofundada, um promotor considerou todos os fatos do caso e concluiu que não havia provas suficientes contra qualquer policial para cumprir o teste de limiar em relação a qualquer ofensa criminal."
"Não acho que a justiça tenha sido cumprida — de maneira alguma", diz Maria.
Questionada sobre se poderia perdoar os envolvidos na tragédia, ela acrescentou: "Ainda não sei. Porque a dor é demais. E eles (policiais) estavam muito mal preparados."
"Meu filho era honesto e inteligente. Nunca fez mal a ninguém. Eles (policiais) mataram um homem inocente."
O que aconteceu com Jean Charles de Menezes?
• Duas semanas após os atentados de 7/7 em Londres (que matam 52 pessoas e deixaram mais de 700 feridos), o transporte público é alvo de novos ataques, mas as bombas não explodem
• Uma caçada humana é iniciada para capturar os quatro homens suspeitos de tentar realizar o atentado
• A polícia encontra um endereço na Scotia Road, Tulse Hill, escrito em um cartão de membro de uma academia de ginástica em uma das malas não explodidas usadas pelos suspeitos
• Jean Charles, que morava em um dos apartamentos da Scotia Road, é erroneamente identificado pela polícia como Hussain Osman
• Ele é morto a tiros em 22 de julho pela polícia na estação de metrô de Stockwell
• Quatro homens, incluindo Osman, mais tarde são condenados por tentativa de atentado a bomba. Osman recebeu a sentença de prisão perpétua com pena mínima de 40 anos.
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