Queiroga é o ministro da Saúde que mais tempo se mantém no cargo desde o começo da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL)
Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil |
Iara Lemos - Ministro da Saúde que mais tempo se mantém no cargo desde o começo da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), o médico Marcelo Queiroga compara sua relação com o presidente com a que um paciente tem com seu médico: com conversas necessárias e muitas ações. Dessa forma, Marcelo Queiroga enfrentou não só as dificuldades de saúde agravadas em um país que lidava com a pandemia da Covid-19, como também de entidades ligadas à saúde e até profissionais da área, que divergiam com relação a condutas que deveriam ser tomadas. Marcelo Queiroga também enfrentou uma CPI no Congresso.
Em entrevista a Oeste, Marcelo Queiroga falou sobre atuação frente ao ministério e também sobre o que acredita que vai deixar de legado para a saúde. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista com Marcelo Queiroga.
O senhor é o ministro da Saúde que mais se manteve no cargo desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o poder. A que o senhor credita essa manutenção no cargo?
A relação de confiança que tenho com o presidente da República é fundamental para que possamos colocar em prática a agenda do governo. Os médicos são os operadores da confiança que os pacientes têm. Para mim, como médico há mais de 30 anos, não foi complexo, ao longo do período que estou aqui no ministério, ter a confiança do presidente para executar as políticas públicas de interesse dos brasileiros.
O senhor chegou ao Ministério da Saúde em março de 2021, durante o período mais crítico da pandemia de covid-19 no Brasil. Qual foi a parte mais difícil deste trabalho?
Um cenário de emergência de saúde pública internacional como a Covid-19 não é apenas de problemas relativos à saúde pública como também de efervescência política, social e econômica. Quando assumi o Ministério da Saúde, seguindo as recomendações do presidente Jair Bolsonaro, procurei harmonizar as relações entre a classe médica. Alguns médicos defendiam um tipo de conduta, outros defendiam outra, e as discussões eram muito acaloradas. O presidente pediu e orientou que eu procurasse harmonizar essas relações para avançar no que realmente faria a diferença no enfrentamento à pandemia. Tínhamos um número crescente de óbitos e um colapso do sistema de saúde. Não podíamos deixar hospitais sem suprimentos básicos, como oxigênio, kit intubação, e era necessário agilizar a aquisição de vacinas. Para a grande maioria delas já havia contratos, mas havia uma escassez de vacinas no mundo. Tivemos de negociar com os contratantes para que essas vacinas chegassem com mais celeridade ao Brasil.
Sua gestão foi criticada por entidades ligadas à saúde, como o Conselho Nacional de Saúde, que alegaram, sobretudo, atraso nas vacinas. Como o senhor reage a essas críticas?
As críticas fazem parte do sistema. Prefiro ser criticado do que ser bajulado. Os críticos às vezes me mostram a verdade. Bajuladores, às vezes, querem nos corromper. Entidades como o Conselho Nacional de Saúde, que deveriam representar o controle social do SUS, muitas vezes criticam sem apresentar propostas construtivas. Faz parte e eu respondo às críticas com resultados. Não houve retardo na vacinação no Brasil. Muito pelo contrário. O Brasil é um dos países que mais vacina no mundo. No começo de 2021 não havia vacina em nenhum país, somente nos que eram produtores, os quais proibiram exportar antes que vacinassem as suas populações. O Brasil foi muito bem em relação ao enfrentamento da pandemia, notadamente a partir de abril, quando as vacinas começaram a chegar em grande volume e o Sistema Único de Saúde mostrou sua grande força, havendo dias que mais de 2,4 milhões de brasileiros foram vacinados.
As críticas fazem parte do sistema. Prefiro ser criticado do que ser bajulado, afirma Marcelo Queiroga
Como as vacinas contra a covid-19 disponíveis no mercado ainda não finalizaram todas as etapas de estudos clínicos, o senhor é favorável à inclusão delas no Programa Nacional de Imunização? Por qual motivo?
A vacinação da covid-19 se desenvolveu rapidamente. Antes de serem incluídas de forma definitiva no Programa Nacional de Imunização, as vacinas precisam ser melhor conhecidas. Elas foram aplicadas no âmbito de uma emergência de saúde pública. No período pós-pandêmico, é necessário verificar qual é o tipo de vacina que deve ser utilizado, a efetividade, qual o número de doses que precisamos administrar na população, quais são os públicos-alvos para aplicar a vacina. Só depois de uma análise é que se inclui, não só a vacina da Covid-19, mas qualquer vacina no Programa Nacional de Imunização. O importante é que essa política pública foi disponibilizada e todos aqueles que desejaram tomar vacina, tomaram.
O que o senhor teria feito diferente do que fez na Saúde?
Enfrentamos seis meses de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Talvez essa CPI tenha sido um ponto extremamente negativo no enfrentamento da pandemia da covid. Não ajudou em nada. Não constatou nenhum tipo de irregularidade no Ministério da Saúde, não provou nada contra o governo e muito pelo contrário. Atrapalhou o enfrentamento à pandemia.
Durante a pandemia, o governo abriu hospitais de campanha e atuou na ampliação de leitos para atendimentos da doença. Mas parte dessa estrutura não se manteve no pós-pandemia. Qual legado a covid deixou para o SUS?
O governo distribuiu recursos para Estados e municípios. Muitos Estados abriram hospitais de campanha que não deixaram qualquer tipo de legado para o Sistema Único de Saúde. Mas não há dúvida que houve um legado para o SUS, porque o governo federal habilitou mais de 46 mil leitos de terapia intensiva, ficando de maneira permanente mais de 6 mil leitos. Foram fortalecidas estruturas de saúde, como os centros de inteligência e vigilância estratégica, boa parte localizadas em áreas de fronteira, que têm fluxo de cidadãos vizinhos do Brasil, fortalecendo os laboratórios públicos. A Fundação Oswaldo Cruz aumentou a capacidade produtiva. Hoje já é possível produzir a vacina da covid-19 com o IFA [ingrediente farmacêutico ativo] Nacional. Outro legado importante é o reconhecimento da população da importância do Sistema Único de Saúde. Antes da pandemia havia muitas críticas, as pessoas reclamavam de filas para cirurgias, da falta de vagas de terapia intensiva. Com a consciência da importância do Sistema Único de Saúde é mais fácil conseguirmos um financiamento adequado para o SUS e que todos, na estrutura tripartite do SUS, tenham mais eficiência na prestação do serviço de saúde.
A Polícia Federal deflagrou, nos últimos meses, operações para desarticular fraudes envolvendo recursos para a pandemia, como a compra de respiradores. Faltou fiscalização por parte do ministério da Saúde?
A estrutura de defesa do Estado brasileiro é composta pela Polícia Federal, pelos tribunais de contas, o setor de auditoria do Ministério da Saúde e a Controladoria-Geral da União. Temos reforçado os mecanismos de defesa, tanto é que identificamos uma fraude bilionária no programa Farmácia Popular do Brasil. Essas ações de fiscalização de aplicação dos recursos não competem exclusivamente ao Ministério da Saúde. Há recursos que são passados fundo a fundo, que na ponta, os tribunais de contas dos Estados também têm de fiscalizar. No caso da região Nordeste, um consórcio de governadores prometeu trazer vacinas e não trouxe sequer uma dose. Disse que ia comprar respiradores, também ninguém sabe onde estão, inclusive em alguns Estados foram instaladas comissões parlamentares de inquérito e essas sim, fiscalizaram e encontraram irregularidades.
Pena que a CPI instalada no Congresso entendeu que não deveria investigar onde havia realmente desvio de recursos, afirma Marcelo Queiroga
O senhor defende a manutenção do teto de gastos como política de Estado ou propõe um outro modelo?
O teto de gastos ocorreu pela irresponsabilidade fiscal de governos anteriores. Ninguém institui um teto de gastos para prejudicar a saúde e a educação. O governo que antecedeu o presidente Bolsonaro teve de aprovar uma Emenda Constitucional impondo teto para garantir a responsabilidade fiscal e o governo Bolsonaro manteve. Foram alocados recursos acima do previsto na Constituição, ou seja, não faltaram recursos públicos. Recursos na saúde sempre são bem-vindos. A política fiscal implantada pelo ministro Paulo Guedes tem feito o governo ter superávits cada vez maiores. Nossa ideia é que em um eventual segundo governo Bolsonaro seja possível que esse teto seja flexibilizado, proporcionando mais recursos para a saúde e a educação. Mas também temos de fazer o dever de casa, com mais eficiência na assistência à saúde. Na atenção básica, trazendo novo modelo de remuneração, fazendo com que grande parte dos casos sejam resolvidos já no primeiro atendimento. Na atenção especializada é preciso fazer reformas no modelo de remuneração. Estamos fazendo isso, com programas de qualidade , como é o caso do QualiSus Cardio, que remunera melhor quem tem menor tempo de internação e menor número de mortalidade. Esse hospital pode receber até 75% a mais.
O Sistema Único de Saúde está previsto na Constituição Brasileira, mas nem toda a população consegue ser atendida por ele. O senhor concorda com a forma a qual este modelo está baseado?
É um dos modelos mais avançados que existem de acesso à saúde no mundo. O Brasil teve coragem de instituir esse modelo integral, igualitário e gratuito para atender a uma população de mais de 200 milhões de habitantes. O que temos é que a cada dia construir um modelo que permita acesso com equidade. O Ministério da Saúde tem trabalhado diretamente com o governo e o Congresso para a implementação de um marco de regulação para as tecnológicas no SUS. Além de assegurar o que é um direito humano, a saúde também é um grande negócio. Cerca de 10% do PIB é despendido em saúde. O Brasil tem 0,5% de renúncias fiscais. É uma oportunidade de geração de emprego na área do serviço, oportunidade de fomento na pesquisa. É um cenário muito promissor para o Brasil, mas é preciso que haja uma gestão sem corrupção, com pessoas técnicas ocupando as funções.
O Brasil tem registrado uma queda na imunização contra doenças que já estavam erradicadas, como o sarampo. Como reverter esse quadro?
Isso é um fenômeno mundial. A queda da cobertura vacinal se intensificou com a covid, em parte porque as pessoas ficaram em casa e outro ponto, até paradoxal, é uma falsa segurança. As pessoas acham que as doenças foram embora, mas não podemos baixar a guarda. Temos de manter a cobertura vacinal elevada. Não justifica que dispondo de vacinas antigas e seguras, que a população conhece, termos casos de poliomielite e sarampo. O sarampo voltou ao Brasil em 2019. Foram cidadãos da Venezuela que, fugindo da ditadura esquerdista, fugiram para cá e trouxeram o sarampo. Felizmente os casos caíram fortemente e é possível que o Brasil volte a ter o reconhecimento de um país livre de sarampo, a curto prazo. Agora, a poliomielite nos preocupa. A cobertura vacinal está baixa. Tenho me empenhado para conclamar que os pais levem as crianças com menos de cinco anos para a sala de vacinação. São cerca de 15 milhões de crianças que precisam completar o esquema vacinal primário e as doses de reforço que são fundamentais para que não tenhamos mais nenhuma criança brasileira com sequela de poliomielite.
Como o senhor recebeu a decisão do ministro Edson Fachin, em agosto deste ano, de proibir seu pronunciamento sobre vacinação de pólio em cadeia de rádio e televisão?
É uma decisão do Judiciário, e decisão judicial se cumpre. Eu, naturalmente, lastimo porque a nossa intenção era levar uma informação de qualidade, conclamar que pais e mães levem seus filhos para vacinar e o desejo de usar a rede nacional de rádio e televisão era para informar a população brasileira.
O que o senhor pretende deixar como legado para a saúde brasileira?
O fortalecimento do sistema Único de Saúde. A consciência de que o SUS é a principal ferramenta de inclusão social do país e que tem condições de resolver os problemas de saúde pública da população.
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